Seca extrema na Amazônia expõe patrimônios arqueológicos inéditos

Gravura ruprestre talhada em pedra na Ponta das Lajes, na Zona Sul de Manaus. (6.out.23 - Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – A seca extrema dos rios na Amazônia tem evidenciado patrimônios arqueológicos nunca antes encontrados, que contam histórias do modo de vida de antepassados, mas que estão ameaçados com a falta de atenção dos poderes públicos e já se tornaram até mesmo atração turística. Em Manaus e no interior do Amazonas, desenhos rupestres e cerâmicas, estimados em cerca de 2 mil anos, surgiram com a pior seca em 121 anos.

O sítio arqueológico Ponta das Lajes, na Zona Leste da capital amazonense, é um dos lugares onde desenhos em forma de rostos e evidências do uso de ferramentas, talhados em pedras de uma parede rochosa, ficaram descobertos pelas águas do Rio Negro. Alguns dos achados já eram de conhecimento de pesquisadores, pois surgiram em grandes secas, como a de 2010, mas outros são inéditos.

Além da capital amazonense, artefatos arqueológicos também são encontrados, em períodos de grande seca, em municípios como Iranduba, Manacapuru e Coari. Na semana passada, cerâmicas e gravuras foram identificadas também em Alvarães, a 530 quilômetros de Manaus.

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Segundo o arqueólogo Carlos Augusto Silva, no conjunto de símbolos identificados no Sítio das Lajes, há indícios do uso das pedras para afiar e amolar ferramentas. O primeiro deixou linhas finas, como se algo fosse arrastado para frente e para trás. O segundo deixou a marca de buracos, com cerca de 10 a 15 centímetros de diâmetro e 5 centímetros de profundidade, como se a ferramenta fosse torcida na pedra. Além disso, as formas de rostos desenhados nas pedras também indicam uma área de interação social.

“O Sítio das Lajes tem essa magnitude. Talvez demonstre que ali era uma área de produção de ferramentas. Agora, não foi usado intensamente, talvez exatamente pela subida e descida das águas. Isso mostra que o rio talvez descesse assim em outras épocas, não intensamente ou constantemente”, explica o pesquisador. “São dados novos ainda que não são do conhecimento da arqueologia, esse tipo de gravura”.

Além das gravuras em pedras, já foram identificadas, no complexo arqueológico, artes em cerâmica e urnas funerárias, associadas a rituais fúnebres. “É algo bastante interessante para entender que a história da Amazônia é bastante longa. Ao que parece, esses povos tinham três categorias de trabalho: a terra, a água e a floresta. Portanto, isso é uma amostra desse trabalho dessas populações que viveram nesse ambiente aqui, no abraço do Rio Negro e Solimões, e deixaram essas figuras”, acrescenta Carlos Augusto Silva.

Rosto gravado em rocha no Sítio das Lajes, Zona Leste de Manaus. (26.out.23 – Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)
Ponta das Lajes

A região é conhecida por ser uma área onde, em períodos de seca, surge uma praia muito procurada por banhistas da capital amazonense. As gravuras rupestres começaram a surgir quando o nível do Rio Negro atingiu a menor cota da história, há cerca de duas semanas. Na sexta-feira, 27, o nível se estabilizou em 12,70 metros, quase um metro abaixo da última grande seca, em 2010, quando chegou a 13, 63 metros.

Estrutura rochosa na Ponta das Lajes surge quando nível do Rio Negro diminuiu severamente. (26.out.23 – Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

No local, a CENARIUM constatou uma grande quantidade de lixo, assim como a presença de visitantes e turistas que vão ao local atraídos pela repercussão do aparecimento das gravuras rupestres.

Pintura

Na quinta-feira, 26, as gravuras chegaram a ser pintadas com pigmento pelo artista plástico e historiador Otoni Mesquita, sem autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Os registros foram publicados nas redes sociais pelo perfil Manaus de Antigamente e apagados após internautas questionarem a ação.

Visitantes e turistas frequentam local onde estão as gravuras. (26.out.23 – Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

Com a repercussão negativa, o historiador afirmou, em nota, que o procedimento foi realizado com um pincel de pelo, aplicando caulim, uma argila natural de coloração branca, que foi imediatamente retirado com água após ele ter feito um registro fotográfico. Otoni Mesquita ainda pediu desculpas, mas afirmou que o seu “método de investigação” está dentro dos pressupostos de formação acadêmica.

O artista plástico e historiador Otoni Mesquita no local onde gravuras rupestres reapareceram com a estiagem na Ponta da Lajes (Reprodução/Redes Sociais)

O Iphan informou que realizou junto ao Instituto Soka Amazônia, nesse sábado, 28, uma ação de limpeza de resíduos sólidos no Sítio Arqueológico Ponta das Lajes, com um conjunto de aproximadamente 200 voluntários, entre pesquisadores e sociedade civil, todos devidamente cadastrados e orientados para ação na área.

Ainda de acordo com o instituto, também estiveram na ação a Polícia Federal e a Secretaria Municipal de Segurança Pública e Defesa Social (Semseg), que fará ronda na região para coibir possíveis ações contra o Patrimônio Arqueológico.

Ação de limpeza foi realizada pelo Iphan, Instituto Soka Amazônia e voluntários. (Divulgação)

O instituto ainda ressaltou que os bens arqueológicos pertencem à União, e que a legislação “veda qualquer tipo de aproveitamento econômico de artefatos arqueológicos, assim como sua destruição e mutilação“. Para a realização de pesquisas de campo e escavações, é preciso o envio prévio de projeto arqueológico ao Iphan, que avaliará e editará portaria de autorização.

Estiagem no Rio Negro, no Amazonas. (18.out.23 – Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

“Já que aparece isso, é dever do Estado brasileiro, juntamente com a sociedade civil organizada e os poderes públicos, tentar manter essa história. Porque, segundo a Política Nacional do Meio Ambiente, todos têm direito a um meio ambiente saudável e também com sua história preservada. Se hoje não tomarmos providências, é possível que daqui a 20, 30 anos, aquilo não estará ali para as outras gerações. Isso é uma espécie de preocupação que todos nós devemos ter em mente”, acrescentou o arqueólogo Carlos Augusto Silva.

Edição por Marcela Leiros

Revisão por Gustavo Gilona

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