STF pode dar contribuição histórica e acabar com retrocesso ambiental em julgamentos do ‘pacote verde’

O Supremo Tribunal Federal (STF). (Divulgação)
Com informações da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO – ‘Pacote verde’ é um eufemismo. O que está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) é a ‘boiada’, como ficou conhecida a desregulamentação de políticas ambientais promovida pelo Governo Bolsonaro.

Das sete ações do pacote ambiental em julgamento pelo STF, seis tratam de feitos do Executivo Federal dos últimos três anos, excetuando-se apenas a alteração nos padrões de qualidade do ar, feita em 2018 por resolução do Conama e tratada pela Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.148.

As outras, mais recentes, também tratam de violações constitucionais: sobre descumprimento das metas climáticas do Acordo de Paris e do programa de combate ao desmatamento da Amazônia (ADPF 760), retirada de autonomia do Ibama na Operação Verde Brasil 2 (ADPF 735), exclusão da sociedade civil do conselho do Fundo Nacional de Meio Ambiente (ADPF 651), omissão no combate ao desmatamento (ADO 54), paralisação do Fundo Amazônia (ADO 59), e a concessão automática de licenciamento ambiental, feita por medida provisória (ADI 6.808). As siglas ADPF e ADO correspondem a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão.

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A ministra Cármen Lúcia fala no plenário do STF
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia descreveu o desmonte dos órgãos de fiscalização ambiental como uma ação de cupins, silenciosa e invisível – Nelson Jr/STF

Caso o plenário acompanhe a interpretação da ministra Cármen Lúcia de que há um estado de coisas inconstitucional —como ela descreveu ao proferir seu voto condenando a omissão do governo em relação ao desmatamento da Amazônia—, o STF criará um marco histórico, assumindo uma falha estrutural e determinando ações ao Executivo para uma correção de rumo.

“Já houve o reconhecimento de um estado de coisas inconstitucional para o sistema prisional, por exemplo, mas seria novo na pauta ambiental”, avalia o advogado Maurício Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental e coordenador da elaboração da ADPF 760.

“O termo significa uma violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais; aponta uma falha estrutural e que demanda respostas estruturais”, afirma Guetta.

Está justamente aí a contribuição histórica que o STF pode deixar para o futuro da política ambiental: ao acusar uma falha estrutural, a Suprema Corte coloca uma placa de contramão na rota que o governo atual tenta legitimar.

“Parecer, caneta”. Foi assim que o então ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) recomendou aos colegas de governo — na famosa reunião interministerial de 22 abril de 2020— proceder para que a desregulamentação de normas aparentasse normalidade. “Sem parecer, é cana”, avisou na reunião.

Em seu voto no início do julgamento sobre possível omissão do governo no combate ao desmatamento, Cármen Lúcia descreveu o desmonte dos órgãos de fiscalização ambiental como uma ação de cupins, silenciosa e invisível.

Policiais federais e servidores do Ibama atuam em garimpos ilegais na região do rio Crepori, no município de Jacareacanga, no Pará. A ação é parte da Operação Caribe Amazônico, que ocorre nas proximidades da terra indígena Munduruku
Policiais federais e servidores do Ibama atuam em garimpos ilegais na região do Rio Crepori, no município de Jacareacanga, no Pará. (Pedro Ladeira/ Folhapress)

O disfarce de uma nova gestão, sob o qual ocorreu a deterioração do Sistema Nacional do Meio Ambiente, mal serviu para enganar a plateia bolsonarista.

Ainda assim, o procurador-geral da República, Augusto Aras, levou ao STF as mentiras espalhadas no governo Bolsonaro sobre ONGs ambientais, em uma tentativa de deslegitimar as ações judiciais promovidas por elas. Repetiu a informação falsa de que essas organizações ambientalistas estariam concentradas na Amazônia (na verdade, a região Norte só tem 8% das ONGs do País).

Ironicamente, ele o fez justamente no dia em que o STF passou a julgar a exclusão da sociedade civil do conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente, acabando por confirmar a contrariedade do governo à participação pública.

Ao desmascarar retrocessos ambientais disfarçados de uma gestão legítima, o STF pode estabelecer um marco para o desenvolvimento da política ambiental. Dado que protege um direito fundamental, ela só pode mudar no sentido da melhoria e do aumento da eficiência.

Como afirmou a ministra Cármen Lúcia, o Governo Bolsonaro poderia, sim, ter trocado a política de combate ao desmatamento, desde que o fizesse por uma estratégia minimamente eficiente, que mostrasse progressividade dos resultados.

Embora o Governo Bolsonaro tenha promovido um nível alarmante de retrocessos ambientais, eles não são inéditos na política brasileira, nem nos julgamentos da Suprema Corte.

Em 2018, o STF julgou que a maioria dos artigos do Código Florestal —aprovado pelo parlamento em 2012 com redução das exigências de proteção ambiental— era, sim, constitucional. A Suprema Corte também julgou como inconstitucionais as mudanças em áreas das Unidades de Conservação, feitas por medida provisória no Governo Dilma Rousseff.

Ou seja, os retrocessos ambientais são ameaças constantes, presentes e futuras, da política ambiental brasileira, já que os interesses de setores econômicos beneficiados pela exploração desenfreada seguem influentes sobre diferentes governos.

Nenhum governo anterior, no entanto, havia assumido publicamente o desejo de diminuir a proteção ambiental. A mensagem política permitiu o desmatamento e o desmantelamento institucional recordes, mas também provocou respostas urgentes da sociedade, do plano internacional e do Judiciário.

Para além da possível correção aplicada à política atual, o sinal que o STF oferece aos futuros governos com este julgamento pode ser ainda mais significativo. Isso porque o método ‘parecer, caneta’ sugerido por Salles é velho conhecido de parlamentares e gestores do Executivo, que fazem uso constante de subterfúgios jurídicos ou até mesmo de falsas controvérsias ambientais para tentar legitimar retrocessos ambientais.

Ao posicionar os direitos ambientais entre os pilares da República e condicioná-los à participação democrática —sua garantidora— o julgamento do STF aponta um rumo inexorável para a política ambiental: de avanço.

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