Terapia de prevenção ao HIV, Prep tem alta taxa de desistência baseada em desinformação

O Ministério da Saúde afirma estudar formas de facilitar o acesso à Prep, como instaurar a possibilidade de teleatendimento, reduzindo, assim, as barreiras de acesso e facilitando a manutenção do cuidado (Reprodução)
Da Revista Cenarium*

SÃO PAULO – Nos últimos cinco anos, o número de usuários da Profilaxia Pré-Exposição (Prep) cresceu, significativamente, no Brasil. Entretanto, quase metade das pessoas (46%) optou por não prosseguir a terapia, segundo dados do Ministério da Saúde.

A Prep consiste em tomar, diariamente, a combinação dos antirretrovirais tenofovir e entricitabina, evitando, assim, a infecção pelo vírus causador da Aids. Pessoas a partir de 15 anos têm acesso ao método.

Em seu painel, o governo não separa as interrupções por ano, computando o acumulado de janeiro de 2018 até dezembro de 2022. São considerados desistentes aqueles que iniciaram o tratamento e não retornaram para consulta médica no tempo estimado para receber nova dose.

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Pílula do Truvada, usada no tratamento profilático contra o HIV (Dado Galdieri/The New York Times)

O método começou a ser distribuído pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em 2018 e, logo, seus adeptos se multiplicaram. Naquele ano, 6.195 pessoas iniciaram o uso. Hoje, o número de contemplados, com ao menos uma dose, já passa de 89 mil.

Apesar da alta adesão inicial, quase 41 mil decidiram descontinuar a profilaxia. Não há dados sobre possíveis causas da desistência.

Em nota, o Ministério da Saúde diz ser a Prep uma estratégia adicional de prevenção que, diferentemente dos medicamentos para HIV, não precisa ser feita ao longo de toda a vida.

“Caso o contexto do indivíduo mude, ele pode avaliar junto à equipe médica que o acompanha a possibilidade de interrupção. Também pode ser feita a escolha por outro método preventivo, a depender da avaliação individual”, afirma a pasta.

Ricardo Vasconcelos, médico infectologista e pesquisador do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, diz que é possível creditar a quantidade de desistências a mais de um fator.

O primeiro são as mudanças no estilo de vida dos usuários. “Imagine uma pessoa solteira com diversos parceiros sexuais que queira utilizar a profilaxia. Em um mês, a situação pode mudar. Ela pode encontrar alguém, iniciar uma relação monogâmica e desistir da Prep para utilizar camisinha, isso é comum”, afirma Vasconcelos.

Mas, acrescenta o médico, há uma segunda possibilidade, esta mais perigosa e dependente de observação atenta: a da desistência compulsória sem ponderação ou alternativa.

“O grande problema é interromper de maneira equivocada, sem indicação e opção em mente. E muita gente faz isso somente pelo incômodo de tomar pílulas diariamente. Neste caso, há uma banalização dos perigos do HIV e é nela que as piores possibilidades habitam.”

Novos tratamentos e novas estratégias de prevenção transformaram a Aids em uma doença crônica (Reprodução/Getty Images)

A dificultosa jornada para acesso ao método e o estigma a ele associado também podem deixá-lo menos atrativo, diz o infectologista Alvaro Costa, do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids do Estado de São Paulo.

“Há muitas barreiras para continuar o tratamento. O paciente sempre deve ir ao centro de referência para se consultar e pegar remédios, muitas vezes, longe de casa, é fácil querer desistir. Ainda tem o estigma. Você não quer ser visto, alguém pode pensar que você tem Aids ou, quando homens, já deduzir que são gays”, diz Costa.

O Ministério da Saúde afirma estudar formas de facilitar o acesso à Prep, como instaurar a possibilidade de teleatendimento, reduzindo, assim, as barreiras de acesso e facilitando a manutenção do cuidado.

A profilaxia pré-exposição deve ser utilizada quando há qualquer risco de infecção pelo HIV. São elencadas algumas situações de maior perigo, como exercício de trabalho sexual e relações frequentes com mais de um parceiro.

Segundo estudos, a terapia reduz em até 95% a incidência do vírus em participantes com níveis sanguíneos detectáveis do medicamento — ou seja, com adesão constante à prevenção.

Há duas formas de utilizar o método. A contínua, com o uso de um comprimido diário sem tempo determinado, e a sob demanda, em que se deve consumir a combinação até duas horas antes da relação sexual e outras três doses em até dois dias.

Atingir um número maior de adeptos e, concomitantemente, fazer com que estes acreditem que a terapia é viável a longo prazo, tem sido a maior dificuldade desde a instauração da Prep.

Muito disso, diz Valdez Madruga, coordenador do comitê de HIV/Aids da Sociedade Brasileira de Infectologia, pode ser atribuído à pouca publicidade dada ao método.

A Prep consiste em tomar, diariamente, a combinação dos antirretrovirais tenofovir e entricitabina, evitando assim a infecção pelo vírus causador da Aids (Divulgação/Prefeitura de Mucuri)

“É mais um método de prevenção, é claro, mas temos que alcançar mais pessoas e mostrar a possibilidade. Isso nunca foi feito no País. Informação é a principal arma para a prevenção”.

A deficitária universalização da prevenção causa, segundo Madruga, um fenômeno de bolha. Os dados federais mostram que homens gays ou bissexuais, brancos, acima dos 30 anos e com maior escolaridade, são a maior parte dos que buscam o método. Por outro lado, o grupo não é, atualmente, o mais afetado pelo HIV.

Segundo boletim divulgado no fim do último ano pelo Ministério da Saúde, entre os homens, nos últimos dez anos, foi observado um incremento na taxa de detecção de Aids nas faixas de 15 a 19 anos, de 20 a 24 anos e de 25 a 29 anos.

É destacado que o aumento entre jovens dessas faixas etárias foi, respectivamente, de 45,9%, 26,2% e 16% entre 2011 e 2021.

Entre as mulheres, também nos últimos dez anos, a taxa de detecção apresentou decréscimo em todas as faixas etárias, sendo as de 30 a 34 anos e de 35 a 39 anos as com maiores quedas: 57,5% e 53,7%, respectivamente, quando comparados os anos de 2011 e 2021.

Um quarto da população ativamente consumidora da Prep está no Estado de São Paulo. Atualmente, são quase 20 mil pessoas, sua grande maioria na capital.

A proporção de desistentes é um pouco superior comparada ao cenário nacional. Desde 2018, 50% optaram por não prosseguir no método.

Adriano Queiroz, coordenador de prevenção da coordenadoria de IST/Aids da Secretaria da Saúde paulista, diz que a profilaxia é muito eficiente, mas ainda visto como algo passageiro. “Por enquanto, as pessoas parecem entender como um tratamento de fase, ou seja, que só deve se tomar em um período da vida, aquele em que se está solteiro e com vários parceiros”.

(*) Com informações da Folhapress
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