Ufam ocupa sétimo lugar no ranking de assédio moral em instituições federais

Relatos de estudantes e funcionários expõem realidade vivida no campus da capital amazonense. (Reprodução/Internet)

Carolina Givoni e Marcele Fernandes* – Da Revista Cenarium

MANAUS – Um levantamento da Controladoria Geral da União (CGU) divulgado nesta segunda-feira, 3, aponta que a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) está entre as instituições públicas federais com mais denúncias sobre assédio moral. Relatos de estudantes e funcionários expõem a realidade vivida no campus da capital amazonense.

O professor de filosofia Carlos Alberto (1), 46 anos, afirma que tem sofrido perseguição por lecionar assuntos inerentes ao próprio conteúdo programático. “Muitos outros professores e até mesmo técnicos do campus me acusam de ser ‘esquerdista’, ‘doutrinador’ e até mesmo ‘maconheiro’. Isso não tem o menor fundamento! O que falamos dos teóricos são abordagens comuns ao currículo universitário. Desde que Bolsonaro foi eleito, não tenha um dia que não seja ofendido de alguma forma. São desrespeitos diários”, desabafa.

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Conforme apuração da Folha de São Paulo, sob a gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) os índices de denúncias cresceram de janeiro a julho deste ano. Por exemplo, foram 254 relatos registrados. Em todo o ano passado, 426, um avanço de 20% em relação aos 356 casos registrados em 2018 e de 49% ante os 285 em 2017, ambos sob a gestão de Michel Temer (MDB).

Incidência das denúncias nas gestões federais ao longo dos anos (Arte/Revista Cenarium)

De acordo com a CGU, parte do aumento de manifestações está relacionada ao crescimento de usuários da plataforma chamada de Fala.br. Após um decreto, o acesso à ferramenta se tornou obrigatório a órgãos e entidades do Poder Executivo federal a partir de 2018. Antes, as denúncias podiam ser registradas em sistemas ou procedimentos próprios dos órgãos aos quais as ouvidorias estavam vinculadas.

Dados levantados pela Controladoria Geral da União – CGU (Arte/ Revista Cenarium)

Outros casos de assédio

Outros casos de assédio ocorreram na Ufam, como por exemplo, o envolvimento de um professor substituto em denúncias feitas por alunas do curso de Jornalismo da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da Universidade Federal. Uma carta de repúdio com relatos de quatro estudantes foi enviada a Ouvidoria, e o caso está sendo investigado pela universidade.

Segundo relatos de denunciantes, o professor teria assediado alunas, contado seus momentos íntimos, e até mesmo tocado no corpo das estudantes, além chamar por apelidos de cunho sexual.

A universitária do curso de química, Cássia Andrade (2), 19 anos, explica que sofreu assédio moral do professor na presença de outros alunos, além de ser assediada sexualmente em outros momentos.

“Ele descontava ‘minha suposta falta de interesse’ nas minhas notas. Eu sabia que as questões estavam certas, mas ele insistia em dizer que estavam erradas, só pra eu ter que procurá-lo em outro momento. Fui reprovada por não corroborar com esse tipo de comportamento, mas não pude deixar de ir atrás. Na ocasião, ele sugeriu que poderíamos resolver de ‘outras formas’, enquanto ‘acidentalmente’ insistia em passar a mão nas minhas pernas. Me senti extremamente incomodada e liguei pra uma amiga sem que ele percebesse. Minha colega apareceu, e foi o que me salvou. Ele ‘me passou’, mas não com a nota correta. Ainda teve a ousadia de contar que poderia ter sido muito mais duro comigo se eu tivesse permitido”, lamenta.

Procedimentos

Segundo o advogado Christhian Naranjo, o assédio moral consiste na exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras. “Isso ocorre durante o horário de trabalho e no exercício das funções. Difamações, injúrias, procedimentos disciplinares sem a garantia de defesa ou de forma parcial e perseguição política, são alguns exemplos”, explica.

Naranjo afirma que uma vez configurado o assédio no âmbito público federal, a vítima deve comunicar o fato administrativamente para a CGU, por meio do “fala.br”. Assim como nos canais do Ministério Público Federal (MPF), ou até mesmo na Policia Federal (PF). “A pessoa também buscar auxílio junto ao Ministério Público Federal e Policial Federal. Não menos importante, deve a vítima buscar socorro junto ao Poder Judiciário, em razão do evidente dano moral e psicológico sofrido.

O especialista ainda ressalta que caso o assédio parta de professores contra alunos, estes devem buscar as autoridades. “Sendo assim, os prejudicados por um eventual cometimento de crime, podem procurar a justiça sem prejuízo da ação cível própria indenizatória contra a instituição”, finaliza.

Reitor se explica

O reitor da Ufam, Sylvio Puga, afirma que tem buscado combater o assédio moral, junto a órgãos como o Ministério Público Federal (MPF). “Da minha parte estou tranquilo, e ressalto que não tenho acesso ao teor das denúncias apuradas pela ouvidoria. O levantamento feito [pela Folha] só considerou a tipificação numérica dos casos, mas quando as apurações são feitas e os casos concluídos, podemos dizer que a origem foi causada por um problema interpessoal e não de assédio organizacional”, explica.

Puga faz referência a polarização política nas Universidades, e descarta perseguição de servidores por causa de ideologia. Ele ainda declara que a tipificação das acusações parte de alunos contra professores, ou até mesmo de funcionários com hierarquias diferentes, seria ideal para explicar o posicionamento da Ufam no ranking.

“O combate formal ao assédio moral acontece desde que assinamos um termo de compromisso com várias entidades federais. Assinamos de forma pública o compromisso de lutarmos contra qualquer forma de assédio na Universidade”, finalizou Sylvio Puga.

Os números (1) e (2) são relativos aos nomes criados para preservar a identidade dos entrevistados.

(*) Estagiária sob supervisão

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