Uma agência reguladora do Ensino Superior não garante ensino público, gratuito e de qualidade

O anúncio da criação de uma agência reguladora para o ensino superior brasileiro atende a uma necessidade decorrente do setor privado, mas está longe de ser uma boa notícia para a rede pública. O ministro da Educação, Camilo Santana, acredita que a agência tornará mais eficientes e ágeis os processos avaliativos dos cursos de graduação, especialmente os oferecidos por instituições particulares, que respondem por 78% das matrículas no país. No entanto, para as universidades e institutos federais, carentes em infraestrutura e recursos humanos, o reforço dos orçamentos será mais eficiente do que aprimorar processos avaliativos.

Hoje, a supervisão do ensino superior é feita pelo MEC por meio do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), que analisa as instituições, os cursos e o desempenho dos estudantes. O processo de avaliação leva em consideração aspectos como ensino, pesquisa, extensão, responsabilidade social, gestão da instituição e corpo docente. O Sinaes reúne informações do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) e das avaliações institucionais e dos cursos. Os resultados são utilizados para sinalizar às instituições de ensino o que deve ser melhorado para garantir qualidade no processo de formação.

Segundo Camilo Santana, apesar dos esforços do MEC, o número crescente de cursos não permite ao ministério realizar as avaliações com a velocidade e eficiência necessárias. Em razão disso, ele propõe a criação de uma agência reguladora, que teria como missão principal a fiscalização, a regulamentação e o controle do ensino superior público e privado no país. Atuando de forma semelhante a outras agências como a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a primeira criada no Brasil e cuja função é fiscalizar e regular questões relacionadas às telecomunicações.

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No caso das instituições privadas, em razão do número de cursos e da forma de financiamento, a medida tem potencial de eficácia. Segundo o Senso da Educação Superior 2022, a rede privada passa por um processo de expansão que teve início nos anos 90 e hoje alcança 7,3 milhões de alunos, o que representa 78% do sistema de educação superior do Brasil. Os recursos para criação e manutenção dos cursos são privados, cabendo ao MEC a supervisão e regulação, ou seja, fiscalizar e cobrar das instituições medidas como a contratação de professores qualificados e oferta de infraestrutura adequada. Uma agência que torne esse processo mais ágil e eficiente pode contribuir para a melhoria dos cursos.

Em se tratando da rede pública de ensino superior, a lógica não é a mesma. Os recursos necessários para contratação de pessoal e instalações necessárias ao funcionamento qualitativo dos cursos são públicos. Em 2014, o orçamento para investimento e custeio das universidades federais foi de R$ 13,94 bilhões, é mais que o dobro previsto para 2023. Logo, a rede pública sofre, a pelo menos oito anos, com sucessivos cortes orçamentários que afetam diretamente a qualidade dos seus cursos. Uma agência reguladora mais eficaz só iria apontar, mas rapidamente, os problemas causados pela falta de investimentos do próprio agente regulador, o Governo Federal.

A rede pública de ensino superior conta com 68 universidades, 41 institutos federais, nove faculdades e responde por 22% das matrículas em cursos de graduação. Apesar dos números de matrículas serem inferiores ao setor privado, o ENADE 2022 revelou que os cursos das instituições de ensino públicas obtiveram as melhores notas nas 26 áreas avaliadas. Na pós-graduação, de acordo com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), 80% dos programas de pós-graduação estão em instituições públicas. Esses números fazem das universidades e institutos federais as principais responsáveis pela produção científica nacional.

Mesmo sufocadas financeiramente, as instituições públicas resistem e esperam mais do que o aprimoramento de mecanismos de avaliação. Esperam políticas públicas que permitam a manutenção e ampliação do ensino público, gratuito e de qualidade, o que passa pela dotação de recursos suficientes para o ensino, a pesquisa, a extensão e a inovação. O ensino privado cresceu e tem grande contribuição na formação superior brasileira, mas as universidades e institutos federais ainda são as únicas opções de acesso à educação superior de milhares de brasileiros que lutam para superar a imensa desigualdade social brasileira.

*Allan Soljenítsin Barreto Rodrigues é jornalista, escritor, professor do curso de Jornalismo da Ufam, mestre e doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia e líder do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Cultura e Amazônia (Trokano).

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(*)Allan Soljenítsin Barreto Rodrigues – jornalistas, escritor, professor do Curso de Jornalismo da UFAM, mestre e doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia e líder do Grupo de Pesquis em Comunicação, Cultura e Amazônia (Trokano).

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