Veja como o uso do álcool é transmitido em família e algumas maneiras de se proteger

Na imagem, uma garrafa de bebida, um copo cheio de wisk e, ao fundo, uma mulher com a mão na cabeça (Reprodução)
Da Revista Cenarium Amazônia*

THE NEW YORK TIMES – O álcool era uma parte importante da vida familiar quando Stephen era criança. Festas nos feriados, churrascos no quintal e um dia duro de trabalho, tudo era motivo para seu pai e seus tios tomarem um fardinho de cerveja ou mais.

“Não acontecia nada sem que houvesse baldes de cerveja incluídos”, disse Stephen, hoje com 53 anos e médico. (Ele pediu para usarmos só seu nome do meio para proteger sua privacidade e a da família).

Desde que Stephen tinha 14 anos, ele podia tomar uma cerveja, de vez em quando, com o pai. Conforme amadureceu, passou a beber de acordo com o modelo familiar: aos 20 anos, qualquer reunião social significava “litros de bebida alcoólica”.

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Os pais de Stephen tinham lhe contado histórias sobre os problemas de seus próprios pais com o alcoolismo e como, às vezes, eles ficavam violentos. Mas, como o comportamento de sua família mais próxima não era assim, Stephen não considerou seu hábito de beber um problema durante muito tempo.

Ele parou de beber quando estava na faculdade de medicina, em parte para provar a si mesmo que não tinha esse problema. Quando voltou a beber, durante sua residência, já com quase 40 anos, o álcool o afetava de modo diferente. “De repente eu bebia até o ponto de perceber que não conseguia mais parar”, disse ele.

O distúrbio de uso do álcool — a incapacidade de parar ou controlar o consumo de bebida apesar das consequências negativas — é uma condição altamente hereditária. Pesquisas sugerem que ter um parente imediato, como o pai, a mãe ou um irmão com o distúrbio aumenta cerca de três ou quatro vezes a probabilidade de um indivíduo desenvolver o problema. Aproximadamente, 50% do risco vêm dos genes da pessoa, mas seus ambientes familiar e social também são fatores importantes.

Veja o que é preciso saber sobre como o alcoolismo é transmitido em famílias e algumas maneiras de se proteger contra ele.

O distúrbio de uso do álcool é uma condição altamente hereditária (André Porto/9.mai.2011/Folhapress)
Como a genética o coloca em risco?

Nenhum gene, isoladamente, é responsável por uma pessoa desenvolver o distúrbio de uso do álcool, mas especialistas dizem que, provavelmente, centenas deles têm um papel nisso.

Os cientistas identificaram alguns traços que esses genes influenciam, a começar por como o corpo processa a bebida alcoólica. Se o metabolismo do álcool estiver prejudicado, a bebida pode ser fisicamente desagradável, provocando náusea e dor de cabeça na pessoa. Ter essa característica, que é associada a pelo menos duas variantes de genes que são mais comuns em pessoas de origem asiática, diminui o risco de distúrbio de uso do álcool porque a pessoa é menos propensa a beber muito, ou não bebe nada.

No outro lado do espectro estão as pessoas que “podem praticamente beber sem parar” antes de sentir os efeitos da bebida, disse o doutor Marc Schuckit, professor de psiquiatria na Universidade da Califórnia em San Diego. Essas pessoas têm um risco maior de distúrbio de uso do álcool porque tendem a beber mais.

Ter alta tolerância ao álcool também pode estar ligado a como o corpo metaboliza a substância, embora cientistas não tenham identificado variantes de genes específicas para isso, como o fizeram para a tolerância. Schuckit acrescentou que algumas pessoas não se sentem tão embriagadas quanto outras quando bebem muito, ou podem não reconhecer quão bêbadas realmente estão, e assim não veem o sinal para reduzir ou parar de consumir.

Nossos genes também podem afetar a impulsividade e como o cérebro responde a recompensas — características que estão ligadas ao distúrbio de uso do álcool, assim como outros tipos de dependência. Essas características podem influenciar alguém a procurar diversão ou experiências prazerosas, como bebidas mais fortes, sem pensar nas consequências.

Homem com mão em copo de drink em sinal de exaustão (Reprodução)
O que mais constitui risco para a pessoa?

O ambiente familiar na infância também tem um grande impacto em seu comportamento com a bebida. Se uma pessoa for criada numa casa onde é normal beber excessivamente, e se ela tiver associações positivas com a bebida, será mais propensa a experimentar, disse Kathryn McHugh, chefe de psicologia no Hospital MacLeran em Massachusetts.

A idade em que uma pessoa começa a beber faz uma grande diferença em termos do nível de risco. Segundo um estudo muito citado, aproximadamente 16% das pessoas que experimentam bebida alcoólica entre os 11 e 12 anos desenvolvem uma dependência mais tarde, contra apenas 1% das pessoas que começam a beber aos 19 anos ou mais.

“Quanto mais se adia a primeira bebida de uma pessoa, menor seu risco de desenvolver alcoolismo”, disse a médica Kathleen Brady, professora de psiquiatria e ciências do comportamento na Universidade da Carolina do Sul. Especialistas acreditam que isso é porque a exposição precoce ao álcool pode modificar o cérebro enquanto está em desenvolvimento, particularmente, em áreas relacionadas ao autocontrole.

Ser exposto a traumas na infância também aumenta o risco de uma pessoa. Uma teoria é que os traumas no início da vida aumentam a reação de estresse do cérebro. “Você pode ter o mesmo fator de estresse, mas seu corpo, seu cérebro, na verdade, está tendo uma reação amplificada a esse estresse”, explicou McHugh. Como o álcool frequentemente é usado para “acalmar”, sentir mais estresse pode, muitas vezes, levar as pessoas a beber mais.

Duas mãos. Uma com um copo de drink na palma e outra fazendo o sinal de basta (Reprodução)
Como você pode se proteger?

Embora haja muitos fatores que contribuem para o risco de distúrbio de uso do álcool, só há uma maneira de eliminá-lo: não beber. “É uma solução bastante radical, mas é a que funciona melhor”, disse Henry Kranzler, professor de psiquiatria na Universidade da Pensilvânia.

À falta de abstinência total, especialistas aconselham a beber com moderação — não mais que um drinque por dia para mulheres e dois para homens. “Defina limites pessoais, escreva-os e tente cumpri-los”, disse a doutora Brady. “E se não conseguir cumpri-los talvez você precise de ajuda mais profissional”.

Os especialistas também sugerem examinar por que você bebe, para que possa ser mais estratégico ao reduzir. Se você é basicamente um bebedor social, seja mais consciente sobre seu consumo de álcool em festas. Procure também atividades sociais não relacionadas à bebida. Se, por outro lado, você bebe mais quando está ansioso, tente evitar o álcool quando estiver estressado e procure mecanismos alternativos para se acalmar.

“Todo mundo é um pouco diferente em termos de por que bebe álcool, em que ambientes eles bebem, quais seriam seus fatores de risco”, disse o doutor McHugh.

Ter um amigo ou parceiro que sabe do seu risco também ajudará a perceber qualquer problema potencial. Para Stephen, essa pessoa foi sua mulher. Quando eles se casaram e foram morar juntos, ele não conseguiu mais esconder o nível de seu consumo de bebida — ou ignorar que tinha um problema. A mulher de Stephen insistiu para ele buscar ajuda, e embora tenha levado alguns anos para ficar sóbrio, faz sete anos que não toma uma bebida.

Uma “ironia do alcoolismo”, disse Stephen, é que, “às vezes, você não o reconhece em si mesmo”.

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(*) Com informações da Folhapress
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