1ª Marcha para Exú em Manaus quer ressignificar imagem de orixá

Marcha para Exú em São Paulo, em agosto de 2023. (Bruno Santos/Folhapress)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – Como parte do processo de ressignificação do culto ao orixá da comunicação de religiões de matriz africana, Manaus, no Amazonas, vai receber, no dia 30 de setembro, a 1ª Marcha para Exú, com concentração na Praça da Polícia e destino final na Praça do Congresso, ambas no Centro da capital amazonense, Zona Sul da cidade. Com o tema “Exú não é satanás”, a programação gratuita inicia às 14h, com saída às 15h, e tem previsão de término às 21h.

1ª Marcha para Exú, em Manaus, acontece no próximo sábado, no dia 30 de setembro (Reprodução/Publicidade)

A palavra Exú é proveniente de Èsu, do Iorubá, um idioma da família linguística nígero-congolesa falado secularmente pelos iorubás em países africanos, principalmente, na Nigéria. O Exú é considerado pelos africanos o orixá (divindade) do movimento, o propulsor da energia de transformação. No Brasil, ele é celebrado no Candomblé e na Umbanda.

O babalorixá brasiliense Ronald Aguiar explica que há diferença entre exús nas religiões brasileiras de matriz africana representados em duas formas: o Exú “catiço” e o Exú orixá. Os dois possuem funções e papéis diferentes dentro das cerimônias religiosas.

PUBLICIDADE

A primeira forma, segundo Ronald, é designada aos espíritos em desenvolvimento, que ficam mais próximos ao ser humano e considerados de grande força mobilizadora. Eles possuem muitas denominações, entre elas “Tranca-Ruas”, “Marabô”, “Sete Encruzilhadas”, “Mária Padilha”, que é a forma feminina de exú catiço. Cada denominação tem sua falange (exército).

Já o Exú orixá é a própria representação do Deus para os africanos e possui uma energia evoluída ao se revelar na condução dos espíritos em desenvolvimento. “O Exú é a própria energia, é aquele que cruza os mundos. Para Exú, não há limites para nada. Para Exú, nada é impossível, porque nele tudo é possível, tudo acontece. É assim que os ancestrais africanos veem Exú e o reverenciam”, explicou Ronald.

Estigmatizado na representação do “Diabo” ou “Demônio” na religião cristã-judaica, Exú não é atrelado ao “mal” para os fiéis de religiões matriz africana, como a Umbanda e o Candomblé, apontou o Babalorixá Ronald Aguiar.

“Entendemos que mal é proveniente das ações ruins do próprio ser humano que sempre busca culpados para justificar a sua conduta negativa. Para nós, não existe essa questão de demônio ou diabo. Se o homem faz algum mal, ele é que tem que responder por isso e não justificar-se em espíritos”, pontuou o Babalorixá.

Ronald Aguiar considerou um avanço a realização da Marcha para Exú em Manaus e segue eventos já realizados em outras cidades que possuem tradição e respeito com as religiões de matriz africana, como Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e Brasília (DF). “Manaus mostra-se uma grande protagonista de respeito à crença de matriz africana e se coloca como combatente do racismo religioso.”

Organização

A Associação de Desenvolvimento Sócio Cultural Toy Badé, em parceria com a organização da Articulação Amazônica dos Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana (Aratrama), são os responsáveis pela organização da 1ª Marcha para Exú, no Amazonas.

No dia 30 de setembro, o percurso da marcha inicia na Praça da Polícia e segue pela Avenida 7 de Setembro até o cruzamento desta via com a Avenida Eduardo Ribeiro, onde ocorrerá a primeira parada do trio elétrico.

Depois, segue pela Avenida Eduardo Ribeiro até o cruzamento com a Rua 24 de Maio, onde será a segunda parada. A terceira parada ocorrerá no cruzamento da Avenida Eduardo Ribeiro com a Rua 10 de Julho. O trajeto, então, segue pela Avenida Eduardo Ribeiro até a Praça do Congresso. (Veja o mapa do trajeto abaixo)

Percurso da 1ª Marcha para Exú. (Arte: Mateus Moura/Revista Cenarium Amazônia)

Durante o percurso e no destino final, está previsto ocorrer manifestações de cantores, músicos, grupos
religiosos, estudantis, entre outros. Segundo a organização do evento, haverá espaço para todas as manifestações da chamada “Cultura Pé no Chão”, aqueles que não costumam se apresentar em palcos oficiais. A estimativa de público mínima é de 100 a 150 pessoas, e a máxima, 1.500 pessoas.

Ali, poderá se fazer a gira, a roda de terreiro, de capoeira, apresentação de maracatu, de maculelê, do samba, é algo que vai ficar bastante livre. Nós queremos sentir a manifestação livre da população“, explica o coordenador-geral da Aratrama e mantenedor da Associação Toy Badé, Reviossonnôn Alberto Jorge. “Nós vamos cantar macumba, ponto pra Exú, dentro dessa pegada cultural que nós vamos estar com uma identidade étnica, cultural, que será efetivamente valorizada“.

Ressignificação

Para as religiões de matriz africana, Exú é a divindade que representa o mensageiro, a circulação da ideia, a comunicação, o cuidador da segurança. Pai Alberto Jorge lembra que o orixá é habitualmente associado ao uma figura demonizada, com chifres, rabo e tridente, daí a importância de ressignificar a imagem.

Diante de uma reflexão mais profunda desse significado e ressignificado, considerou-se que o ponto mais importante seria trabalhar entre nós mesmo e, na sociedade, que essa figura não é satanás, não tem nada a ver com o demônio da cultura hebraico, cristã e muçulmana“, explica ele, pontuando que a marcha já existe no Brasil há mais de dez anos, mesmo sendo a primeira vez em Manaus.

Exú é o orixá da comunicação e da linguagem. (Olga Drebas)

O coordenador-geral da Aratrama também descartou a possibilidade da 1ª Marcha para Exú ser uma afronta à Marcha para Jesus, que leva o público evangélico para as ruas de várias cidades do País.

“Até mesmo entre nós, existem aqueles que acham que fazer uma Marcha para Exú seria uma afronta à Marcha para Jesus. Então, no debate que se estabeleceu entre nós, colocamos que existem as marchas das Margaridas, da Maconha, das Mulheres, para Zumbi, e nenhuma delas se considera uma ofensa ou uma tentativa de rivalizar com a Marcha para Jesus. A Marcha para Exú está dentro de um conceito holístico e não vemos como forma de afronta ou qualquer ofensa contra a Marcha para Jesus”, afirma Alberto Jorge.

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.