Intolerância: candomblecista disse ser impedido de velar esposa segundo a crença dele

Após intervenção e explicação, por parte da comissão de advogados, sobre os direitos do Ogan Herbert Cardoso, ele pôde velar a companheira e se despedir (Alberto Jorge/Reprodução)
Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – O candomblecista Ogan Herbert Jones Cardoso Lopes perdeu a companheira Cláudia Marcela Alves Bandeira, vítima de um câncer agressivo, na última sexta-feira, 3. Durante o velório, que aconteceu na funerária Recanto da Paz, no bairro Cidade de Deus, Zona Leste de Manaus, Herbert foi impedido por familiares evangélicos da companheira de velar e se despedir dela seguindo os ritos de sua religião. O ato foi considerado racismo e uma comissão formada por advogados especialistas em direitos humanos interviu para garantir que o Ogan participasse do velório.

Além de ser impedido no velório, Herbert Cardoso também foi barrado no hospital durante o tratamento na fase terminal da companheira. De acordo com Pai Alberto Jorge, coordenador-geral da Articulação Amazônica de Povos Tradicionais de Matriz Africana (Aratrama), foi preciso intervir para garantir ao companheiro de Cláudia o direito de velá-la.

Fomos acionados pelo Ogan e juntos fomos ao local para tomar as providências, já que o clima era tenso, de clara violência baseada na ignorância e truculência baseada em uma pretensa religiosidade. O que, na verdade, é racismo”, denunciou.

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O Boletim de Ocorrência (B.O) impetrado pela comissão que saiu em defesa do direito de Herbert Cardoso velar sua companheira de acordo com seus preceitos religiosos (Divulgação)

Feitiçaria

Alberto contou que ao chegar na unidade de saúde, a comissão formada por ele, representando a Aratrama, e pelos advogados Robert Lincoln, Cristiano Chixaro e advogada Luciana Santos foram confrontados e ouviram acusações de caráter preconceituoso.

“Além do Herbet ter sido impedido no hospital, ele também foi proibido de participar do velório e sepultamento, e a alegação de alguns familiares era de que a morte de Cláudia teria sido causada por feitiçaria, dado a mesma acompanhar o marido nas visitas aos terreiros de Candomblé e Umbanda“, lamentou.

A comissão formada por advogados e o líder religioso Alberto Jorge, junto a Herbert Cardoso, discute com familiares sobre os direitos do companheiro de Claudia (Alberto Jorge/Reprodução)

Segundo Alberto Jorge, o clima de negociação foi tenso na funerária. “Houve boa vontade da administração da funerária. O contato entre a comissão e os familiares da falecida foi marcado por momentos de muita tensão e veladas ameaças, onde os familiares mais radicais admitiram que apenas o Ogan Herbert tivesse acesso ao velório, não sendo permitido que este se fizesse acompanhar de mais ninguém e não realizasse nenhum rito de sua religiosidade afro. O que não foi aceito”, detalhou.

Recurso

Ainda segundo Alberto, a intransigência obrigou a comissão a procurar a Justiça. “O fato levou o advogado Robert Lincoln a fazer um Boletim de Ocorrência (B.O) policial, via on-line, por crime de racismo e intolerância religiosa praticados pelos familiares mais exaltados, e o advogado Cristiano Chíxaro entrou com uma ação de medida liminar para garantir que o Ogan Herbert pudesse ter acesso ao velório e ao sepultamento, podendo realizar os ritos fúnebres de sua religião“, contou.

Ao final, as partes entraram em entendimento e Herbert Cardoso pôde se despedir da companheira de acordo com os ritos de sua religião. “Após duas horas de muita conversa com várias explicações sobre os efeitos da Lei N° 14.532/23, assinada pelo presidente Lula, que mudou a legislação brasileira em favor de quem sofre crime de injúria racial (e ofensas religiosas), os familiares mais exaltados demonstraram entender as implicações e punições das Leis N° 7.716/89 e N° 14.532/23”, finalizou. Cláudia Marcela Alves Bandeira foi sepultada na tarde deste sábado, 4.

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