Ação das Americanas cai 77,33% e empresa perde R$ 8,37 bi em valor de mercado

O movimento ocorreu após a empresa comunicar, na véspera, a renúncia do então CEO, Sergio Rial (Leandro Fonseca/Exame)
Da Revista Cenarium*

RIO DE JANEIRO – Após diversos leilões, calls de explicação e revisão de recomendações, por analistas de mercado, as ações ordinárias das Americanas (AMER3, com direito a voto) despencaram na quinta-feira, 11, como poucas vezes pôde ser visto em um pregão na B3. O movimento ocorreu após a empresa comunicar, na véspera, a renúncia do então CEO, Sergio Rial, depois da identificação de inconsistências contábeis na casa dos R$ 20 bilhões.

Os papéis caíram 77,33%, negociados a R$ 2,72. Com isso, a empresa perdeu R$ 8,372, 832 bilhões de valor de mercado, segundo levantamento do head do TradeMap, EInar Rivero. De acordo com os dados, hoje, a companhia vale R$ 2,45 bilhões ante os mais de R$ 10,82 bi da véspera.

A companhia informou que o valor se refere a empréstimos para compras junto a fornecedores que não foram reportados da maneira adequada no balanço. Um comitê independente vai apurar o rombo.

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Fontes ouvidas pela agência de notícias Bloomberg afirmam que muito provavelmente os R$ 20 bilhões são originários de uma operação conhecida no jargão financeiro como forfait, comum em empresas de varejo, e que deveria ter sido registrada como dívida no balanço contábil.

Nesses casos, a companhia tem uma dívida a pagar, por exemplo, com a compra de mercadorias. E faz um acordo, com o banco que a financiou, para que este libere o dinheiro primeiro para o fornecedor. Então, na sequência, a varejista quita a dívida com o banco pagando juros pelo prazo do empréstimo.

É uma maneira de o banco financiar a cadeia de suprimentos da empresa, com a varejista, na prática, injetando recursos em dinheiro no caixa de seus fornecedores.

Leilões em série

Diante do anúncio da empresa, realizado na véspera com o mercado já fechado, já havia expectativa de forte queda dos papéis no início desta quinta-feira. E a negociação dos ativos demorou para começar.

A princípio, as ações estavam programadas para ficar em leilão na B3 até as 11h. O leilão é um mecanismo de proteção da Bolsa de Valores, que é acionado quando ocorre uma variação abrupta no preço de determinado ativo. Quando ativado, a negociação deste ativo é interrompida, e passa a ocorrer aos moldes do leilão.

“O leilão nada mais é do que um mecanismo da bolsa em que você coloca ordens de compra e venda, mas elas não são executadas ainda. Ele serve para estabilizar os preços em momentos de muita volatilidade. As ações não param de ser comercializadas, a diferença é que a B3 suspende a negociação e segura as ordens para estabilizar o preço”, disse o analista da Suno Research, José Eduardo Daronco.

Segundo Daronco, caso o instrumento de leilões não existisse, ocorreriam oscilações muito bruscas nos preços em um curto espaço de tempo.

No início do pregão, já há a prática dos leilões de abertura, quando os investidores podem registrar suas ofertas de compra e venda de ações. De acordo com informações da B3, não há limite para a quantidade de leilões em um único dia, nem sobre a duração do leilão.

Dessa forma, eles podem acontecer diversas vezes até o horário de fechamento. O fim do leilão se dá quando a cotação daquele ativo atingiu certa estabilidade, o que demorou para ocorrer, no caso das Americanas, devido ao elevado grau de incerteza sobre a companhia.

Mas às 11h, o início da negociação foi, novamente, postergado: primeiro para as 12h, depois para as 13h, para as 13h40 e para as 13h55. Após esse horário, as ações estiverem suspensas diante da iminência de publicação de um fato relevante para a companhia, prática comum na B3.

As ações só foram negociadas, de fato, por volta de 14h20, quando abriram em queda de 76,25%, negociadas a R$ 2,85. A partir desse momento, os ativos entraram e saíram de leilão, por diversas vezes, ao longo da tarde. Ao longo do pregão, segundo a B3, foram 11 leilões, já cotando o de reabertura.

Analistas revisam recomendação

Com o anúncio do rombo, diversos bancos e corretoras passaram a deixar a recomendação das ações em revisão até terem maiores informações sobre as inconsistências contábeis. Foram os casos de XP, Itaú BBA, Banco Safra, dentre outros. Casas como a Genial fizeram cortes no preço-alvo e na recomendação.

A XP colocou a recomendação das Americanas sob revisão, de neutro, e preço-alvo em R$ 20, potencial de alta de 66,6% sobre o fechamento de ontem.

Segundo os analistas da corretora, o anúncio pode implicar três efeitos negativos: maior alavancagem, dado que o endividamento das Americanas pode aumentar dependendo dos ajustes em seu balanço patrimonial; maior custo de dívida, por conta da maior percepção de risco de crédito e liquidez; e deterioração do capital de giro, dado que a companhia poderá ter problemas em manter os dias de pagamento a fornecedores, por conta de seu ciclo de caixa pior

A analista de varejo da Eleven, Victoria Minatto, destaca que a prática do forfait é comum no varejo, não sendo vista como negativa para o mercado. No entanto, a partir do momento que a empresa passa a dever ao banco e não ao fornecedor, o montante vira uma dívida bancária, com incidência de juros.

“O erro foi na contabilização desse saldo vendedor. Ao longo de todos esses anos, deveria ter na demonstração de resultado trimestral uma despesa financeira de juros. Estimo que durante esse tempo, o lucro foi inflado, porque teve uma despesa financeira que não consta”.

Como explica Victoria, esses, até o momento, R$ 20 bilhões, serão reclassificados como dívida, ocasionando uma mudança nos valores patrimoniais da empresa.

“Eles não vão acrescentar R$ 20 bi de dívida, mas reconhecer. Isso faz com que a alavancagem deles fique muito maior. A relação dívida líquida/Ebtida aumenta”.

Quais são os impactos?

Segundo a analista, o erro deve gerar um efeito cascata, pois os empréstimos que as Americanas já possuem têm garantias com condições, e algumas delas, de acordo com a analista, exige um limite máximo da relação dívida líquida/Ebtida que a empresa possa ter.

“Provavelmente, eles vão estourar esse limite. E com isso, perde a garantia dos empréstimos que eles têm, hoje, e os bancos podem pedir execução das dívidas pelo risco de crédito.”

Victoria destaca que a empresa irá precisar de um follow-on (oferta secundária de ações) para se capitalizar. Seria uma forma de acionistas com grande participação e recursos, como o caso do grupo 3G, aportarem mais dinheiro na companhia.

“Quando você faz um follow-on, você está emitindo novas ações a um determinado preço. Eles vão emitir novas ações e os acionistas vão aportar esse dinheiro. O dinheiro entra no caixa da empresa e como eles emitem mais ações, os novos sócios são diluídos.”

No entanto, o caminho para isso não será tão fácil. Daronco, da Suno, destaca que como o valor contábil das incosistências desse problema é muito robusto, isso deve fazer com que as Americanas tenha um patrimônio líquido negativo.

“E o momento atual não é bom para captar o mercado, dado que vários fundos de investimentos de ações estão tomando muito saque, e há pouca liquidez no mercado pela alta nos juros e migração para renda fixa. E a situação piora, dado que a ação está nas mínimas históricas. Ela vai precisar emitir muitas ações para fazer frente ao valor que ela precisa”.

Seria o segundo follow-on, em menos de três anos, das Americanas. A empresa acessou o mercado em 2020, durante a pandemia, e levantou R$ 7,9 bilhões.

Os papéis das Americanas já tinham fechado 2022 entre as maiores quedas da Bolsa, com baixa de 68,67%. Mas vinham subindo mais de 20% até o fechamento de ontem. A indicação de Rial para o comando da empresa havia sido muito bem recebida pelo mercado, que apostava em sua larga experiência no setor financeiro como um importante fator para reestruturar a empresa.

Risco de contágio para bancos e varejistas?

No início do pregão, os papéis de outras empresas do setor de varejo também apresentavam fortes quedas, assim como bancos. Mas o movimento arrefeceu ao longo do dia, com algumas dessas ações virando para o campo positivo.

Magazine Luiza ON (MGLU3) subiu 5,28% e Via ON (VIIA3) caiu 5,38%.

“No primeiro momento, é mais uma histeria de mercado. Mas o auditor das Americanas também audita Magalu e Via. Então, fica essa ‘pulga atrás da orelha’, se eles não viram ou não reportaram, em Americanas, quem me garante que isso não vai acontecer, no futuro, com Via e Magalu?”, explica Victoria.

De acordo com a analista, mesmo que as outras varejistas não tenham erros em sua contabilidade, os bancos podem ficar mais rígidos em relação aos empréstimos, assim como os fornecedores podem exigir prazos de pagamento menores.

Daronco, da Suno, avalia que a Magalu, listada na B3, e o Mercado Livre se beneficiam de uma eventual perda de competitividade das Americanas, o que pode ter influenciado na alta das ações. Isso não ocorre no caso da Via.

“Quando pensarmos nos varejistas, a Magalu é uma das empresas que mais deve aproveitar esse buraco no mercado que, provavelmente, se tornará as Lojas Americanas, principalmente, se a companhia não captar um caixa bem robusto. A Via tem um portfólio de produtos mais diferente das Americanas, como eletrodomésticos, e não deve se aproveitar tanto, além de ser uma empresa mais alavancada”.

Em relatório sobre o episódio das Americanas, a equipe do Bradesco BBI avalia que a regularização das “inconsistências” contábeis encontradas no balanço da varejista pode levar os bancos credores a ter de fazer uma baixa contábil nesse mesmo valor, no pior dos cenários.

Na avaliação do Bradesco BBI, caso o pior cenário ocorra e os bancos tenham de baixar o prejuízo (“write off”) dos R$ 20 bilhões, as seis instituições financeiras cobertas pelos analistas teriam um impacto de 4,5% em capital. E esses bancos têm uma exposição de 3,6% ao setor de varejo na carteira de crédito.

O relatório também diz que Santander e BTG Pactual são os bancos com maior exposição ao setor de varejo. O segmento representaria cerca de 7% da carteira de crédito de cada um. Itaú e ABC Brasil têm cerca de 3% de seus portfólios expostos em empresas do varejo, enquanto o Banco do Brasil tem em torno de 2%.

Os analistas ponderam, no entanto, que ainda não se sabe qual a exposição dos bancos às Americanas e, mais especificamente, às operações que não foram devidamente contabilizadas.

(*) Com informações do Infoglobo
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