Acertos de erros

Recentemente revisitei em meus estudos a leitura da obra filosófica do jurista norte-americano Alan Dershowitz – “Rights fom Wrongs” – nela o advogado e professor de Harvard questiona a origem dos Direitos, sua diferença abstrata com a moral e a justiça, sobretudo na elaboração de leis, apontando como possível fonte não o divino ou algo imposto pelo Estado, mas sim dos erros cometidos pela humanidade e suas sucessivas tentativas de acertos, daí o título da obra e de nosso artigo, acertos (rights) que possuem sua origem em erros (wrongs).

Apesar de discordar de Dershowitz em vários aspectos de sua obra (em momento outro quem sabe retomamos este assunto) tenho que concordar com o fato de que em uma experiência empírica todos nós procuramos acertar depois que erramos, aprendemos isto em casa com nossos pais, quem nunca ouviu a famosa frase: “é melhor aprender com o erro dos outros do que com os seus” ou “a vida ensina através de nossos erros” ou mesmo o termo “errei pensando em acertar”.

Conquanto sejam axiomas utilizados com base na sabedoria popular podemos deles extrair grande significado principalmente para os aspectos turbulentos dos dias em que vivemos, nesta altura dos acontecimentos todos nós já sabemos do triste e repugnante episódio ocorrido no estádio do Valencia Futebol Clube no domingo, 21, racistas vestidos de torcedores gritando em coro “mono”, “mono” (macaco) para Vinicius Jr.

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Dispensam maiores comentários o fato de que o ocorrido não foi a primeira ação desta natureza contra o próprio Vini Jr, como também de que o racismo é algo infelizmente ainda com raízes em países europeus que também chega em nossas terras, o que causa espanto é quem sabe o ar de pretensa naturalidade e a maneira com que alguns setores tratam ou procuraram tratar do assunto, dando um ar de “normalidade” ou de “mero aborrecimento”.

A título de exemplicar o que queremos dizer, mesmo diante de todo o rebuliço em campo, discussões, repercussões, interferência do árbitro, VAR parcial (só mostrando a cena do revide de Vini Jr contra a agressão sofrida), paralização da partida, expulsão da vítima dos cantos racistas (pasmem!), no momento em que a impresa espanhola tem para tratar de tudo isto ao entrevistar o técnico do Real Madrid a primeira pergunta feita pela repórter a Carlo Ancelotti é: o que o senhor achou da partida? E o resultado da derrota de 1×0 pro Valencia?

Um manifesto e claro desrespeito a dignidade da pessoa humana acada de ocorrer em pleno Século XXI, em um campo de futebol europeu, em uma das principais ligas da UEFA e vamos falar de futebol!!! Como se nada de mais importante tivesse acontecido, como se os eventos testemunhados por inúmeros torcedores nas arquibancadas, fora aqueles que acompanharam as transmissões ao redor do globo, não fossem dignos de nota ou de maiores comentários.

Diante da insistência de Ancelotti (cotado para ser técnico da Seleção Brasileira) a entrevista mudou de rumo e abordou o triste evento ocorrido com Vini Jr., enfim o bom senso prevaleceu para se tratar deste tema tão caro a tantos que ainda hoje sofrem com sua existência dentro e fora das quatro linhas.

Quando se achava que tudo de pior já havia ocorrido, vem uma nova forma de tentar amenizar o acontecido, periódiocos espanhóis estampando a manchete de que o jogador brasileiro teria “provocado” a torcida, o próprio Presidente da La Liga mencionou o fato de que já teria tentado lidar com o tema do racismo com o jogador do Real Madrid mas no dia agendado para uma reunião este não teria comparecido…

É dizer, ao que tudo indica a culpa agora é da vítima, como deve ter sido também “culpa sua” o enforcamento do boneco negro com a blusa 20 do Real, número usado por Vini, e todos os outros dez casos de racismo sofrido por ele desde o início da temporada, quem sabe pode-se colocar nesta conta também o ocorrido com outros jogadores do Real Madrid,como Roberto Carlos e o próprio Ronaldo fenômeno quando de sua passagem pelo clube, anos antes do nascimento do craque da camisa 20.

Precisamos repensar, pelo visto o ataque sofrido pelo jogador brasileiro já começou a gerar este pensamento mais crítico, do discurso do Presidente Lula em sua coletiva de impresa ao finalizar o encontro do G7 no Japão aos periódiocos e dirigentes do futebol espanhol, estes quem sabe como uma “pequena”ajuda ante a ameaça de cancelamento de vários patrocinadores.

E nós, que acertos poderemos tirar destes erros? Acaso por trás de nossa fama de país acolhedor e multicultural deixamos passar diversas formas de racismo, xenofobia, misoginia?

Não somente devemos repensar nossas atitudes mas sobretudo agir, com os temperamentos e energia necessária, sem cair nos extremos de “normalidade” vistos neste infeliz episódio por parte dos espanhóis, tampouco de “caça as bruxas” em que toda e qualquer fala ou atitude é considerada fora do políticamente correto,tal qual propõe Dershowitz que mais acertos venham deste erro para que novas gerações não tenham que com ele mais se preocupar. 

Anderson F. Fonseca é professor de Direito Constitucional, advogado e especialista em comércio exterior e Zona Franca de Manaus.

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(*)Advogado; Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB Nacional); Professor de Direito Constitucional e Internacional. Coordenador da International Religious Liberty Association (IRLA) para a Região Noroeste do Brasil; Mestre e Doutorando em Direito.

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