Agronegócio é o principal responsável pela fome no Brasil, aponta estudo

O setor fomenta a insegurança alimentar que atinge mais da metade da população brasileira(Reprodução/ no one cares/ Unsplash)

Com informações do Portal Alma Preta

Um estudo lançado pela Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), em parceria com a FES Brasil, aponta como o agronegócio está associado à fome no País. O artigo “O Agro não é tech, o Agro não é pop e muito menos tudo” destaca como o setor fomenta a situação atual de mais da metade da população estar em algum grau de insegurança alimentar.

Por meio da análise de informações como o PIB (Produto Interno Bruto), dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e da balança comercial, os autores Marco Antonio Mitidiero Junior e Yamila Goldfarb verificam que, apesar do país bater recordes de produção agrícola e pecuária durante a pandemia em 2020, os preços dos alimentos subiram e a fome voltou a ser uma realidade cotidiana.

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Segundo a publicação, a média de participação do agronegócio na riqueza nacional é de 5%. Além disso, mostra-se como o setor contribui pouco com a sociedade, traz altos custos, gera menos postos de trabalho com carteira assinada, tem o menor salário e é responsável por devastações ambientais. 

Esse cenário é motivado por uma decisão política brasileira em investir em uma atividade agropecuária sem foco no abastecimento interno. “É uma aposta em um setor que produz commodities para exportação e que não está produzindo de fato alimento que vai para a mesa dos brasileiros”, destaca Yamila Goldfarb, também doutora em ciências humanas pela Universidade de São Paulo e vice-presidente da Abra.

De acordo com a autora do artigo, os produtores do agronegócio recebem muitos incentivos, como créditos subsidiados e isenções fiscais. Além disso, não pagam imposto de exportação e, praticamente, não contribuem com o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), por ser um produto primário destinado à exportação.

“É uma somatória de fatores que vão mostrando como isso é desvantajoso. Se deixa de produzir alimento internamente e, ao mesmo tempo, acaba sendo favorecido um setor que gera pouco emprego, poucos postos de trabalho e que contamina muito o meio ambiente”, explica Goldfarb.

Atualmente, mais da metade da população brasileira (55,2%) vive algum nível de insegurança alimentar. Um aumento de 54% desde 2018 (36,7%). Dentre essas pessoas, 9%, ou seja, 19 milhões de brasileiros, estavam passando fome, de acordo com o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN).

Desigualdades

A insegurança alimentar no país também está atrelada a questões raciais e de gênero. Segundo a pesquisa VigiSAN, em áreas de agricultores familiares, quilombolas, indígenas e ribeirinhos, em todo o país, a fome se mostrou uma realidade em 12% dos domicílios. Em dados de 2020, 11,1% dos domicílios chefiados por mulheres tinham pessoas passando fome, contra 7,7% de lares chefiados por homens. Além disso, nas residências habitadas por pessoas pretas e pardas, a fome esteve em 10,7%, contra 7,5% das residências de pessoas brancas.

O estudo da Abra revela também como a pandemia da Covid-19 potencializou as desigualdades com os impactos na perda de renda das famílias, aliada ao aumento dos preços dos alimentos motivado pelas escolhas econômicas dos governos federais mais recentes.

“Então quando você não investe em outro segmento, que é o da agricultura familiar, camponesa, que é a que produz para abastecimento interno, você não estimula a produção de alimento. Por isso que a gente fica sem produto interno, por isso que os preços sobem. É uma escolha política que vai desmontando as políticas de segurança alimentar, de soberania alimentar e vai desabastecendo o mercado interno”, explica Yamila Goldfarb.

Segundo a mestre em Saúde Pública e engenheira agrônoma Fran Paula, é necessário que o país priorize a formulação de políticas públicas que incentivem a produção interna de alimentos, além de reforma agrária para garantir que a agricultura familiar se fortaleça.

“É importante que a gente possa começar a fazer um processo que é de garantir terra e território. Hoje a gente tem os territórios de agricultura familiar, mas a maioria deles não estão assegurados ou regularizados, então há também um quadro de muita omissão por parte do estado voltados para esses agricultores familiares, essas comunidades tradicionais quilombolas e indígenas”, explica Fran Paula.

Devastação ambiental

O artigo da Abra também aponta como desmatamentos, queimadas, aumento da emissão de gases de efeito estufa e redução da biodiversidade são exemplos de impactos da forma de produção representada pelo Agro. As consequências são fortalecidas com a expulsão de comunidades tradicionais, indígenas e produtores camponeses para liberar áreas para a expansão do agronegócio.

Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg) de 2018, a atividade agropecuária corresponde a 71% de todo o gás carbônico emitido no País. Já segundo o dossiê “O Agro é Fogo”, entre 1985 e 2019, 90% do desmatamento no Brasil ocorreu para a abertura de pastagens e áreas de monocultivo.

Fran Paula pontua como esse modelo adotado pelo país provoca também impactos no âmbito da contaminação dos bens naturais e do uso indiscriminado de agrotóxicos e de recursos hídricos. “A partir do momento que a gente tomar consciência de que é preciso responsabilizar quem está promovendo esses impactos, a gente pode também pensar em medidas para essa redução das mudanças climáticas”, destaca a engenheira, também quilombola da região pantaneira do Mato Grosso.

Importância do voto 

Yamila Goldfarb destaca que o agronegócio continua sendo priorizado no país, mesmo com os impactos negativos relatados no artigo da Abra, por conta da importância que se dá à balança comercial sem um olhar mais complexo para a conta corrente, que é a balança de pagamentos e serviços e que mostra como o setor não gera os benefícios imaginados. “E por outro lado, a gente tem a bancada ruralista que tem um poder político muito grande até hoje”, completa.

A autora do artigo também destaca algumas decisões individuais que são importantes em um processo de mudança da realidade atual, desde o voto até quais alimentos podem ser priorizados na hora da compra. “É preciso entender que quando eu vou votar em vereadores, em deputados, não só no Executivo, essas pessoas tem que ter muita clareza de qual é o papel desse segmento [que produz alimento interno] e qual vai ser o estímulo e o apoio. Enquanto consumidores, podemos tentar construir e acessar sempre os mercados regionais, locais, os circuitos curtos de comercialização, tentar comprar das feiras agroecológicas e desses centros de abastecimento populares que vão surgindo”, finaliza.

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