Às vésperas dos Jogos Olímpicos, proibição de touca de natação mobiliza nadadores negros

Touca destinada ao público afro faz com que pessoas negras tenham maior acesso ao esporte (Divulgação)

Com informações da Folha de S. Paulo

MANAUS – Às vésperas dos Jogos Olímpicos de Tóquio, que deverão começar no próximo dia 23, membros da Federação Internacional de Natação, a Fina, estão reavaliando a proibição que impuseram a uma touca de natação destinada a cabelos de pessoas negras.

O produto, chamado Soul Cap, se destina a acomodar cabelos mais espessos, volumosos e encaracolados, dando uma melhor adaptação e protegendo os fios do cloro presente na água das piscinas.

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A Fina não quis comentar o processo de revisão, mas um comunicado divulgado no último dia 2 pontuou que a instituição está “atualmente revendo a situação com relação à Soul Cap e produtos semelhantes, compreendendo a importância da inclusão e da representação”.​

A mudança ocorre depois de uma entrevista dos fundadores da Soul Cap à rede BBC, do Reino Unido, em que alegaram que a razão dada pela Fina para a decisão inicial foi que os “atletas que competem em eventos internacionais nunca usaram, nem precisam usar, toucas desse tamanho e configuração”, e que a Soul Cap não segue “a forma natural da cabeça”.

O comunicado oficial da Fina do começo do mês dizia que a instituição está “comprometida a garantir que todos os atletas aquáticos tenham acesso a trajes de banho adequados para a competição, desde que um traje não confira uma vantagem competitiva” à pessoa.

A Soul Cap foi criada em 2017 no Reino Unido por Michael Chapman e Toks Ahmed-Salawudeen. Quando faziam aulas de natação, os dois perceberam que os nadadores negros poderiam se beneficiar de uma touca desenhada com espaço extra no topo, para envolver estilos de cabelos naturais mais volumosos, como tranças, dreadlocks e outros penteados afro.

Os fundadores pediram o registro oficial do produto na Fina para uso em competições olímpicas e foram recusados. Não há restrição às toucas Soul Cap para fins recreativos e de aprendizado.

Lia Neal, medalhista olímpica por duas vezes que fez história como a segunda nadadora negra a participar do time olímpico dos Estados Unidos, nunca usou a Soul Cap. Mas ela defende que a reação que a Fina enfrentou por sua decisão inicial foi um progresso para o esporte em geral. “Isto é muito maior do que proibir um tipo de touca”, diz.

Um estudo de 2020 publicado no Jornal Internacional de Pesquisa e Educação Aquática liga a “exclusão sistemática de piscinas públicas” ao fato de jovens negros serem 2,6 vezes mais propensos a morrer por afogamento. A análise argumenta que a natação não é somente um esporte, mas também uma técnica que pode salvar vidas.

Segundo Danielle Obe, presidente e uma das fundadoras da Associação Negra de Natação, organização britânica que se dedica a aumentar a diversidade em esportes aquáticos, a inclusão é o primeiro passo para tornar os nadadores negros mais visíveis e mais dispostos a entrar na água.

“Queremos ser incluídos. Tudo o que pedimos é a opção de termos um equipamento projetado para atender à questão de nosso cabelo, que é uma barreira importante à participação em esportes aquáticos em geral”, disse Obe. “Se a Fina soubesse que esse era um grande obstáculo para a nossa comunidade, acho que a decisão teria sido ligeiramente diferente.”

Enquanto as toucas feitas pelas grandes companhias de equipamentos de atletismo, como a Speedo, têm sido a opção tradicional em esportes aquáticos, a Soul Cap é simplesmente uma alternativa, argumentou Obe.

Feita de silicone, ela não difere materialmente de muitas outras toucas para natação. Paradoxalmente, como ela é maior que a maioria das toucas, poderia ser considerada pelos nadadores uma desvantagem competitiva.

Mesmo além do mundo do atletismo de elite, a legislação sobre o que é ou não aceitável para cabelos negros é há muito tempo um ponto de disputa, e em alguns casos foi simplesmente racista.

Em 2019, a Califórnia se tornou o primeiro estado americano a proibir a discriminação de cabelos naturais, quando o Senado estadual aprovou a chamada Lei Crown (“crown” é a sigla em inglês para “Criar um mundo respeitoso e aberto para o cabelo natural”).

Leis semelhantes aprovadas em Nova York, Delaware e Nebraska, entre outros estados americanos, proíbem empregadores e escolas públicas de barrar estilos de cabelos como “cornrows” (tranças rentes ao couro cabeludo) ou penalizar empregados e estudantes atletas negros por escolherem penteados de estilos culturalmente específicos.

Neal, 26, que tem origens negra e chinesa e começou a nadar aos 6 anos, disse que a saúde de seu cabelo naturalmente crespo era um sacrifício que ela sabia que teria de fazer durante a carreira como nadadora de competição. Ela anunciou sua aposentadoria da natação em maio deste ano.

Quando usava uma touca de natação comum, “eu provavelmente tinha de puxá-la para cima 20 vezes durante um treino”, disse ela. “É um obstáculo, um incômodo que muitas de minhas colegas não têm de se preocupar porque não precisam usar os mesmos produtos para cabelos que eu uso”, acrescentou.

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