Atentado contra liderança Ka’apor completa uma semana sem resposta das autoridades

O Cimi já contabiliza a morte de seis integrantes do Povo Ka’apor, assassinados por conta da atuação intensiva contra a invasão e exploração dos territórios protegidos (Isadora Brant/Reprodução)

Iury Lima — Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) —  A emboscada realizada contra uma liderança do Povo Ka’apor, no município de Santa Luzia do Paruá (MA), completa uma semana neste sábado, 29, mas ainda não houve resposta do governo do Estado do Maranhão, nem do governo federal, por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai). No entanto, todos eles foram acionados pela etnia e por organizações da sociedade civil, que atuam na proteção de povos tradicionais, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que acompanha o caso e presta assistência aos indígenas ameaçados pela guerra contra madeireiros e outros invasores. 

“A Funai é conhecedora do problema, pois os indígenas comunicaram ao órgão, mas não foi feito nada até o momento (…) De maneira oficial, nenhum dos órgãos se posicionou. Foi feito um boletim de ocorrência na Polícia Federal sobre essas ameaças. O Ministério Público (do Maranhão) também foi acionado para cobrar e fiscalizar a respeito dessa situação”, disse, em entrevista exclusiva à REVISTA CENARIUM, o coordenador Regional do Cimi, Gilderlan Rodrigues.

Coordenador Regional do Conselho Indigenista Missionário no Maranhão garante, em entrevista à REVISTA CENARIUM, que apesar de acionadas, autoridades estaduais e federais não se manifestaram (Iury Lima/Cenarium)

“É isso que a gente tem cobrado do Governo do Estado do Maranhão. Lógico que a gente sabe que os territórios indígenas são de responsabilidade federal, mas existe a região do entorno das comunidades, que cai sobre a responsabilidade da esfera estadual. O Estado poderia fazer a fiscalização, nesses locais, contra os  madeireiros que estão, principalmente, próximos às Terras Indígenas; deveria realizar o fechamento das serrarias e impedir o fluxo de caminhões (carregados) que trafegam livremente, amparados pela falta de atuação”, disse ainda Rodrigues.

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A emboscada

Tratada pelo Cimi como uma “tentativa de homicídio”, fruto das constantes ameaças de morte aos indígenas Ka’apor que lutam pela proteção de seus territórios, a armadilha que quase vitimou mais uma liderança da etnia ocorreu no último sábado, 22. 

Um carro onde estava o líder indígena, sem identidade revelada, foi cercado por outros quatro veículos. Ele e os outros ocupantes conseguiram abrigo em um restaurante e só retornaram à comunidade tradicional com escolta da Secretaria de Segurança Pública do Maranhão (SSP/MA), que só compareceu porque outras lideranças foram até a cidade para prestar apoio e acionaram a pasta, aguardando, junto das vítimas do atentado, do lado de fora de uma delegacia, onde não conseguiram atendimento policial.

Para as comunidades tradicionais, o ataque foi uma resposta à realização do 2º Encontro de Governança e Autodefesa, promovido entre os dias 18 e 20 de janeiro, onde se discutiu a organização interna e o mapeamento etnocartográfico do território Alto Turiaçu, que tem mais de 530 mil hectares, abrangendo municípios do Maranhão até a fronteira com o Pará. Também, no evento, foi criada mais uma área de proteção territorial, a 11ª da lista de regiões que funcionam como uma espécie de “porto-seguro” contra as invasões.

“Dentro dessas áreas, eles trabalham com projetos agroecológicos e isso acaba possibilitando, também, a permanência de algumas famílias nesses locais. Além de possibilitar a fiscalização dos territórios, porque eles vão transitando entre essas áreas de proteção”, detalhou Gilderlan Rodrigues.

Indígenas Ka’apor realizam a vigilância e a proteção dos territórios por conta própria (Cimi/Reprodução)

Defesa por conta própria

Sem resposta das autoridades, os quase 2 mil indígenas Ka’apor realizam a defesa dos territórios de forma autônoma, agora, ainda mais intensificada pelos conflitos recorrentes. Após a tentativa de assassinato de mais uma liderança, os indígenas fecharam um dos principais ramais madeireiros que ficam no entorno da TI. 

“Nesses últimos tempos, foram fechados entre 15 e 20 ramais, mas ainda existem muitos outros. Esse último, agora, que eles fecharam, seria um dos maiores, próximo a Santa Luzia do Paruá, que eles sempre quiseram fechar. E, claro, né?, que isso potencializou as ameaças”, revelou o coordenador Regional do Cimi.

Segundo Rodrigues, a luta não é de hoje, visto que os indígenas iniciaram, por volta de 2019, o que eles próprios chamam de “retomada do território. “Isso, com organização interna para o combate às invasões madeireiras, formando, assim, o Conselho de Gestão Ka’apor, visando garantir o bem viver da população”, explicou o ativista.  

“A Terra Indígena Alto Turiaçu é a maior TI do Maranhão. Uma terra muito bonita, com uma floresta praticamente intacta e, lógico, isso desperta a ganância da indústria madeireira. Os Ka’apor vivem esse momento tenso por enfrentar a destruição de seus territórios que, por sua vez, têm políticos locais envolvidos e empresários locais envolvidos, que movimentam um grande volume de recursos. Isso desperta a ira, pois, segundo eles, os indígenas estariam interferindo nos negócios”, acrescentou.

Sangue derramado

O Cimi já contabiliza a morte de seis integrantes do Povo Ka’apor, assassinados por conta da atuação intensiva contra a invasão e exploração dos territórios protegidos. Uma luta “discreta”, fruto do “embate direto”, como categoriza o órgão. Todos os crimes, no entanto, sem punição. 

“O caso mais emblemático que temos é o de Eusébio Ka’apor (assassinado em abril de 2015) que, até hoje, não temos nenhuma resposta. Para os casos mais recentes, do ano passado, há, inclusive, pelo Ministério Público Federal, a recomendação de que o governo do Estado faça uma investigação. Além do mais, esses últimos indígenas assassinados foram mortos fora dos territórios, numa tentativa de descaracterização da luta pela proteção das comunidades. O que acontece é que quando eles morrem fora dos territórios, o que se diz é que isso não é responsabilidade do governo do Estado ou do governo Federal (…) por isso que essas ameaças e os assassinatos de indígenas continuam”, revelou Gilderlan.

Assassinado há quase sete anos, Eusébio pertencia à aldeia Xiborendá, da TI Alto Turiaçu, e trabalhava como agente indígena de saneamento; foi morto com um tiro pelas costas a mando de madeireiros (Reprodução/CIMI)

“A gente não teria perdido essas vidas caso o Estado do Maranhão e o Estado Brasileiro cumprissem seus papéis. Essas mortes, todas elas, estão impunes. Não há, até o presente momento, ninguém respondendo”, repudiou.

O que cabe ao Cimi

De forma emergencial, o Conselho Indigenista Missionário tem prestado apoio aos indígenas Ka’apor, por meio da Regional do Maranhão, segundo o coordenador Gilderlan Rodrigues. Além disso, o órgão tem promovido novos debates, orientação e buscado parceiros para enfrentar a situação que é de muita tensão. 

“A gente tem acionado o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e o Programa de Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), no sentido de discutir uma estratégia coletiva de proteção aos Povos Indígenas, bem como, também, com as organizações daqui, da sociedade civil, que apoiam a luta do Povo Ka’apor, além do apoio da Defensoria Pública da União (DPU), que tem sido uma grande aliada deste povo aqui no Maranhão”, assegurou Rodrigues.

Uma vez mais, sem respostas

Novamente, procurados e questionados pela reportagem sobre as ações de comando e controle contra as invasões e posicionamento a respeito dos conflitos, o governo do Maranhão e o governo Federal, na figura da Fundação Nacional do Índio (Funai), não deram nenhum retorno.

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