Ayahuasca: MPF investiga casos de apreensões indevidas

Ayahuasca (Reprodução/Istock)
Carol Veras – Da Revista Cenarium*

MANAUS (AM) – O Ministério Público Federal (MPF) está conduzindo uma investigação para garantir que a atuação policial em casos envolvendo a ayahuasca, bebida tradicional dos povos indígenas amazônicos, seja apropriada. O objetivo é garantir que as investigações policiais respeitem o uso religioso da bebida.

De acordo com o órgão federal, o consumo e o transporte da ayahuasca só devem ser considerados ilegais quando houver evidências de que ela está sendo utilizada para fins recreativos.

O procurador Lucas Costa Almeida Dias destaca que “apesar do reconhecimento estatal dessa prática, alguns agentes de segurança pública parecem ignorar sua natureza religiosa”. O MPF solicitou às Polícias Federal e Rodoviária cópias de ocorrências envolvendo a ayahuasca nos últimos três anos e questionou se foram tomadas medidas para verificar a finalidade religiosa dessas ações.

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Além disso, a instituição quer saber se a legalidade do uso religioso da ayahuasca é abordada na formação dos agentes policiais e se há orientações formais sobre como lidar com casos relacionados à bebida.

O Ministério também pediu informações ao Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) e comunicou à Câmara Temática de Culturas Ayahuasqueiras sobre a abertura do procedimento, oferecendo a oportunidade para fornecer informações relevantes.

Casos

Em casos envolvendo a ayahuasca, houve situações em que a substância foi apreendida pela polícia, mas seu uso religioso foi reconhecido pela Justiça, levando ao arquivamento de procedimentos. Como exemplo, o documento de despacho da Procuradoria-Geral do Acre relata o caso onde um cidadão francês que foi preso em Belém (PA), tentando embarcar para a Europa com ayahuasca, mas foi libertado em audiência de custódia devido ao reconhecimento de que a substância era para uso religioso.

Em outra situação ocorrida no México, Claudino Pérez, membro da tribo Uitoto, foi detido em março de 2022 no aeroporto da Cidade do México quando agentes antidrogas descobriram garrafas de ayahuasca em sua bagagem. Os procuradores solicitaram uma sentença de 25 anos de prisão, porém o caso foi arquivado após o presidente colombiano, Gustavo Petro, que admitiu ter experiência com ayahuasca, enviar uma equipe de acadêmicos ao México para testemunhar perante o tribunal sobre os antigos usos da raiz.

À direita, Claudino Perez (Reprodução/Redes Sociais)
Sobre a prática

Os pesquisadores Beatriz Labate e Wladimyr Araújo destacam no artigo ‘O uso ritual da ayahuasca’ que
o termo é de origem indígena: “Aya” significa “pessoa morta, alma, espírito”, e “waska” significa “corda, liana, cipó ou vinho”. Portanto, sua tradução para o português seria algo como “corda dos mortos” ou “vinho dos mortos”. No Peru, também é conhecida como “soga de los muertos”.

De acordo com artigo científico ‘O uso da Ayahuasca em rituais do Santo Daime e o direito fundamental de liberdade religiosa’, dos pesquisadores Ludimila Marinho, Bruno Salles e Tatiana Costa, o uso ritual da ayahuasca é compartilhado por três religiões brasileiras: o Santo Daime, a Barquinha e a União do Vegetal, além de ser adotado por grupos neoayahuasqueiros em áreas urbanas.

O Santo Daime é uma religião brasileira surgida na década de 1930, principalmente na região Norte do país. Seus seguidores consomem ayahuasca, feita a partir do cipó Jagúbe e das folhas do arbusto Chacrona. Essas folhas contêm o alcaloide DMT, regulamentado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) devido aos seus efeitos alucinógenos.

Segundo a legislação, a bebida não é classificada como uma droga, embora esteja listada como uma substância proscrita na Portaria 344/1998 da Anvisa . A Lei 11.343/06 permite o uso de substâncias psicotrópicas em rituais religiosos, sujeito às regulamentações sobre cultivo, colheita e consumo. O Conad regulariza o uso da ayahuasca em rituais religiosos, restringindo seu uso recreativo, proibindo exportação e comercialização, e exigindo formalização das entidades religiosas para garantir o uso exclusivamente religioso.

Experiência

A psicóloga e funcionária da Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas, Pamela Castro**, afirma que são necessárias alguma precauções antes de ingerir a bebida. Em um questionário recebido por ela antes da prática em um ritual Xamânico, algumas perguntas importantes estão inclusas, como por exemplo a respeito de doenças graves, uso controlado de medicações e consumo de drogas e bebidas.

Antes da cerimônia, é necessário cuidados especiais com a saúde e com o corpo. No ritual em que a entrevistada participou, foram recomendados três dias sem relações sexuais, alimentos gordurosos e uso de medicações que possam atingir as capacidades cognitivas. A funcionária pública comenta que o número máximo para a ingestão da bebida são três copos.

Ritual da bebida sagrada (Reprodução/DFE)
(*) Com informações do MPF
(*) Nome fictício para proteger identidade do entrevistado
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Editado por Adrisa De Góes
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