Com informações do Infoglobo
RIO — O desfile fora de época, no outono de alívio do sufoco na pandemia, assistiu à volta da Beija-Flor em toda sua força e competência. Luxuosa, empolgada e — novidade — com um enredo muito bem construído, a azul e branco da Baixada é muito candidata ao título.
O abre-alas com o Beija-Flor preto, emulando o sankofa (o pássaro com os pés para o futuro e a cabeça voltada ao passado), marcou o início de virtudes da apresentação nilopolitana, que contou quase todos os setores eletrizados.
Neguinho da Beija-Flor, em seu 46° desfile, teve desempenho impecável, assim como a bateria dos mestres Rodney e Plinio. A porta-bandeira Selminha Sorriso perdeu o salto do sapato direito, dando pitada extra de emoção à sempre torturante divulgação das notas.
Os melhores carros alegóricos da noite passaram na Beija-Flor, que derrubou estátuas de racistas, exaltou Neguinho, Cabana e Joãosinho Trinta, lembrou Carolina Maria de Jesus numa biblioteca na favela. No fim, exaltou Pinah e fez a devida reverência a Laíla.
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George Floyd no Carnaval
Marcelo Misailidis repetiu, na comissão de frente, o formato usado por ele mesmo na Vila Isabel campeã de 2013, em que os componentes não descem ao chão. Na apresentação, o assassinato do americano George Floyd surgiu num telão, além de vítimas do genocídio dos negros brasileiros. Floyd foi um afro-americano de 46 anos que foi asfixiado e morto pela polícia de Minneapolis, nos EUA, em maio de 2020.
O caso, repercutido globalmente até hoje (o policial responsável pelo crime foi condenado a mais de 22 anos de prisão, em junho de 2021), foi mencionado na comissão de frente idealizada pelo coreógrafo Marcelo Misailidis para a azul e branca.
Intitulada “Macuas”, a apresentação que abriu o desfile da chamada “Deusa da Passarela” mostrou a luta dos povos Malês, os negros muçulmanos trazidos ao país na escravidão, contra o domínio das pessoas brancas.
A hegemonia foi representada, na criação de Misailidis, por estátuas que imperavam sobre a repressão aos escravos pretos. A comissão de frente deu fim a esse processo histórico com a explosão da cabeça de uma dessas estátuas, feita de isopor: o efeito especial fazia com que um dançarino jovem e negro emergisse no lugar de um símbolo da chamada “branquitude”. A cena remete à derrubada e à depredação dos monumentos de colonizadores, senhores de escravos e supremacistas no branco (por aqui, o caso mais conhecido é o do bandeirante Borba Gato, cuja estátua, em São Paulo, foi incendiada em julho de 2021).
‘Nova consciência’
O carnavalesco da escola da Baixada Fluminense Alexandre Louzada, um artista branco, conta que “é preciso criar uma nova consciência e contar a verdadeira história do povo africano”. Ele lembra que “a África é o berço da humanidade” e o negro “não deve ter vergonha de sua raça”.
“A África é muito mais que isso, mais do que homens brancos contam. No nosso enredo fazemos uma provocação à História. Damos exemplos para que os pretos possam se orgulhar de seus ancestrais, de seus antepassados. Temos vários artistas pretos, como Aleijadinho, mestre Valentim, os irmãos Rebouças, mestre Didi. É preciso despertar essa consciência no negro. Nas favelas estão escondidos muitos Machados de Assis. São essas as provocações que levamos para a Sapucaí”, afirmou Louzada, que assina o desfile junto com André Rodrigues, único carnavalesco negro do Grupo Especial.
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