Beija-Flor reivindica ‘lugar de fala’ para celebrar o pensamento do povo preto em Carnaval do RJ

Escola cantou os negros 'invisíveis' da história. 'Nas favelas estão escondidos muitos Machados de Assis', diz carnavalesco da escola de Nilópolis (AMANDA PEROBELLI / REUTERS)

Com informações do Infoglobo

RIO — O desfile fora de época, no outono de alívio do sufoco na pandemia, assistiu à volta da Beija-Flor em toda sua força e competência. Luxuosa, empolgada e — novidade — com um enredo muito bem construído, a azul e branco da Baixada é muito candidata ao título.

O abre-alas com o Beija-Flor preto, emulando o sankofa (o pássaro com os pés para o futuro e a cabeça voltada ao passado), marcou o início de virtudes da apresentação nilopolitana, que contou quase todos os setores eletrizados.

PUBLICIDADE

Neguinho da Beija-Flor, em seu 46° desfile, teve desempenho impecável, assim como a bateria dos mestres Rodney e Plinio. A porta-bandeira Selminha Sorriso perdeu o salto do sapato direito, dando pitada extra de emoção à sempre torturante divulgação das notas.

Os melhores carros alegóricos da noite passaram na Beija-Flor, que derrubou estátuas de racistas, exaltou Neguinho, Cabana e Joãosinho Trinta, lembrou Carolina Maria de Jesus numa biblioteca na favela. No fim, exaltou Pinah e fez a devida reverência a Laíla.

Leia também: Em noite repleta de artistas, Paulo Gustavo é homenageado pela São Clemente para mostrar que ‘rir é um ato de resistência’

George Floyd no Carnaval

Marcelo Misailidis repetiu, na comissão de frente, o formato usado por ele mesmo na Vila Isabel campeã de 2013, em que os componentes não descem ao chão. Na apresentação, o assassinato do americano George Floyd surgiu num telão, além de vítimas do genocídio dos negros brasileiros. Floyd foi um afro-americano de 46 anos que foi asfixiado e morto pela polícia de Minneapolis, nos EUA, em maio de 2020.

 O caso, repercutido globalmente até hoje (o policial responsável pelo crime foi condenado a mais de 22 anos de prisão, em junho de 2021), foi mencionado na comissão de frente idealizada pelo coreógrafo Marcelo Misailidis para a azul e branca.

Intitulada “Macuas”, a apresentação que abriu o desfile da chamada “Deusa da Passarela” mostrou a luta dos povos Malês, os negros muçulmanos trazidos ao país na escravidão, contra o domínio das pessoas brancas.

A hegemonia foi representada, na criação de Misailidis, por estátuas que imperavam sobre a repressão aos escravos pretos. A comissão de frente deu fim a esse processo histórico com a explosão da cabeça de uma dessas estátuas, feita de isopor: o efeito especial fazia com que um dançarino jovem e negro emergisse no lugar de um símbolo da chamada “branquitude”. A cena remete à derrubada e à depredação dos monumentos de colonizadores, senhores de escravos e supremacistas no branco (por aqui, o caso mais conhecido é o do bandeirante Borba Gato, cuja estátua, em São Paulo, foi incendiada em julho de 2021).

‘Nova consciência’

O carnavalesco da escola da Baixada Fluminense Alexandre Louzada, um artista branco, conta que “é preciso criar uma nova consciência e contar a verdadeira história do povo africano”. Ele lembra que “a África é o berço da humanidade” e o negro “não deve ter vergonha de sua raça”.

“A África é muito mais que isso, mais do que homens brancos contam. No nosso enredo fazemos uma provocação à História. Damos exemplos para que os pretos possam se orgulhar de seus ancestrais, de seus antepassados. Temos vários artistas pretos, como Aleijadinho, mestre Valentim, os irmãos Rebouças, mestre Didi. É preciso despertar essa consciência no negro. Nas favelas estão escondidos muitos Machados de Assis. São essas as provocações que levamos para a Sapucaí”, afirmou Louzada, que assina o desfile junto com André Rodrigues, único carnavalesco negro do Grupo Especial.

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.