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Brasileiros aguardam novo representante da direita e esquerda enfrenta desafios
Placas de direita e esquerda. (Reprodução/Politize)
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26 de setembro de 2023
Da Revista Cenarium Amazônia*
SÃO PAULO – Jair Bolsonaro (PL) é carta fora do baralho eleitoral até 2030, mas uma coisa ele deixou clara: parte da população brasileira está bastante disposta a votar em quem se apresentar abertamente como o nome da direita.
E, a julgar pelas disputas presidenciais de 2018 e 2022, a dinâmica demográfica do País pode jogar mais likes nas redes da direita, deixando para o futuro da esquerda o desafio de aprender a lidar com tendências de médio e longo prazo.
A principal delas é o avanço dos evangélicos, que se expandem em ritmo acelerado desde os anos 1990 e abraçaram o bolsonarismo de corpo e alma. Esse grupo religioso já é cerca de um terço da população e, segundo projeções, deve ultrapassar os católicos no final desta década.
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Mas a votação de Bolsonaro, seja contra Fernando Haddad (PT), seja contra Lula (PT), também mostra que ele recebeu o apoio de outros segmentos que têm crescido ou tendem a crescer, como o das pessoas mais escolarizadas ou de renda média e alta.
Além disso, algumas características da economia brasileira indicam dificuldades adicionais para a esquerda, como a expansão do setor agropecuário e o encolhimento da indústria.
“Estamos passando por um processo que eu chamo de calcificação política. A sociedade está se dividindo em relação a sua visão de mundo, seus valores e suas crenças“, afirma o cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest.
“Isso vem sendo forjado pelas disputas presidenciais dos últimos anos. Votar no PT ou contra o PT é uma forma de se colocar no mundo“, diz Nunes, que é professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Ele afirma que os mais jovens e os mais velhos enxergam o mundo de uma forma diferente entre si, assim como homens e mulheres, pessoas com escolarização menor ou maior, renda alta ou baixa etc.
As diferentes visões de mundo podem levar a diferenças expressivas nos índices de votação.
Na véspera do segundo turno de 2022, por exemplo, pesquisa Datafolha indicava que Bolsonaro tinha 33% de intenção de voto entre os mais pobres e 59% entre os mais ricos, enquanto a situação de Lula era praticamente o oposto disso.
Em tese, o enriquecimento da população enfraqueceria a base que votou em Lula e ampliaria o contingente dos que escolheram Bolsonaro. Mas isso em tese: é preciso cuidado ao imaginar que o comportamento eleitoral vai se reproduzir nas próximas disputas.
Nunes chama a atenção para a idade, por exemplo: “É fato que os mais velhos de hoje são contra o PT, mas isso não significa que quem ficar mais velho vai virar anti-PT“. Para ele, entre todos os fatores demográficos, a religião é o que representa o maior desafio para a esquerda.
“O Censo de 2022 deve confirmar o crescimento dos evangélicos na última década. Seus valores e crenças conservadores e a promessa de uma vida melhor a partir da ética protestante são muros quase intransponíveis para a esquerda nesse grupo“, diz Nunes.
O cientista político André Singer também cita os evangélicos como um problema de fundo para a esquerda. No artigo “Lula’s Return” (a volta de Lula), publicado na New Left Review, ele afirma que não há precedentes para a mobilização desse segmento religioso a favor de Bolsonaro.
Professor da USP, Singer diz à Folha que, conectada à questão religiosa, a desindustrialização é outro elemento estrutural que pesa contra a esquerda.
“À medida que vai desindustrializando, precarizando, há uma tendência à fragmentação, porque não tem mais o local de trabalho que unificava os trabalhadores“, afirma o cientista político.
No Brasil, a indústria de transformação, que já respondeu por mais de 30% do PIB durante quase 20 anos, teve sua participação reduzida a pouco mais de 10% nos últimos anos; os postos de trabalho gerados por esse setor também diminuíram no bolo total da economia.
Para Singer, a desindustrialização e os evangélicos se encontram no discurso da meritocracia, do trabalhador que batalha por conta própria, que enfrenta sozinho condições adversas e tenta ser bem-sucedido sem ajuda –ideias distantes das visões sociais da esquerda.
Mas, diz ele, os demais fatores demográficos podem levar a enganos se não forem analisados com cautela.
“Não é possível compreender a questão do voto na esquerda apenas a partir das últimas eleições. Há um conjunto de dimensões a serem consideradas, entre elas a de que lulismo e esquerda não são exatamente a mesma coisa.“
E é preciso considerar também que, embora parte do voto em Bolsonaro possa ter sido antes um protesto contra o PT, existe uma parcela grande do eleitorado que se coloca à direita na régua ideológica.
No artigo “A reativação da direita no Brasil” (revista Opinião Pública), Singer argumenta que a predisposição conservadora é um fator de longo prazo, que vem desde pelo menos os anos 1990 e que só ficou adormecida de 2006 a 2014, sob o êxito do lulismo.
De acordo com ele, essa inclinação à direita chega a atingir cerca de 40% a 45% do eleitorado –uma massa silenciosa na ausência de presidenciáveis conservadores competitivos, mas reativada por Bolsonaro e pelo combo Lava Jato e impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Bolsonaro, é claro, perdeu em 2022, o que significa que, provavelmente, não aproveitou todo o potencial de uma candidatura de direita. Além disso, enfrentou um adversário que há muito tempo extrapola o próprio campo ideológico, como afirma o cientista político Jairo Nicolau.
“A eleição presidencial é fundamental e ajuda a gente a fazer uma análise. Mas isso não quer dizer que ela reflita perfeitamente a posição da sociedade, porque Lula sempre foi muito maior do que a votação de toda a esquerda somada para o Congresso“, diz.
Professor da FGV Cpdcoc (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) e autor de “O Brasil Dobrou à Direita”, ele afirma que dois fatores importantes nas últimas eleições tendem a perder força: o voto nas metrópoles e o voto feminino.
No primeiro caso, embora Haddad tenha sido superado em 2018, Lula recuperou terreno em 2022, deixando, para Nicolau, “um jogo aberto”; no segundo caso, ele vê a rejeição das mulheres como algo específico do Bolsonaro.
Para a cientista política Helcimara Telles, também há elementos específicos que favorecem o atual presidente, mas não necessariamente seu partido ou a esquerda.
“Os eleitores mais pobres têm memória dos tempos de bonança dos mandatos de Lula“, diz Telles, que é presidente da Abrapel (Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais) e professora da UFMG.
“Com a ausência desse político no cenário, a situação do PT perante os mais pobres pode se complicar e, apesar de continuar a ser um grande partido, não necessariamente ele será o ‘partido dos pobres’“, afirma.
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