Bruno e Dom: Relatório da Comissão ARNS cobra Poderes e CNJ sobre violações de direitos humanos no Vale do Javari

Área de buscas por Dom e Bruno no AM (Reprodução/Infoglobo)
Com informações do Infoglobo

RIO DE JANEIRO – Relatório da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo ARNS (Comissão ARNS) aponta para graves violações no Vale do Javari, local com a maior concentração de povos indígenas isolados do mundo, e cobra do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e dos Poderes Judiciário, Legislativo e do Ministério das Relações Exteriores ações concretas de proteção dos territórios e direitos desses nativos na Amazônia Legal. Pede, ainda, cooperação bilateral com o Peru para apuração da autoria intelectual do brutal assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, após emboscada de criminosos contra a dupla no dia 5 de junho.

O documento de 74 páginas, elaborado em parceria com a Rede Liberdade e obtido com exclusividade pelo GLOBO, apresenta ao Grupo de Trabalho nomeado pelo ministro Luiz Fux, presidente do CNJ, uma série de “recomendações inadiáveis” sobre a atual situação de segurança pública e de justiça na Terra Indígena do Vale do Javari.

Plano de proteção territorial da terra indígena do Vale do Javali — Foto: Divulgação / Univaja; Funai

O relatório enumera episódios de violência relacionados ao trabalho de defensores do meio ambiente na região — antes e depois da demarcação do território, em 2001, — e fala da apropriação ilícita de seus recursos, além de citar deficiências históricas da Fundação Nacional do Índio (Funai) agravadas “de maneira acelerada” durante o mandato do presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele é acusado de estabelecer uma política “anti-indígena” e de desestruturar órgãos de proteção socioambiental, sobretudo, o Ibama, em meio à presença do crime organizado e à perseguição de servidores que tentam evitar a invasão de madeireiros, garimpeiros e pescadores ilegais, como era o caso de Bruno.

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“Esse documento se destina a vários órgãos e mais especificamente ao Poder Judiciário, formulando recomendações para que o Estado se faça presente e atuante, na região, para o fim da violência”, afirma a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, coordenadora do relatório.

Veja fotos da busca por Bruno Pereira e Dom Phillips, desaparecidos na Amazônia

Agentes da PM do Amazonas participam da busca pelos corpos de Dom Phillips e Bruno Pereira, em Atalaia do Norte — Foto: Victor Moriyama / The New York Times
Bruno Araújo Pereira e Dom Phillips faziam a rota da comunidade ribeirinha São Rafael até Atalaia do Norte (Reprodução)

Dividido em três partes, o relatório contextualiza a violência no Vale do Javari, para evidenciar que os assassinatos de Bruno e Dom não podem ser entendidos de maneira isolada do histórico da região. Exemplo disso é o assassinato de outro indigenista da Funai, Maxciel Pereira dos Santos, em 2019, quando foi baleado em plena luz do dia horas depois de participar de uma operação que culminou na apreensão de ilícitos.

“Há uma mudança no perfil da criminalidade, com associação ao narcotráfico. Isso aumenta a escala de crimes ambientais. Existe, também, um enfraquecimento da Funai desde os anos 2000, mas (isso) ficou mais forte na gestão Bolsonaro. A Funai está destruída hoje em dia. Quase não tem servidores e não recebe capacidade para agir em cooperação com outros órgãos, especialmente, a polícia e o Exército”, disse Henrique Castro, advogado da Comissão ARNS.

“Há um déficit na estrutura do sistema de Justiça, nas regiões habitadas por povos indígenas, e que tal carência colabora para o agravamento de crises e para a violação estrutural e sistemática de direitos constitucionais”, conclui o estudo da Comissão ARNS.

O documento traz ainda informações relativas às omissões do Poder Público, não apenas na prevenção à violência, mas também na defesa de direitos dos povos originários e alerta para a ausência de resposta às crescentes denúncias feitas pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), com a necessidade de criação, pelas instâncias representativas dos povos indígenas, da Equipe de Vigilância (EVU), “diante da carência de monitoramento e vigilância estatais, a qual criticada pela própria Funai, deixou os indígenas ainda mais expostos a ataques e riscos a sua integridade física”.

“As diversas falhas estruturais na execução da política indigenista de garantia aos direitos dos povos indígenas, a ausência de fiscalização eficiente e efetiva e a inexecução do orçamento garantidor da realização de providências necessárias à proteção dos povos indígenas que vivem na TI Vale do Javari demonstram não só a inércia, mas a existência de uma política anti-indígena que, além de descumprir os compromissos assumidos constitucional e internacionalmente, adentram no terreno da omissão, irresponsabilidade e improbidade administrativa das autoridades competentes para modificar a situação comprovada de violência persistente e estrutural no Vale do Javari”, diz o relatório.

Recomendações contra a criminalidade

No relatório há, ainda, uma série de recomendações ao Poder Público, especialmente ao Judiciário, mas também à União. É sugerido, por exemplo, que a Polícia Federal tenha os “meios necessários para a investigação transparente” do caso Bruno e Dom. Além disso, o material indica a necessidade de atuação nas fronteiras, “considerando a criminalidade organizada na região”. Saiba mais:

  • Recomenda-se o estabelecimento de metas para tramitação prioritária de processos que envolvam disputas de direitos indígenas, conflitos socioambientais e assassinatos ou ameaças a defensores de direitos indígenas;
  • Recomenda-se à União que destine recursos orçamentários para garantir a proteção territorial, ambiental e melhoria da qualidade de vida nas áreas reservadas a povos indígenas;
  • Recomenda-se o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU;
  • Recomenda-se que seja oficiado o Ministério das Relações Exteriores com o intuito de que o Estado brasileiro firme acordo bilateral de cooperação com o Peru, onde se tem notícias de tramitar processos criminais contra o “Colômbia” e cujos desfechos podem fornecer subsídios para correta apuração dos assassinatos de Bruno e Dom;
  • Recomenda-se à União dotar a Polícia Federal dos meios necessários para a investigação transparente do caso Dom e Bruno;
  • Recomenda-se ao Poder Legislativo a criação de instâncias de controle legislativo com relação ao aumento da criminalidade da Amazônia;
  • Recomenda-se o estabelecimento de metas para tramitação prioritária de processos que envolvam disputas de direitos indígenas, conflitos socioambientais e assassinatos ou ameaças a defensores de direitos indígenas;
  • Recomenda-se a criação de um grupo permanente de coordenação das ações de combate à criminalidade na Amazônia Legal;
  • Recomenda-se a criação de um grupo permanente de coordenação das ações de combate à criminalidade na Amazônia Legal, a partir de cooperação interinstitucional entre Funai, Ibama, ICMBio, Ministério da Defesa, Ministério da Justiça, Polícia Federal, Força Nacional, Ministério Público e organizações representativas dos povos indígenas;
  • Recomenda-se ao Ministério Público Federal que adote medidas para conhecer, compreender, garantir, fiscalizar e permitir a cooperação dos órgãos estatais com as equipes de proteção territorial dos povos indígenas, especialmente da Univaja;
  • Recomenda-se à União que destine recursos orçamentários para garantir a proteção territorial, ambiental e melhoria da qualidade de vida nas áreas reservadas a povos indígenas;
  • Recomenda-se que todos os órgãos criem abertura para um diálogo interétnico e intercultural com os povos indígenas envolvidos;
  • Recomenda-se que o CNJ lidere o debate para estabelecimento de políticas públicas efetivas para proteção de pessoas ameaçadas, com o estabelecimento de prazos e metas para a redução dos números de assassinatos na região da Amazônia Legal.
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