‘Café Di Preto’: jovem empreendedor promove inclusão de produtores rurais pretos

Torrefação da Baixada Fluminense surgiu após fundador perceber o racismo institucionalizado na indústria cafeeira (Divulgação)
Da Revista Cenarium Amazônia*

MANAUS – A desigualdade racial observada na indústria cafeeira foi o que inspirou Raphael Brandão, 31, a criar o Café di Preto, uma torrefação situada na Baixada Fluminense que comercializa exclusivamente grãos de produtores rurais negros.

Ele começou a sentir a necessidade de criar um projeto de café focado na questão racial quando frequentou a Semana Internacional do Café, em 2019. No evento, considerado o mais importante do setor no Brasil, ele diz que não via nenhum negro, com exceção daqueles que trabalhavam em serviços como limpeza e conservação do local.

E aí ele começou a procurar pessoas pretas na cadeia produtiva de café. O pontapé dessa busca, naturalmente, foi uma pesquisa inicial no Google. Aí veio a primeira decepção: os resultados eram quase todos sobre a história escravista por trás do café. Por um lado, tristeza; por outro, aquilo foi o maior combustível. Não dava para aceitar que, em pleno 2023, as pessoas pretas na indústria de café ainda fossem ligadas à escravidão, diz.

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Raphael Brandão, fundador do Café di Preto, exibe pacotes de café torrados na própria empresa
Raphael Brandão, fundador do Café di Preto, exibe pacotes de café torrados na própria empresa – Divulgação

Uma consciência maior sobre as questões raciais começou a surgir quando ele foi a São Paulo para um projeto no Educafro, uma ONG voltada para a educação de jovens negros e pobres. “Lá entendi o racismo como um todo, não só o racismo do xingamento, de proibir de ir a um lugar, mas um racismo sistêmico. Foi uma experiência que fez muita diferença no trabalho que eu faço hoje em dia, na minha forma de lutar.”

Racismo este que Raphael enfrentou diversas vezes ao longo de sua jornada no mundo do café. “Uma vez eu descolori o cabelo e chegou um cara na empresa e disse ‘caraca, tem um bandido aqui dentro’. E, depois, ainda cheguei a ser obrigado a pintar o cabelo para participar de um evento”, conta.

Esse foi apenas um de uma série de episódios de constrangimento pelo qual passou quando ainda trabalhava em meio a empregadores e clientes brancos. A sequência de assédios racistas causou impactos mentais em Raphael, que passou a ter crises de ansiedade e depressão.

Após muito sofrimento, decidiu largar o emprego. A situação estava insustentável. Havia dias em que ia chorando para o trabalho.

Lançou então um projeto de vaquinha virtual e uma rifa para conseguir comprar os equipamentos para ter sua própria torrefação.

“Pensei no nome Café di Preto não só por ser feito por pessoas pretas mas também pelo jargão racista ‘isso é coisa de preto’. O tempo todo me falavam que algo de preto era algo mal feito. Então a gente vai quebrar isso porque quando falarem do meu café, isso aí é Café di Preto, será algo muito bom.”

Com a verba arrecadada, conseguiu comprar o torrador, mas as dificuldades estavam só começando. Teve que lidar com atraso na entrega dos equipamentos e, nos poucos meses entre o pedido de demissão e a chegada do torrador, passou por séria dificuldade financeira. Um amigo se solidarizou ao ver sua geladeira vazia e se ofereceu para ajudá-lo na feira, um gesto que Raphael lembra com emoção até hoje.

Até que, em 19 de abril de 2022, o sonho virou realidade. Foi quando torrou o primeiro lote de café produzido por pessoas pretas.

Hoje, Raphael vende cafés especiais –a mais nobre categoria de café– produzidos por famílias pretas e torrados com maquinário próprio, em um imóvel situado em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.

No começo, tinha até dificuldade de encontrar fazendeiros negros. Aos poucos, contudo, foi descobrindo mais produtores, mas sempre com pequenas propriedades. “Todos os cafés feitos por pessoas pretas no Brasil são microlotes. Todos os produtores de quem eu compro são pequenos. Recentemente comprei um café excelente de uma produtora e foi a primeira vez na vida que ela emitiu uma nota fiscal”.

O portfólio do Café di Preto atualmente conta com três rótulos: Dandara (R$ 30,00, 250 g), Edilaine (R$ 45,00, 250 g) e Esperança (R$ 45,00, 250 g). As vendas são feitas pelo site da torrefação ou diretamente pelo Instagram @cafedipreto .

Agora, uma dos planos de Raphael é tentar democratizar o café de qualidade. Ele reconhece que o café especial ainda é excludente, pois os preços são bem mais altos do que os tradicionais. “O consumidor comum não quer saber que o café custa mais caro porque tem mais de 80 pontos. Ele precisa de um café que caiba no bolso dele”.

Por isso, ele pensa em ter um café sem tanta complexidade sensorial, mas cultivado por produtores honestos, bem torrado e com preços semelhantes aos rótulos encontrados nos supermercados.

“Uma coisa que me machuca muito é que a galera da minha vizinhança chega aqui sentindo aquele cheirinho de café e querendo comprar, mas, quando falo o preço, ela vai embora e não volta mais”, diz.

Além disso, quer disseminar o conhecimento sobre café para além dos círculos elitistas e brancos. Pensa em fazer oficinas com pessoas da periferia e jovens de baixa renda.

“Quero que o Café di Preto cause um impacto coletivo, para que o caminho para outras pessoas pretas sejam mais fáceis do que tem sido para mim. A história de superação só é legal pra quem supera. E muitas pessoas não conseguem superar por falta de oportunidades”, diz.

Agora, o sonho de Raphael é ver o café deixar de ser só coisa de branco para ser, de fato, Café di Preto.

Acompanhe o Café na Prensa também pelo Instagram @davidmclucena e pelo Twitter @davidlucena

(*) Com informações da Folhapress

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