Ciclistas relatam dificuldades para trafegar na BR-316, no Pará; ‘Disputa constante por espaço’

Marcos Barbosa é ciclista há quase 30 anos (Raísa de Araújo/Revista Cenarium Amazônia)
Raísa de Araújo – Da Revista Cenarium Amazônia

BELÉM (PA) – Com a intensificação das obras do Bus Rapid Transit (BRT) Metropolitano, trânsito cada vez mais caótico e orçamento para a mega obra de requalificação da rodovia BR-316 chegando ao fim, ciclistas de Ananindeua, Região Metropolitana de Belém, têm feito verdadeiros malabarismos para chegarem a Belém em meio a ruas sem sinalização e sem um espaço adequado para o transporte. Na capital paraense, apesar da malha cicloviária ter ganhado mais 30 km neste ano, não convence a população de que Belém se tornou ou ainda irá se tornar a cidade das bicicletas.

Marcos Barbosa, ciclista há quase 30 anos, usa a bicicleta como seu principal meio de transporte. Morador do bairro das Águas Lindas, em Ananindeua, região metropolitana de Belém, Marcos vem para Belém a trabalho e precisa enfrentar o trânsito da Rodovia BR-316 sem nenhuma segurança, em meio aos carros, devido à obra do BRT Metropolitano, que tem tornado o trânsito caótico.

“Todos os dias eu acabo trafegando ali na BR-316, tanto de dia quanto à noite, e a vinda para Belém, que a gente sabe que está tendo construção do BRT, é caótica. É uma disputa constante por espaço, dividindo espaço com ônibus, caminhões, carretas, entre outros ciclistas e motociclistas. Então é isso, ó, nós nos deparamos com tudo isso no dia a dia. Muita gente pergunta assim ‘mas e aí, não é perigoso? Tu não é louco de estar andando nesse trânsito da BR?’ Mas nós não temos opções”, relatou Marcos.

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Ciclista há quase 30 anos, Marcos Barbosa enfrenta dificuldades para trafegar na BR-316 (Raísa de Araújo/Revista Cenarium Amazônia)

A obra prevê, além das pistas para ônibus expressos, a construção de 22 km de ciclovias para o tráfego seguro de ciclistas nos dois sentidos, mas, até o momento, não apresentou nada. As obras iniciaram em 2019, com o prazo de conclusão de 19 meses, e mesmo com o orçamento da obra estando chegando ao fim, ultrapassando 80% do valor destinado a ela, de acordo com o levantamento de dados feito pela REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA em outubro deste ano, pouco tem sido visto na Rodovia, além de insegurança, engarrafamentos intermináveis e uma atmosfera caótica.

Leia também: Governo do Pará gasta quase meio bilhão em obra atrasada do BRT; Odebrecht recebeu R$ 153 milhões

Conforme a divulgação do Núcleo de Gerenciamento de Transporte Metropolitano (NGTM), durante o período de obras estão sendo disponibilizados caminhos seguros para o ciclista, além da sinalização nessas rotas. A orientação do NGTM é que o ciclista não divida a pista com os veículos, seguindo as orientações e os espaços destinados ao tráfego de bicicletas ao longo da BR-316. Para Marcos Barbosa, no entanto, a segurança no trânsito na BR-316 é zero, devido à falta de sinalização e espaço adequado para o tráfego de bicicletas e ao desrespeito dos condutores dos demais veículos.

Cidade das bicicletas

Após a campanha eleitoral de 2020, o atual prefeito Edmilson Rodrigues (PSOL) prometeu tornar Belém “a capital nacional das bicicletas na Amazônia”. Suas promessas incluíam a expansão e melhoria das ciclovias e ciclofaixas na cidade, aumento da fiscalização das vias e manutenção dos trechos já existentes. No entanto, faltando pouco mais de um ano para o fim do seu mandato, muitos ciclistas da cidade se sentem desapontados com o andamento das melhorias prometidas.

Publicação do prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues no Twitter, em dezembro de 2020 (Reprodução/Twitter)

Durante a gestão do atual prefeito, Edmilson Rodrigues (PSOL), até o momento, de acordo com a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana (Semob), a malha cicloviária de Belém ganhou novos 30,31 km, colocando a cidade entre as dez capitais brasileiras que mais possuem malha cicloviária.

Porém, os ciclistas reclamam da falta de um bom planejamento das vias. A falta de manutenção, com buracos e obstáculos, torna as ciclovias desconfortáveis e, em alguns casos, perigosas. A falta de sinalização adequada e a invasão das vias por carros e motocicletas também levantam preocupações de segurança.

Weslley Pimentel, professor de Educação Física, tem um grupo de pedal para iniciantes, que faz um percurso de 30 a 40 km na região metropolitana de Belém, uma vez por semana. Apaixonado por pedalar, o professor considera andar de bicicleta pela cidade um grande desafio e só não desiste por amar muito o esporte. Para o professor, apesar das promessas do atual prefeito, a cidade não foi feita para ciclistas e acredita que o planejamento de trânsito é caótico.

“O planejamento, em geral, de trânsito é muito ruim. Para ciclista, é pior ainda. Ou seja, a nossa cidade, apesar de ter muito ciclista, não foi feita para ciclista. Aí juntando isso com a falta de respeito no trânsito, que eu enfrento todo dia, é um desafio diário. Sem contar que as ciclofaixas de Belém são muito mal projetadas, têm postes no meio da ciclofaixas, o acesso de entrada nelas é em calçadas muito altas, até mesmo para cadeirante subir é complicado”, comentou Weslley.

Segurança em números

Apesar das promessas ousadas feitas durante a campanha, a realidade atual das ciclovias e ciclofaixas em Belém deixa muito a desejar. O descaso e a falta de fiscalização têm sido alvo de críticas constantes por parte dos cidadãos, especialmente daqueles que optaram por adotar a bicicleta como meio de transporte, mas a principal queixa dos ciclistas é a falta de segurança.

Dados do Relatório Estatístico de Acidentes de Trânsito em Belém, produzido pela Semob a partir de dados do Departamento de Trânsito do Pará (Detran), mostram que desde o início do mandato do atual prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, em janeiro de 2021, até fevereiro deste ano, foram registrados 636 sinistros e 25 mortes de ciclistas no trânsito, em Belém. De acordo com o artigo 193 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o condutor flagrado estará cometendo infração gravíssima, somando 7 pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A multa de R$ 293,47 é triplicada, totalizando R$ 880,41.

Dados do Relatório Estatístico de Acidentes de Trânsito em Belém de 2023 até fevereiro (Fonte: Semob e Detran)

A Semob informou à REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA que mantém a fiscalização regular com agentes de trânsito em rondas com viaturas e motocicletas, com o apoio do guincho, para coibir o uso do espaço do ciclista por outros tipos de veículos, realizando autuação quando há flagrante de infração. Como resultado dessa fiscalização, de janeiro a setembro de 2023, foram lavradas 989 multas, por transitar com veículos em ciclovias/ciclofaixas.

Isabela Costa, estudante de Enfermagem, que faz parte do grupo de pedal comandado por Weslley Pimentel, já pedala há aproximadamente três anos. Começou a praticar o esporte após o período crítico da pandemia da Covid-19, por indicação médica, e atualmente é apaixonada. Mas apesar do amor pelo esporte, ela não se sente segura de andar sozinha pelas vias, principalmente por ser mulher e ter que lidar, para além das inseguranças no trânsito, com o assédio moral.

“Só ando acompanhada do meu marido ou em grupos como esse, de pedal, porque não me sinto segura de andar sozinha. Mas para que as coisas mudem, acredito que antes de tudo é preciso educar, né? Educar a população, as pessoas, conscientizar, principalmente, para que nos respeitem andando nas ruas e respeitem os nossos espaços”, comentou Isabella.

Conscientização é a solução?

Apesar das críticas no início desta reportagem, Marcos Barbosa fica feliz de ver a cidade de Belém ganhando ainda mais quilômetros de malha cicloviária, mas, para ele, que utiliza a bicicleta tanto para transporte, como para esporte e lazer, não se trata apenas de aumento de faixas e sim de educação no trânsito. Para ele, ações educativas de trânsito precisam envolver a Região Metropolitana de Belém como um todo e ser recorrentes, não apenas em agosto, quando é celebrado o Dia Nacional do Ciclista.

“Eu acredito que ciclovias na cidade já foi uma evolução muito grande. Dentro da cidade de Belém, nós temos aproximadamente 100 km, inacreditável, né?! Eu acredito que a ciclovia ajuda muito, mas o que é realmente necessário é uma reeducação para os motoristas, sobre quem é o ciclista, né? O ciclista não é somente um indivíduo, mas uma vida. É mais um ser humano que vai ali, em cima de uma bicicleta. Um pai de família, um trabalhador, é aquele ser humano que, no dia a dia, ele vai em busca do ganho da família, do sustento da família em cima de uma bicicleta“, finalizou Marcos.

Edição: Eduardo Figueiredo

Revisão: Gustavo Gilona

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