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‘Clamava por força para ajudar a comunidade’, diz primeira médica de quilombo baiano
A médica quilombola Marina Barbosa (Rafaela Araújo/Folhapress)
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09 de setembro de 2023
Da Revista Cenarium Amazônia*
SALVADOR (BA) – “Eu era um ponto preto em uma folha branca”, ouvia Marina Barbosa, 32, de um professor durante a graduação em medicina. Hoje formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), ela é a primeira médica de sua comunidade quilombola Quenta Sol, no município de Tremedal (BA).
“Já nasci com esse grito no peito que clamava por alguma força de poder ajudar minha comunidade”, diz. A escolha de fazer residência médica em saúde da família veio da noção de cuidado com a comunidade, que desenvolveu ao longo dos anos no quilombo baiano.
“O que mais matava na minha comunidade era diabete e hipertensão, que provoca o acidente vascular cerebral. Sempre que esses pacientes saíam de um quilombo para procurar os hospitais, já estavam em um estágio muito descompensado da doença e voltavam mortos. Aquilo para mim era muito doloroso, eu ficava muito revoltada”, afirma a médica.
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De acordo com dados de 2020 do Ministério da Saúde, a população negra é a que mais sofre com doenças como anemia falciforme, diabetes mellitus (tipo 2) e hipertensão arterial.
A incidência dos casos e as consequentes mortes em sua comunidade motivaram Marina a buscar uma carreira na saúde. E o problema foi tema de seu trabalho de conclusão de residência, intitulado “Perspectiva de uma médica quilombola sobre acesso na atenção primária à saúde”.
A aprovação no vestibular aconteceu em 2011, quando tinha 19 anos. Mas o resultado não representou tranquilidade. Marina foi para Salvador sem dinheiro, nem lugar para ficar. À época, tentou sem sucesso, durante os três primeiros meses de aula, uma vaga nas residências universitárias da Pró-Reitoria de Assistência Estudantil da UFBA, criadas em 2006.
Sem o amparo da universidade e com dificuldades financeiras, ficou hospedada em um local improvisado e se alimentava mal, até receber o apoio de uma professora.
Em meio às dificuldades de acomodação e adaptação, Marina adoeceu. Sentiu fortes dores e desmaiou durante uma prova de biologia, e descobriu que tinha arterite de Takayasu, uma doença autoimune rara que causa obstrução das aortas, gerando dor torácica e fadiga, entre outros sintomas.
Ao longo de seis meses, a então estudante investigou a causa da doença. Ao mesmo tempo, fazia acompanhamento e buscava um diagnóstico no Hospital das Clínicas, em Salvador.
Com a doença e as demais dificuldades, precisou reduzir o número de matérias por semestre, mas nunca trancou o curso. Ela teria formado em 2019, mas a pandemia retardou ainda mais a conclusão do curso, e Marina se graduou apenas em 2021.
A Faculdade de Medicina da UFBA elegeu seu primeiro diretor negro em 2023, após 215 anos de existência da instituição. O médico professor Antônio Alberto Lopes tomou posse no dia 14 de agosto deste ano.
Os preconceitos vividos durante a passagem pela universidade foram diversos. Dentre eles, Marina relembra a discriminação que sofreu por falar com traços da linguagem de sua comunidade. “São palavras que são do meu povo. Independentemente de estudar ou não, vira e mexe você solta os vícios linguísticos”, diz.
A violência sofrida pela população quilombola ceifou a vida da líder religiosa Bernadete Pacífico, a Mãe Bernadete, no último dia 17. “A morte de Mãe Bernadete foi e está sendo causa de muita dor para mim”.
Desde 2013, a Coordenação Nacional de Quilombos (Conaq) registrou 30 execuções de quilombolas. Os estados que mais somam assassinatos ao grupo são Bahia (11), Maranhão (8) e Pará (4).
“Me tornei uma pessoa conhecida pelos outros quilombos, e Mãe Bernadete sempre me chamou para dar palestra lá na região metropolitana, onde ela atuava. Ela sempre me convidava e dizia que gostaria de me conhecer. Não deu tempo de fazer essa visita e dar esse abraço”, lamenta.
“Mãe Bernadete de certa forma colaborou, enquanto liderança quilombola, para que a gente tivesse acesso às cotas na universidade”, ressalta a médica quilombola.
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