Coletivo aponta tentativa de manobra em investigação e violência após ‘massacre do Rio Abacaxis’

O coletivo apresentou a carta na manhã desta quarta-feira, 17. (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS – O Coletivo pelos Povos do Rio Abacaxis divulgou nesta quarta-feira, 17, manifesto apontando uma “manobra maliciosa” para trocar o delegado responsável pela investigação do que ficou conhecido como “Massacre do Rio Abacaxis”, no Amazonas, além da intensificação de invasões de garimpeiros, ameaças e agressões, e até a queima de uma aldeia indígena, devido à falta de proteção dos povos tradicionais e indígenas da região.

A apresentação do documento ocorreu na Cúria Metropolitana de Manaus, na Avenida Joaquim Nabuco, bairro Centro, zona Sul da capital amazonense. O coletivo, formado por 17 organizações da sociedade civil (veja abaixo), cobra ainda justiça pelos seis mortos, dois desaparecidos e outros torturados na ação policial chamada de “operação de extermínio” contra povos que habitam os Abacaxis e Mari-Mari, em Nova Olinda do Norte e Borba (distante 135 km de Manaus) no interior do Estado.

Na mesa, representantes do coletivo detalharam o manifesto. (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

“Nós acreditamos que essas inseguranças, essa queima das casas e das aldeias, e até outras violências que a gente tem acompanhado ali, no Rio Abacaxis, não só tem uma profunda relação com o caso do massacre, como também são resultados do descumprimento da decisão judicial que determinou a instalação de uma base móvel da Polícia Federal no Rio Abacaxis”, afirma o professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e integrante do coletivo Thiago Maiká Schwade.

PUBLICIDADE

O representante destacou, ainda, a possível troca do delegado federal que coordena a investigação. A mudança seria a sétima desde o início das investigações. “Foram rumores muito fortes que nos chegaram”, disse ele. “Me parece que [a troca] foi revertida. É importante que o Ministério da Justiça e a Polícia Federal mantenham essa postura, nós não vamos aceitar que pela sétima vez seja trocado o delegado”.

Segundo o coletivo, a carta será enviada ao Governo do Amazonas, Ministério Público Federal (MPF), à Secretaria de Segurança Pública e outras instâncias oficiais.

Responsabilização

Em abril deste ano, dois membros da cúpula de segurança do Amazonas foram indiciados por envolvimento na chacina que ocorreu em 2020: o ex-secretário de Segurança Pública do Amazonas coronel Louismar Bonates e o coronel da Polícia Militar, Airton Norte.

Os dois coordenaram a operação de 50 homens enviados a Nova Olinda do Norte para identificar e prender os responsáveis pelas mortes de dois policiais militares. Após a chegada do efetivo ao município, ribeirinhos e indígenas denunciaram a invasão de casas sem ordem judicial, tortura de moradores e assassinatos.

Polícia aborda ribeirinhos na tranquila Vila dos Abacaxis (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Thiago Maiká Schwade lembra que, neste ano, completa três anos do massacre sem que ninguém tenha ido a julgamento. Ele cobra a participação do 9º Ofício do MPF, que apura atividades criminais e policiais, na condução do caso.

“A gente compõe esse grupo de solidariedade aos povos do abacaxis, mantendo uma presença e um contato com as principais vítimas desse massacre, e temos tentado acompanhar o caminhar do processo e identificar os gargalos. Já se passaram quase três anos e a gente ainda não tem ninguém que tenha sido efetivamente apresentado à Justiça, julgado e condenado na forma da lei”, ressalta.

O representante do Serviço de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental, padre Sandoval Rocha, menciona que o Estado falhou no seu dever. “É motivo de tristeza saber que o próprio estado, responsável por garantir nossos direitos humanos, de cidadania para proteger a vida, esse mesmo estado tomou a iniciativa de matar, de fazer o massacre, de produzir essas mortes”, defende.

Leia mais

Manifesto de 33 entidades exige ações para proteger ribeirinhos e indígenas na região do Rio Abacaxis
Justiça determina suspensão imediata de operação policial no rio Abacaxis, no AM
‘As pessoas da região já não podem manter seus hábitos de vida e cotidiano’, dizem entidades sobre rio Abacaxis, no AM
Saiba o que é cianeto, substância tóxica usada no garimpo ilegal para substituir mercúrio

Entenda o caso

De acordo com as investigações da Polícia Federal, em julho de 2020, o então secretário executivo do Governo do Amazonas, Saulo Rezende Costa, foi baleado no braço após tentar entrar com uma lancha particular em uma área, em Nova Olinda do Norte. Dias depois, quatro policiais militares à paisana foram até o local para prender os atiradores. Dois deles morreram em confronto.

A operação teve início no dia 3 de agosto. Louismar Bonates e Airton Norte foram a Nova Olinda do Norte com o objetivo de desarticular a quadrilha que aterrorizava os moradores. Pelo menos cem famílias, de 11 comunidades, relataram ter sofrido tortura para revelar o paradeiro dos assassinos dos policiais.

A Polícia Federal foi enviada ao município para apurar os relatos e garantir a proteção de indígenas e povos tradicionais. Um avião com agentes da Força Nacional também foi enviado à cidade de Nova Olinda do Norte.

Polícia e comunitários buscam corpos no Rio Abacaxis. (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)
Organizações do Coletivo Povos do Abacaxis:
  • Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (Amarn)
  • Casa da Cultura do Urubuí (Cacuí)
  • Comissão Pastoral da Terra Regional Amazonas (CPT-AM)
  • Comissão Pastoral da Terra Nacional (CPT)
  • Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
  • Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) – Regional Amazonas-Roraima
  • Espaço Feminista Uri Hi
  • Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas (Foreeia)
  • Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM)
  • Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas (Fammdi)
  • Grupo de Pesquisa, Planejamento e Gestão do Território na Amazônia (Dabukuri)
  • Movimento de Mulheres Negras da Floresta (Dandara)
  • Organização de Mulheres Indígenas Mura de Autazes (Omim)
  • Organização de Lideranças Mura de Careiro da Várzea (OLMCV
  • Rede Um Grito Pela Vida
  • Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares)
  • Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)
PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.