Desmatamento deixa rastro de destruição em Manaus

Obras de empreendimento afetam diretamente moradores do entorno (Foto: Alan Geissler / Revista Cenarium Amazônia)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium Amazônia**

MANAUS (AM) – Pelo menos cinco residências foram atingidas por uma enxurrada após forte chuva na capital amazonense na última segunda-feira, 25, no bairro Flores, Zona Centro-Sul de Manaus. Uma das casas teve o muro completamente destruído pela força da água, que invadiu o imóvel e danificou eletrodomésticos, móveis e até veículos. Especialista consultado pela REVISTA CENARIUM confirma o que os moradores já desconfiavam: que o fenômeno está relacionado ao desmatamento de uma área vizinha.

No início deste mês, a Construtora Colmeia subtraiu retirou a vegetação de um terreno vizinho para a construção de um condomínio de alto padrão. Segundo informações repassadas pela Defesa Civil, a obra é irregular, e o espaço foi interditado. Já o Instituto Municipal de Planejamento Urbano (Implurb) afirma que, no órgão, o empreendimento é regular.

Residência teve muro destruído com forte água da chuva. (26.dez.23 – Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)
Desequilíbrio ambiental

O desastre ocorrido na Rua Araxá é consequência do que especialistas chamam de impermeabilização do solo, resultado do desmatamento, conforme explica o doutor em Geografia Urbana e professor da Universidade Federal do Amazonas Marcos Castro. Ele pontua que a expansão desenfreada de centros urbanos, com a construção de empreendimentos que não atentam para o equilíbrio ambiental, é um problema que precisa ser enfrentado.

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O setor imobiliário quer incorporar, construir e vender. E isso tudo tem que ser num tempo rápido. Quem arca é o ambiente“, explica. “A gente tem uma cultura de impermeabilizar do solo, de retirar abruptamente a cobertura vegetal e de construir contenções. Mas a água não reconhece esse processo, a água é levada por gravidade, então geralmente todo esse processo de enxurrada, sobretudo em uma grande chuva como de ontem, ocasiona a ida dessa água de forma mais avassaladora para os fundos de vale“, explica.

Relatório preliminar

A CENARIUM teve acesso a um trecho do relatório preliminar produzido na segunda-feira, 25, pela Defesa Civil, que aponta irregularidades na obra, embargada pelo órgão na semana passada devido ao risco de alagamento na área. Questionada, a instituição, no entanto, não forneceu a íntegra do documento e informou que se trata de uma informação interna, não detalhando quais inconformidades tornariam o empreendimento irregular.

A equipe da Defesa Civil esteve no local e constatou que em uma residência de alvenaria, em bom estado de conservação, porém aos fundos existe uma obra irregular de grande porte de terraplanagem e com as fortes chuvas houve uma proporção de águas pluviais, causando alagação e posteriormente o desabamento do muro da residência, sem nenhuma vítima, só perda de bens materiais“, aponta trecho do relatório, assinado pelo diretor de Operações da Defesa Civil, José Mendes. O caso foi encaminhado ao setor de Engenharia da instituição e para o Implurb.

Trecho de relatório produzido após inspeção da Defesa Civil no local (Foto: Repodução / WhatsApp)
Fiscalização

O vereador Rodrigo Guedes (Republicanos) esteve no local e criticou o desmatamento realizado pela construtora na obra do residencial “Le Jardin”, iniciada no dia 11 de dezembro. “Esta Construtora Colmeia devastou, destruiu toda essa área. Era uma área 100% verde, tudo isso aqui era vegetação nativa, inclusive, biodiversidade, fauna, centenas de animais, que é natural onde tem área verde. Eles desmataram toda essa área“, afirmou.

Antes e depois da área desmatada para construção de condomínio de luxo (Foto: Google Maps/Alan Geissler)

Guedes afirmou à REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA que busca informações quanto às licenças ambientais da obra juntos aos órgãos competentes. Ele afirma que vai cobrar indenização para as famílias afetadas.

A gente está em busca de informações técnicas sobre licenças, as quais são necessárias para a construção. A princípio, a obra, a construtora, não as possui, tanto que não havia nenhuma placa lá”, afirmou Guedes. “Vamos acionar judicialmente a empresa, não só para realizar as obras de contenção e as intervenções urbanísticas necessárias, a fim de evitar qualquer tipo de nova tragédia, mas também para buscar a restituição e a indenização pelo que aconteceu com aquelas famílias.“, complementou.

Licenças

O Implurb afirma que o empreendimento obteve, regularmente, junto ao órgão, alvará de terraplanagem, pavimentação e alvará de construção com validade até dezembro de 2024. O órgão enfatiza, no entanto, que “responsabilidades diretas e indiretas [sobre a vizinhança], são única e exclusivamente dos responsáveis técnicos pelas execuções e da empresa proprietária“.

O Implurb realizou o controle prévio da obra através da análise dos projetos apresentados, que resultou em seus respectivos alvarás; e que o município realizou o controle concomitante através da atuação tempestiva da Defesa Civil, impedindo maiores danos e risco à população. Assim, deverá ser apurado se houve responsabilidade da proprietária do imóvel de onde ocorreu o deslizamento, o que poderá gerar a necessidade de indenização àqueles que foram lesados“, declara.

Alisson Meireles mostra destruição causada pela água da forte chuva. (26.dez.23 – Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

A CENARIUM questionou o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) sobre a regularidade do desmatamento no local e sobre licença ambiental do empreendimento, e aguarda resposta. Em nota enviada à reportagem três dias após solicitação de posicionamento, a Construtora Colmeia informou que não existia relação entre a causa das inundações e as obras do empreendimento Le Jardin, e que todos os estudos técnicos necessários à implantação do empreendimento foram realizados. (Leia a nota na íntegra no final da matéria)

Prejuízos

O professor de Educação Física Alisson Meireles mora na residência mais afetada pelo alagamento. O muro que faz a divisão com o terreno da Construtora Colmeia ficou completamente destruído e a casa alagada. A família de Meireles perdeu roupas, eletrodomésticos, móveis e até veículos.

Nós perdemos tudo, não tenho mais nada. Eu estou com a mesma roupa desde o Natal. Perdi meu carro e moto que utilizo para o trabalho, foi tudo levado pela enxurrada. Tudo pela incompetência desse pessoal, que acabou fazendo essa obra de desmatamento, que ocasionou um desmoronamento que impactou minha casa“, afirmou Meireles.

Animais

Além dos danos ambientais, os moradores da região lamentam danos à fauna local. O morador Alisson Meireles relatou à reportagem como foi o processo de desmatamento, com animais silvestres fugindo de seu habitat natural.

Desmataram aqui de uma forma muito rápida, com trator, arrancando as raízes, e as árvores que estavam aqui nessa superfície, parte de muro, eram árvores grandes, centenárias, provavelmente. Quando eles foram desmatando os animais foram saindo, entrando dentro das casas, iguanas, macaco, pra ter uma saída, porque eles estavam desesperados, tentando entender o que estava acontecendo, e isso aconteceu em um ou dois dias e foi de uma forma brusca, poque os animais estavam tentando se salvar entrando na casa das pessoas“, explicou.

Leia também: Desmatamento para construção de condomínio destrói habitat de animais em Manaus; veja vídeo
Moradores lamentam prejuízos após desmatamento para construção de condomínio (Foto: Ricardo Oliveira / Amazônia)
Caso de polícia

Os moradores da região próximo ao condomínio já haviam denunciado a obra do condomínio Le Jardin anteriormente. No último dia 11 de dezembro, o supervisor de sistemas Alan Kennedy Pinto Souza afirmou, em boletim de ocorrência registro no 12º Distrito Integrado de Polícia (DIP), que a remoção da vegetação próximo a sua residência, na Rua Araxá, causou infiltração no imóvel, comprometendo a estrutura de um muro.

Boletim de ocorrência registrado por Alan Kennedy Pinto Souza (Foto: Arquivo pessoal)

A empresária Ermiciana Martins, que também teve a casa invadida pela água da chuva vinda do terreno desmatado, conta que a construtora já havia sido avisada sobre os riscos de enxurradas, mas nenhuma providência foi adotada para prevenção.

A gente vem tentado com a construtora desde antes da vegetação ser arrancada, mas eles não queriam diálogo. Nós precisamos de uma ação efetiva para que outras casas não sejam atingidas”, declara. A empresária ainda afirmou que a Construtora Colmeia registrou quatro boletins de ocorrência contra ela, após a empresária ter cobrado respostas. Atualmente, a rotina é de preocupação com novos desastres.

Os moradores da região próximo ao condomínio já haviam denunciado a obra do condomínio Le Jardin anteriormente. (Ricardo Oliveira/Rede Cenarium Amazônia)

Essa noite eu não consegui dormir. Eram 4h da manhã, eu estava de joelho na beira da minha cama pedindo para Deus proteção, pedindo para Ele não mandar chuva. É uma sensação de impotência, quando vem a chuva, eu já fico pensando ‘será que vai cair algum muro?’”, afirma.

Leia a nota da Construtora Colmeia na íntegra:

A respeito dos problemas ocorridos no bairro de Flores, informamos que não existe relação entre a causa das inundações e as obras do empreendimento Le Jardin.

Todos os estudos técnicos necessários à implantação do empreendimento foram realizados, assim como, toda a documentação da obra está de acordo com a legislação e todos os pré-requisitos ambientais foram seguidos e atendidos de acordo com os poderes concedentes. Portanto tudo foi feito para garantir a segurança do empreendimento e da comunidade no entorno.

Além disso, cabe salientar que a obra está em estágio inicial e não alterou o relevo nem a estrutura do local. Os estudos realizados no lugar e as informações coletadas com alguns moradores (que constam nos nossos registros), apontam que o problema, já existia muito antes da existência do empreendimento.

O sistema de drenagem da região e a sua topografia irregular, e em declive, incluindo a presença de algumas edificações – que estão um nível acima do local em que o condomínio será construído – associado as chuvas excepcionais, que chegaram a 90mm no dia 25/12/2023, têm contribuído para o atual cenário. Inclusive, com base na política ambiental e práticas de responsabilidade social da construtora, a empresa está empenhando todos os esforços para a resolução definitiva do problema.

A intenção é proporcionar uma condição melhor para essa comunidade da qual passa a fazer parte, mesmo não tendo responsabilidade sobre o ocorrido, a construtora se disponibiliza a fazer um esforço conjunto com o poder público e a Chácara para viabilizar um sistema de drenagem no local, no intuito de solucionar o problema de maneira definitiva.

A construtora lamenta o ocorrido e se solidariza com os moradores da região.

(*) Colaborou João Felipe Serrão e Ana Pastana
(**) Matéria atualizada às 15h35 do dia 29 de dezembro de 2023 para inclusão da nota da Construtora Colmeia.

Editado por: Yana Lima
Revisado por: Gustavo Gilona
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