Crianças de favelas do Rio são selecionadas e vão concorrer a vagas do balé Bolshoi

Projeto Vi Dançar, no Alemão, com as crianças que foram selecionadas para a etapa final de seleção para estudar balé na Escola Bolshoi (Roberto Moreyra)
Com informações do InfoGlobo

RIO DE JANEIRO – O futuro na ponta dos pés. Oito crianças de favelas do Rio estão a um jeté de ingressar numa das escolas mais conceituadas de balé do mundo, a Escola Bolshoi, em Joinville, Santa Catarina. Elas se destacaram numa seleção feita com 110 crianças, entre 8 a 11 anos, mesmo sem ter qualquer contato com a dança. O movimento final acontece nos dias 7 e 8 de outubro, quando será a grande final nacional, na sede da escola russa no Brasil.

“Não é preciso conhecimento em dança para ingressar no primeiro ano. Às vezes, a criança traz isso de forma nata ou consegue desenvolver por meio de outros esportes ou meios artísticos, como capoeira, ginástica olímpica ou até subindo em árvore”, explica Sylvana Albuquerque, coordenadora do processo seletivo do Bolshoi.

Em busca de uma das 40 vagas para o primeiro ano, estão quatro crianças do Projeto Vidançar, do Complexo do Alemão; duas do Instituto Verde Criando Vidas, do Engenho da Rainha; uma do Projeto Luar da Dança, de Duque de Caxias; e outra do Instituto Mundo Novo, de Mesquita.

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“O importante é dar oportunidade. Muita gente acha que criança da comunidade não tem talento ou, se tem talento, não tem oportunidade. E elas estão aqui para provar que têm as duas coisas”, diz Amanda Visa, do Instituto Verde Criando Vidas, no Engenho da Rainha, que atende a 120 crianças, entre 3 e 18 anos.

À frente do projeto Vidançar, que completa 12 anos em outubro transformando vidas no Complexo do Alemão, Ellen Serra acredita que foram escolhidas as que mais precisavam dessa oportunidade.

“Essas crianças são pura inspiração dentro da comunidade em que vivem com a violência física, violência da fome e rodeadas de falta de oportunidade. É transformador ver uma escola como o Bolshoi ter essa consciência em territórios onde as pessoas não têm acesso”, disse Ellen.

Esse olhar social existe desde que a instituição nasceu, em Moscou, em 1773.

“Ela veio com essa condição de dar oportunidade para talentos se desenvolverem dentro de uma escola técnica com bolsa integral e colocá-los no mercado profissional de dança em qualquer lugar no mundo”, explica  Sylvana. “Quando a escola foi criada em Moscou foi pensando nas crianças órfãs, e carregamos esse DNA com a gente”.

Com 19 anos de atuação na Chatuba, em Mesquita, o Instituto Mundo Novo terá um representante na semifinal, orgulho máximo para o projeto que acolhe 200 alunos na Baixada, mesmo sem o resultado da etapa nacional.

“A arte liberta do muro da pobreza. Kauã já é vitorioso porque acreditou no seu sonho e rompeu todos os padrões”, destaca a Bruna Simãozinho, do Mundo Novo.

Dois dos quatro meninos do grupo são do Instituto Verde Criando Vidas. Com 13 anos, Victor Nascimento Santos via as primas dançarem e pediu para entrar no balé. Foi quando passou a fazer aulas no instituto. Para ele, ir para o Bolshoi é uma oportunidade de dar uma guinada na vida. Ele sabe da grande mudança que conquistar a vaga na escola representa, mas já está preparado para isso.

“Já pedi para meus amigos não chorarem porque estou indo atrás do meu sonho”, salienta ele, já de olho no futuro.

Karina Hevelyn da Silva, 10 anos, perdeu os pais e foi adotada por Maria Madalena junto com os três irmãos. A avó acompanha ela em todos os ensaios a aulas. Essa união não será desfeita. Caso ela seja aprovada, vai todo mundo junto para Joinville. E sobre saudade? Ela também já sabe o que fazer quando tiver saudades dos amigos, caso tenha que se mudar de estado.

“Tenho Instagram, posso falar com eles por lá”, afirma a jovem bailarina, que também faz aulas no Theatro Municipal, sempre acompanhada da avó, Maria Madalena.

Aos 10 anos, Maria Eduarda dobrou o tempo dedicado ao balé até o dia da grande final, o que para ela é esforço algum.

“Desde que entrei no balé sou mais feliz, mais alegre. Quero servir de inspiração para que outras meninas façam o mesmo”, declara a menina que, além dos treinos no Vidançar, ainda ensaia por conta própria em casa.

A avaliação final será feita em duas etapas. A primeira será médico-fisioterápica, para observar aptidão física numa avaliação de um time multidisciplinar de médicos e professores de educação física. A segunda será artística, em que serão apreciados o lado musical e a parte cognitiva.

“Não será uma aula de educação física, nem de dança. Será uma aula lúdica para avaliar a capacidade de desenvolvimento de cada um, principalmente dentro do método vaganova”, descreve Sylvan, referindo-se ao método criado no século XX pela bailarina russa Agrippina Vaganova, que busca o aprendizado de forma gradual a partir da consciência corporal do aluno a cada movimento, usado pela escola.

Para um grande final de aplaudir de pé, é preciso também conseguir verba para levar os vencedores e seus responsáveis para a jornada de três dias em Santa Catarina, e os grupos estão lançando campanhas para arrecadar dinheiro.

“Precisamos comprar passagens e arcar com as demais despesas necessárias para que nossos alunos possam viajar, com seus acompanhantes”, completou Ellen.

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