Crítica de Arthur do Val a Isabelle no BBB é discriminatória, avaliam indígenas

O deputado cassado Arthur do Val e a amazonense Isabelle Nogueira (Arte: Paulo Dutra/Revista Cenarium Amazônia)
Ricardo Chaves – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – A cunhã-poranga do Boi-Bumbá Garantido, Isabelle Nogueira, 30, foi alvo de crítica do deputado cassado e youtuber Arthur do Val (União Brasil), mais conhecido como “Mamãe Falei”. Em um vídeo divulgado na quarta-feira, 10, em seu canal do Youtube, o ex-parlamentar fez comentários polêmicos sobre a amazonense ao dizer que ela não era uma “índia original”. 

“A índia do Big Brother nada tem a ver com índia. Roupa coladinha, dente brancão, chama Isabelle. Não é uma índia original”, disparou. O youtuber ainda questionou como a ministra Sonia Guajajara se sentiria representada por Isabelle. 

Isabelle Nogueira é cunhã-poranga do Boi-Bumbá Garantido (Reprodução/Redes Sociais)

Indígenas entrevistados pela REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA consideraram a declaração de Arthur do Val discriminatória, preconceituosa e como parte de uma falta de conhecimento do País sobre os saberes, costumes e tradições dos povos indígenas.

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Para a assistente social, originária do povo Diakarapó e mestranda em Antropologia pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Thaís Desana, é lamentável que esse discurso seja feito por um ex-deputado que, em tese, deveria ter bastante instrução ou, ao menos, deveria ir atrás de informação. 

“O comentário tem cunho discriminatório e preconceituoso. É alimentado por uma base ignorante que tem falta de conhecimento e de interesse de conhecer também sobre a cultura dos povos indígenas”, reflete Desana. 

A assistente social, originária do povo Diakarapó e mestranda em Antropologia pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Thaís Desana (Reprodução/Redes Sociais)

A mestranda em Antropologia aponta, ainda, que pessoas indígenas estão em diferentes contextos e em diferentes lugares e vivências. “Já não cabia esse discurso do passado que, hoje em dia, é menos aceito”, completa.

Estereótipo ainda persiste

O Amazonas é o Estado que concentra mais pessoas indígenas do País, com 490,9 mil dos 1,7 milhão de indígenas registrados no último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizado ano passado. Mais da metade vive na Amazônia Legal. Os dados mostram o desafio que é romper a visão estereotipada sobre esses povos. 

Para Thaís Desana, a fala do youtuber dá a dimensão dos principais desafios para romper com o preconceito e a reprodução de estereótipos em relação aos povos originários.

“É necessário ter espaços de diálogos e na política. O ministério indígena foi um grande passo para dar representatividade e mostrar esses indígenas. No entanto, os desafios continuam nas bases da educação brasileira. É preciso mostrar que a nossa cultura não deve ser subjugada como inferior, temos que criar nossa autoestima em volta dessa cultura. Isso passa pelos direitos básicos de falar, agir e de estar presente na academia e mercado de trabalho. Entre os maiores desafios, está a visibilidade”, avalia. 

Já para Pedro Tukano, coordenador do Coletivo Indígena LGBTQIA+ Miriã Mahsã, a fala do deputado reflete o imaginário brasileiro. Ele explica que o indígena está inserido em diversos contextos, tanto na floresta como também na realidade urbana e, nem por isso, deixam de pertencer aos povos originários.

O coordenador do Coletivo Indígena LGBTQIA+ Miriã Mahsã, Pedro Tukano (Reprodução/Arquivo Pessoal)

“A educação brasileira foi pensada a partir de uma visão ocidental e colonizadora sobre as populações indígenas, estudadas de forma generalizada. Isso tudo resulta nessa ignorância de pensamento. As pessoas ainda pensam no indígena apenas como um ser que vive na floresta”, pontua Tukano.  

Visão estereotipada

Para a coordenadora do Grupo de Estudos, Pesquisa e Observatório Social: Gênero e Poder (Gepos), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), professora Iraildes Caldas, a crítica de Arthur do Val é caricata e persiste na visão estereotipada dos colonizadores, e nada mais é que uma ideia preconceituosa que vê o indígena como um aborígene ou selvagem, como afirmou Rousseau no século 18, quando se referiu ao bom selvagem.

“Esse estigma de ser do mato, como se fosse um duende da selva, é extremamente cruel. Trata o indígena como ‘silvícola’, como se fosse uma sub-raça ou um bicho. Essa imagem está associada ao vestir como estereótipo do mato, da floresta. Não vê o indígena como sujeito, ser humano, que se veste como uma pessoa qualquer, inclusive, se ajustando às transformações do tempo histórico, pois, trata-se de um ser histórico que acompanha as mudanças do seu tempo”, explica a coordenadora do Gepos.

A professora Iraildes Caldas durante Ação de Enfrentamento à Violência de Gênero, no Parque das Tribos, em Manaus (AM). (Marcela Leiros/Revista Cenarium Amazônia)

Para Iraildes Caldas, a origem de Isabelle Nogueira chama a atenção pela curiosidade que está associada ao exotismo e à imagem do indígena como exótico. A professora avalia que o programa pode auxiliar na desconstrução dessa imagem com a participação da amazonense.

“Isabelle vai incomodar muita gente, porque ela representa uma ameaça. Ela é diferente, culturalmente. Vão ver que não é essa a imagem do indígena. A verdadeira imagem do indígena é aquela ligada ao pertencimento étnico, com uma cultura pluridimensional, com um sistema de pensamento mítico e cosmológico, diferente do pensamento ocidental”, destaca a professora da Ufam.

Origem de Isabelle Nogueira

Durante uma roda de apresentação dos “brothers” na última terça-feira, 9, a amazonense falou sobre sua história, relembrou a infância e as raízes indígenas. “Algumas pessoas aqui me perguntaram se sou indígena. Indígena de fato, nascida numa aldeia, comunidade indígena, não, mas eu tenho descendência indígena como todos os amazônidas têm. Nessa inserção do Festival Folclórico de Parintins pude observar ainda mais minha árvore ancestral”, explicou.

Repercussão nas redes

Nas redes sociais, a declaração de Arthur do Val também gerou debate. “Que credibilidade o Arthur do Val tem para falar das mulheres? Parece que ‘o famoso sexista’ não aprendeu nada com seus atos de misoginia. E, agora, mais uma vez, demonstra a sua ignorância com relação à história do Brasil e o respeito aos povos indígenas”, escreveu o usuário do X (antigo Twitter) Pablo Miranda de Souza.

“A referência de índia que o Arthur do Val queria que entrasse no #BBB24 . Assim como ele, a ignorância de muitos é exatamente igual”, postou o usuário do X Ravel. 

A fala teve repercussão até no meio político. O deputado estadual, que preside a Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam), Roberto Cidade, usou a conta no X para defender Isabelle Nogueira. 

Colaborou com a reportagem: João Felipe Serrão
Leia mais: Saiba o que ganha a cultura amazonense com entrada de Isabelle no BBB24
Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Adriana Gonzaga
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