Crônicas do Cotidiano: Maria da Conceição Tavares e a luta contra a desigualdade

“A economia que não se preocupa com a justiça social, é uma economia que condena os povos a isso que está acontecendo no mundo, concentração brutal de renda e de riqueza, desemprego e a miséria…e esta é a história da economia brasileira… e se você não se preocupa com quem paga a conta, não é um economista sério, é um tecnocrata!” (TV Cultura, Roda Viva, 1995). “O capitalismo é de tal maneira alucinado; ele produziu duas coisas onde, hoje, os Estados Unidos da América é a marca: um grau de alienação ideológica sem precedentes… e conseguiram que o ultra individualismo levasse à destruição e o arrebentamento do próprio indivíduo” (YouTube, Melhores momentos). Pequena mostra do pensamento de Maria da Conceição de Almeida Tavares (1930-2024), que nos deixou em 8 de junho. Professora Emérita da UFRJ e docente da UNICAMP, matemática, economista e militante política, teve um papel importante na defesa do “desenvolvimentismo” a ser alcançado pelas políticas públicas brasileiras, desde que chegou ao Brasil em 1954, vinda de Portugal, fugindo da ditadura salazarista. Sua contribuição na docência, no serviço público e no debate político é relevante. Conheceu o Estado brasileiro por dentro, suas contas e procedimentos. Diferentemente dos muitos economistas do seu tempo, não levou o que viu por dentro do Estado para o proveito do “senhor mercado”. Continuou firme contra o patrimonialismo, a concentração de renda e o condutivismo histórico da elite sobre o Estado Brasileiro. Resistiu, até o fim, ao canto da sereia!

As convicções dessa mulher aguerrida nunca a deixaram calar sobre os inconsequentes planos econômicos que não contemplavam a vida social como um todo e não confrontavam os privilégios dos poderosos. Tinha a visão cristalina de que o capitalismo brasileiro é viciado nos privilégios que recebe do Estado. Aquilo que usurpa deste, usurpa do povo, origem de toda a riqueza, impedindo àquele de cumprir a sua função social; não luta por ganhos de produtividade, mas quer subsídios, quer desoneração na folha de pagamento dos tributos da previdência social; quer sonegar no recolhimento de impostos devidos, embutidos nos preços dos produtos e pagos pelos consumidores. Incarnado nas elites, apresenta-se genericamente como o nome de “mercado”, autodenominando-se “liberal” e, por todos os meios, mantém a hegemonia na Governança do Estado, quer através de lobbies de seu interesse ou mesmo pela violência. Em troca, concede aos agentes públicos que lhe fazem a vontade o beneplácito da viabilização de suas pautas não conflitantes, muitas das quais ultraconservadoras, que negam direitos, aprofundam as desigualdades e apartam os sujeitos sociais dos princípios e garantias do Estado Democrático de Direito. A homenageada, que nos falava dessas coisas, se foi, mas nos deixou os fundamentos para uma leitura das políticas econômicas e públicas em vigor neste capitalismo desenfreado.

E, falando nele, fica muito clara a impossibilidade dos ricos pagarem o justo imposto no Brasil. O Governo, mesmo tendo meios técnicos para cruzar os dados, tanto das pessoas físicas quanto de pessoas jurídicas sob a mesma rubrica, não as alcança para cobrar o que é devido, pois artifícios contábeis, isenções autorizadas por lei e até a confiança na litigância de má-fé como meio de postergar a quitação de débitos são constantemente usados por empresários que não têm compromisso social com a lei e, nem mesmo, escrúpulos. Aumentos de tributação, muitas vezes, visam compensar esses prejuízos reais ou presumidos, sobretudo, aqueles que se dão na esfera dos ganhos decorrentes das trocas globalizadas do sistema financeiro e em outros negócios rentáveis que escapam às instituições de controle nacionais e internacionais, coisas do grande capital. O enfrentamento a essas potestades, portanto, é político-ideológico e a mediação política é um meio de contenção possível, para evitar o aumento da violência com a exploração dos subalternos e sustar essa macha inexorável à sociedade da desesperança. Vozes como a de Maria da Conceição Tavares são vozes estridentes de anjos nos avisando que a luta ainda não acabou!

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(*) Jornalista profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; professor emérito da Universidade Federal do Amazonas.
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(*)Jornalista Profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas.

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