Crônicas do Cotidiano: o imbróglio diplomático e o oportunismo inconsequente

Não é verdade que o presidente do Senado e do Congresso Nacional não saiba interpretar as palavras de um discurso. Não é verdade que o Senador da República Rodrigo Pacheco não saiba a diferença entre “sionismo”, “semitismo” e “judaísmo”. Pelo tom de seu pronunciamento na Presidência do Senado, e na condição de terceiro na linha sucessória do Presidente da República em caso de impedimento, sabe muito bem o que significam as palavras “inadequadas” e “equivocadas” para pedir a “retratação” do Presidente, tal qual exigem as autoridades de Israel no Governo de Extrema Direita de Benjamin Netanyahu, que humilharam o Brasil e nosso Embaixador. Israel trava uma guerra contra o Hamas e mata civis Palestinos, um povo sem Estado, sem Forças Armadas, encurralado num território que historicamente também é seu e, por decisão internacional, quando da criação da ONU, foi reservado para a implantação de dois Estados: o Estado de Israel e o Estado Palestino, sendo que este último não foi implantado, porque a hegemonia dos partidos de tendência sionista de Israel impedem, sempre pela força, que tal aconteça.

Isso favoreceu o surgimento de grupos terroristas como o Hamas e outros, que à revelia das convenções internacionais, mas nunca respaldados pela totalidade do povo palestino, enfrentam Israel, causando, em represália, sucessivos massacres às populações civis palestinas, tanto na Cisjordânia quanto na Faixa de Gaza, ou mesmo dentro de Israel, onde vivem palestinos com uma cidadania de segunda categoria. Então, Rodrigo Pacheco não sabia que o pronunciamento do Presidente, na condição Chefe de Estado, se deu em consonância com a sua política externa? Não ouviu atentamente a fala do Presidente, palavra por palavra, antes de pronunciar-se? Não atentou para as diferenças entre Governo, Estado e Povo?

Desconheceu as postulações e decisões da Corte de Haia contra a prática belicosa do Governo de Israel, que mata civis e invade os territórios palestinos? Desconheceu que desde o início do conflito o Governo Brasileiro expressou o seu repúdio ao ato terrorista do Hamas? Não reconheceu a desproporcionalidade do que Israel alega como defesa? Esqueceu que o Governo Brasileiro, por meios diplomáticos, esmerou-se na defesa da libertação dos reféns e por um cessar fogo? Esqueceu que o Presidente não pronunciou a palavra “Holocausto”, reivindicada com exclusividade pelos judeus para nominar o genocídio de judeus pelo nazismo, episódio abominável, antes de ser cruel, e que atingiu não só os seis milhões de judeus, mas os ciganos, os portadores de necessidades físicas, os negros, os homossexuais e os que não aceitaram os postulados nazistas e foi feito, em parte por vingança pessoal de um ditador, combinado com os sentimentos supremacistas, nacionalistas, econômicos e até intelectuais de militantes nazistas?

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Daí o sentimento de nojo a qualquer coisa que se assemelhe a esse escárnio praticado contra qualquer povo por questões de raça, orientação política, ideológica ou religiosa, que pode ser ou vir a ser um “genocídio”, como historicamente aconteceu todas às vezes que o ódio contra o outro prevaleceu, e não somente contra judeus. Por isso, todos sabem que falar em genocídio dói no coração de quem tem dignidade e respeita o ser humano, independente de ser judeu, cigano, curdo, congolês ou outros.

As “lacrações” ao Presidente Lula, tachando suas falas como inadequadas, inaceitáveis ou o que quer que seja, são oportunistas e preconceituosas, feitas por ventríloquos. O envolvimento do Brasil com os povos do Oriente Médio é histórica. Sempre esteve aberto a todos. Alguns judeus expulsos da Europa migram para o Brasil Colônia; no início do sec. XIX, outra onda migratória judaica, para a Amazônia. Novas famílias migrantes se juntam, inclusive aos cristãos-novos. O Brasil apoiou e buscou apoios para a criação do Estado de Israel e do Estado Palestino. As relações com o Estado de Israel foram sempre normais. Por sua vez, os judeus brasileiros têm contribuição importante na vida cotidiana, na economia e, sobretudo, na vida intelectual e política do país. O resto é arenga da mídia “vira-lata” e subserviente, que tem um pezinho na extrema direita. O que importa é por fim à matança de civis em Gaza e a libertação dos reféns! O episódio não é só diplomático, é um “grito” de humanidade, que precisa ser ouvido com respeito.

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(*)Jornalista Profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas.

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