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Depressão silenciada, descaso governamental e falta de empatia marcam Setembro Amarelo
O suicídio é a causa de uma a cada 100 mortes em todo o planeta e, em 2019, 700 mil pessoas entraram para a estatística global (Reprodução/Internet)
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10 de setembro de 2021
Iury Lima – Da Revista Cenarium
VILHENA (RO) – É comum, em setembro, evidenciar os movimentos de combate e prevenção ao suicídio, uma das principais causas de mortes em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Este é um processo que se repete ano após ano, com a campanha nacional do Setembro Amarelo, visando prevenir e reduzir estes números deste acontecimento trágico que deixa feridas abertas ao seu redor.
Em entrevista à CENARIUM, nesta sexta-feira, 10, Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio, especialistas alertam que esta é uma luta silenciada e muitas vezes ignorada em outras épocas do ano e apontam ainda a falta de políticas públicas e o desmonte promovido pelo governo federal sobre serviços de saúde mental, além da falta de empatia da grande parte da sociedade com quem sofre e tem problemas internos e externos.
“Se fala tanto sobre suicídio, sobre o quanto a vida é maravilhosa, o quanto você tem que escolher viver. Talvez para uma pessoa que não esteja em intenso sofrimento seja fácil olhar e dizer que se deve escolher pela vida, mas não é tão simples assim”, ponderou a mestra em Psicologia Gésica Bergamini.
“Isso na verdade faz com que essa pessoa entre em mais sofrimento, pois nós estamos dizendo a ela que viver é muito bom, mas ela está vivendo e viver, para ela, não está sendo muito bom. Ela precisa de uma outra visão, de uma outra perspectiva”, avaliou Bergamini.
Uma a cada 100 mortes é resultado do suicídio
Em junho deste ano, a OMS divulgou o Suicide worldwide in 2019, relatório que reuniu novas estimativas sobre o suicídio, apontado como a causa de uma a cada 100 mortes em todo o planeta. Só em 2019, 700 mil pessoas entraram para a estatística global.
Ainda de acordo com a OMS, morrem mais pessoas como resultado do suicídio do que por guerras, homicídios, malária, HIV ou câncer de mama, por exemplo. No Brasil, é a terceira causa de mortes entre jovens de 15 a 29 anos, segundo o Ministério da Saúde (MS).
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Para Gésica, o número elevado no Brasil se deve ao desmonte promovido pelo governo de Jair Bolsonaro, praticamente extinguindo o atendimento público de qualidade em saúde mental. “Não existe uma política pública efetiva. O lugar onde a pessoa poderia buscar uma assistência, dentro de uma política pública, seriam os Centros de Atenção Psicossocial, que hoje estão funcionando à míngua por conta do rompimento que houve dentro da Rede de Atenção Psicossocial”, afirmou a mestra em Psicologia.
“Então, esse governo tem desmantelado, de fato, todo o serviço de apoio à saúde pública, no sentido da saúde mental”,
declarou Gésica Bergamini.
Gênero e perfil socioeconômico
Segundo a OMS, morrem mais homens (12,6 a cada 100 mil) devido ao suicídio do que mulheres (5,4 a cada 100 mil). Além de questões ligadas ao gênero, o perfil socioeconômico também está ligado aos indicadores: em países de alta renda, as taxas são maiores entre os homens, enquanto que em relação às mulheres, os números são mais expressivos em países de baixa-média renda.
Além disso, enquanto a média mundial caiu 36% entre 2000 e 2019, subiu 17%, em igual período, nas Américas. “É evidente o aumento da taxa de sucidídio em relação, também, às crises que a gente tem vivido: crise econômica, crise política, instabilidade no sentido desse cenário todo contextual”, avaliou Gésica.
“O ser humano não sofre apenas com os seus conteúdos internos, ele também tem gatilhos e sofre situações desse ambiente externo. Se eu estou passando por alguma dificuldade e o cenário, o país, o estado, a cidade, – contexto no qual estou inserido-, enfim, não me traz esperança, motivação, dias melhores e, ao contrário, o olhar é pessimista e de desesperança, então, essa pessoa que tem pensamentos suicidas pode sim, de fato, vir a cometer”, explicou.
Falando de prevenção o ano inteiro
Em Porto Velho, capital de Rondônia, um grupo de voluntários formado por 15 profissionais em Saúde Mental, realizam ações por meio da psicoeducação, debatendo sobre a prevenção ao suicídio durante todo o ano, além de levar diversos atendimentos de saúde em geral para estudantes, profissionais da saúde e da segurança pública: o Projeto Vida.
Sobre o fenômeno de se falar intensivamente sobre o suicídio, exclusivamente no mês de setembro, a psicóloga e especialista em Saúde Mental, Val Marques, que também é voluntária do Projeto Vida, explica que isso acontece porque ainda existem muitos tabus sobre a temática.
“Apesar de estarmos avançando nos diálogos através da campanha Setembro Amarelo, ainda temos muito o que caminhar. É preciso também desmistificar e desconstruir a ideia de que falar sobre a prevenção ao suicídio gera mais demandas. Entendemos, sim, que o falar de forma adequada, orientando, respeitando e trazendo a informação com uma linguagem acessível, ajuda a quem de fato necessita do acolhimento”, declarou a especialista.
“O psiquiatra e professor Neury Botega fala sobre uma ferramenta importantíssima para nos auxiliar no processo de ajuda a uma pessoa em situação de risco. É o que ele chama de ROC: R (Repare o risco); O (Ouça sem julgamentos ou comparações com a dor dos outros), e C (Conduzir a um profissional de saúde mental). Entendemos que usando a psicoeducação, respeito e empatia, podemos acolher e ajudar com muito mais compromisso e responsabilidade”, detalhou Val Marques.
Ajuda
Psicóloga e mestra em Psicologia Escolar, Clicia Henriques de Souza recomenda que o melhor caminho a ser seguido quando se notar sinais que indiquem a propensão ou tentativas de suicídio, é encaminhar o indivíduo para ajuda profissional.
“O psicólogo é um profissional que atua com saúde mental em todos os níveis, com técnicas e recursos de prevenção de adoecimento mental. Toda e qualquer pessoa que pensa ou comete tentativas de autoextermínio deve receber ajuda e tratamento por um profissional de psicologia clínica. Ter espaço para falar daquilo que dói, machuca e não sara, tirando o sono e a fome”.
A mestra em Psicologia Gésica Bergamini também acredita em uma linguagem acolhedora para tentar mostrar o quanto a vida pode valer. “Viver é resolver problemas todos os dias, é de fato estar numa selva de pedra. Sempre vai ter crise política, sempre vai ter crise econômica e nós precisamos, de alguma forma, manter essa esperança, através de uma vida que valha a pena ser vivida, fazer aquilo que nos faz sentir vivos”, declarou
“Então, perceba que eu não estou dizendo que a vida é maravilhosa, mas eu estou dizendo que em alguns passos a sua vida pode ter um valor para você mesmo e viver pode, sim, valer a pena mesmo diante do caos”, concluiu.
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