Superintendente do Iphan fala de projetos para ocupação do Centro de Manaus

Vista da orla de Manaus. Ao fundo, a antiga cervejaria Miranda Correa (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – O “Dia Nacional do Patrimônio Histórico e Cultural” é comemorado nesta quinta-feira, 17, homenageando e celebrando o dia do nascimento do jornalista e escritor Rodrigo Melo Franco de Andrade, criador do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), que é atualmente o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Rodrigo é reconhecido pelo seu legado na proteção ao patrimônio nacional.

A REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA conversou com a atual superintendente do Iphan Amazonas, Beatriz Calheiros de Abreu Evanovick, sobre a influência do órgão no Estado, as ações de resgate do patrimônio material e imaterial, além da importância do patrimônio arqueológico.

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A superintendente do Iphan Amazonas, Beatriz Calheiros Evanovick (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

Formada em história pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e ex-presidente da entidade “União Estadual dos Estudantes”, entre 2011 e 2013, Beatriz Calheiros Evanovick foi nomeada para o cargo de titular da Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Amazonas.

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O instituto faz parte da composição do Ministério da Cultura, comandada pela ministra Margareth Menezes, e responde pela preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro. Cabe ao Iphan proteger e promover os bens culturais do País, assegurando sua permanência e usufruto para as gerações presentes e futuras.

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Veja a entrevista com a superintendente do Iphan:
REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA: Qual o principal desafio do Iphan nesse resgate do patrimônio e no papel de fiscalizador?

BEATRIZ CALHEIROS DE ABREU EVANOVICK: Eu não gosto de dizer que é um poder de polícia, né? Temos o poder de embargo. Não é que eu não goste de falar o que faço, só não gosto do conceito de parecer punitivo. A ideia é ter um poder de fiscalização quando algo não for cumprido, aí você é obrigado a executar o embargo, uma notificação. Geralmente, trabalhamos na fiscalização dos impactos em empreendimentos que vão fazer perfuração, observando a questão dos sítios arqueológicos. Se tiver impacto em sítio, em área próximo do sítio também. Mas não é só isso, a nossa fiscalização sempre se concentrou muito no edificado, mas o patrimônio ele não é só o patrimônio edificado, ele não é só o patrimônio material, também é o imaterial, é teológico, paisagismo, e nisso o Iphan tem a característica de estar à frente na função. No meu caso, por ser historiadora, eu tenho uma afinidade maior na defesa do patrimônio imaterial, diferente de um arquiteto, por exemplo. O que não quer dizer que os outros tipos de patrimônio não serão defendidos.

RCA: E como você tem trabalhado esse equilíbio?

BCAE: Tenho tentado me esforçar para a gente ter um trabalho que dê atenção nas três áreas: material, imaterial e arqueológico. O desafiador, nesse sentido, é você manter esse tripé funcionando, que olhe para essa diversidade do patrimônio e não se concentre só em um. Geralmente, a política pública acabou se concentrando muito mais no material.

RCA: Um exemplo seria o tombamento do Centro Histórico de Manaus, certo? Mas apesar dessa defesa, temos muitos prédios descaracterizados e abandonados. Como esse resgate, até por meio do projeto “Nosso Centro” da Prefeitura de Manaus, tem funcionado?

BCAE: Então, temos o desafio das normativas. Como o Centro foi se desenvolvendo, as diversas arquiteturas vão ter a ver com o período em que as normativas foram surgindo. Na Constituição, em 1988, foi definido o que é patrimônio, mas essas normas de defesa vão se estabelecendo muito recente. A partir de 2015 que vai se criando uma regulação específica. Só agora o Centro Histórico vai para o livro do tombamento. Nós vamos entregar, até meados de novembro/dezembro, uma normativa do Centro Histórico. A gente vem trabalhando nas áreas, muitas vezes, com tombamento provisório ou com tombamento definitivo, mas sem uma normativa clara para todos os entes. Então, há uma área específica, determinada geograficamente, de atribuição no município. Há uma área de atribuição do Estado e uma área específica no Centro Histórico, delimitada, de atribuição do poder federal. Essa nossa sobreposição ainda não tinha um elemento técnico que fizesse com que a gestão fosse compartilhada e que a norma fosse compreendida por todos os entes e, assim, aplicada. Por isso que é desafiador, por isso que a gestão tem falado muito de diálogo, porque muitas das vezes o desafio de você ter os casarões funcionando, ter uma atividade no Centro, ela depende de uma atuação em conjunto. Isoladamente, a gente não revitaliza o Centro Histórico, a gente não preserva e a gente muito menos consegue fomentar ele para gerações futuras.

A superintendente do Iphan Amazonas, Beatriz Calheiros Evanovick (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)
RCA: E como funciona a proteção histórica dos bens imateriais?

BCAE: É bastante complexo, porque você está lidando com os saberes, na forma de fazer e vivenciar as culturas, aquilo que se dá valor, isso é muito sutil, porque de cada município, de cada Estado, você tem manifestações, seja do folclore, seja do fazer artístico, do aspecto religioso, da cidadania daquela população, de uma forma muito diversa. E esse patrimônio imaterial precisa continuar sendo fomentado e valorizado, porque além de sustentar nossa identidade enquanto povo, tão diversa, possibilita que outras gerações saibam da nossa história, que não é única e pode ser contada com a diversidade das características que nós temos.

RCA: Manaus foi tomada por grandes expansões, tomadas de territórios e invasões. Quando a gente fala de sítios arqueológicos, temos o exemplo da Comunidade Nova Vida, originária de uma invasão indígena, que conseguiu resgatar urnas arqueológicas depois de um processo que envolveu, inclusive, o Ministério Público Federal. Como vocês trabalham com esse mapeamento de sítios?

BCAE: É desafiador por isso. Até falei, recentemente, que uma das nossas partes mais sensíveis é a arqueologia, porque todo o nosso território tem uma ocupação pré-colonial e a gente sabe que, por ser uma dimensão geográfica desafiadora, é muito difícil, com o tamanho do corpo técnico que temos, o recadastramento ideal. Então, ano após ano, o Iphan vem fazendo recadastramento de sítios arqueológicos, buscando, cada vez mais, atuar para dentro do interior do Estado, mas a cidade de Manaus é um grande sítio arqueológico, então, qualquer movimentação, qualquer empreendimento, principalmente, nessas zonas que, hoje, vão tendo maior habitação, que vão tendo mais necessidade de saneamento, a gente encontra sítios e o que a gente precisa não é, necessariamente, que não haja um empreendimento, mas que ele obedeça às normas técnicas da arqueologia. É preciso ter um arqueólogo no projeto, para fazer mapeamento na área, informar o Iphan, para a gente poder avisar se já tem um cadastramento de sítio e o que pode ser feito, para caso seja achado algum vestígio, paralisar imediatamente para a gente poder atuar e acionar as instituições de salvaguarda, para que elas possam realizar a coleta. Como você falou, no caso do Nova Cidade, a gente tinha um impasse que teve uma atuação da Defensoria Pública, no Ministério Público Federal, e nós conseguimos solucionar a demanda a partir, inclusive, da disponibilidade de forma voluntária do Museu da Amazônia (Musa) em fazer a coleta das urnas que tinham na região e levar para a instituição para fazer pesquisa e conseguir que aquela área pudesse ser liberada para a comunidade poder, então, ter acesso a tudo que ela tem direito, porque, sim, ela tem direito.

A superintendente do Iphan Amazonas, Beatriz Calheiros Evanovick (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)
RCA: Você citou o trabalho voluntário do Musa. De que forma as organizações da sociedade civil e os órgãos ligados ao município e Estado colaboram com o trabalho do Iphan?

BCAE: A sociedade civil tem sempre o melhor olhar, né? Porque mesmo que ela não saiba todos os detalhes técnicos, ela sempre nos informa, via de regra por telefonema, por e-mail e nas redes sociais. A gente acaba conseguindo atuar, porque sem ela seria impossível dar conta da dimensão, se não fosse esse olhar atencioso da comunidade. As instituições de guarda, temos o Musa, o Museu Amazônico da UFAM, o Laboratório Alfredo Mendonça, que é do Estado, que fica na Secretaria de Cultura, o Instituto Mamirauá, único que atua no interior do Estado, e temos o CAM, que é o Centro de Arqueologia de Manaus, que está em processo de adequação para ficar habilitado como uma instituição de guarda, que poderá receber esse material arqueológico, fazer pesquisa, colocar à disposição para visita e tudo mais.

RCA: Sobre o Porto de Manaus. Há 1 ano, parte da estrutura cedeu e, até o momento, não foi reconstruída. Como o Iphan atua nessas situações?

BCAE: Então, aqui reside alguns limites da nossa atuação. Quando aquele bem, aquele empreendimento, como o Porto, tem uma ação do Estado e do município, a gente precisa aguardar a ação desses parceiros e, por norma, acompanhar o que está sendo projetado para aquela área, para aquele bem. No caso do Porto, ele tem uma atribuição de outros entes. A gente espera projetos de revitalização do Centro Histórico, ajuda a acompanhar como faz com o município, com o Governo do Estado, mas uma área que já tem uma determinação, cabe garantirmos que o mínimo seja feito. A questão da vigilância, a questão da preservação, do condicionamento, e junto de outras entidades também, porque não cabe só o Ipam ou só os organismos do Executivo, existem também as organizações ambientais. Isso é rotina, por isso, não é uma questão de desentendimento entre as partes, mas é uma rotina de operação. Se há alguma questão falha, a gente precisa buscar que ela seja corrigida. Caso ela não seja corrigida, aí a gente parte para as sanções. Mas acho que o anseio de todo amazonense é ver o Porto ativo, é ver a nossa orla acessível, é ver gente olhando para o rio e não de costas para ele.

A superintendente do Iphan Amazonas, Beatriz Calheiros Evanovick (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)
RCA: Ainda sobre o Centro Histórico, além da ocupação artística e de recuperação da história e identidade, como acontece a ocupação habitacional, tendo em vista que existem alguns prédios abandonados que poderiam servir como residência?

BCAE: Uma das coisas que tem sido diferencial no nosso Estado é ter o projeto de revitalização pensando na habitação. O governo federal tem uma atenção para a questão da moradia popular, da ocupação do Centro Histórico, da revitalização. A gente sabe que isso ajuda no processo de conservação, ajuda na questão econômica, no turismo, para que o comércio local se mantenha. A gente sabe que a população que vive em outras zonas já não vem mais ao centro com tanta frequência, então, ele precisa ser habitado, e quem já habita aqui precisa ter as condições de acesso à saúde, transporte, lazer e segurança. O Centro precisa estar ativo, a população precisa acessá-lo, os projetos como o “Nosso Centro” precisam, de forma técnica, ter segurança para sua execução, como para obedecer as normativas que existem.

RCA: Então, existe essa vontade tanto do governo federal, como das esferas estaduais e municipais de ocupar o Centro com habitações?

BCAE: Hoje, a gente tem ciência de que tanto a Prefeitura de Manaus, quanto o Governo do Estado estão atraindo e buscando parceiros também. Nós, do governo federal, estamos enfatizando e recebendo esses projetos e dando ainda mais fortalecimento para essas ideias de habitação no Centro. Então, provavelmente em breve, a gente já terá, não só para aqueles que já estão com prédios ocupados pela população que faz essa luta por moradia, mas outros projetos que o município e o Estado têm de moradia no Centro. Isso ajudará bastante no processo de revitalização. E a população que já mora aqui passará, então, a ter uma melhor assistência. Quando você aumenta o volume de população, precisa aumentar a segurança e todos os outros direitos. A gente já endossou, e estamos muito felizes em ver que são projetos bons, de uma quantidade razoável de empreendimentos de moradia no Centro Histórico, e a gente torce para que eles possam ser executados da melhor maneira e que possam ter essa população ativamente beneficiada.

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