É falsa a notícia de que Marina Silva ‘impede’ conclusão da BR-319; licenças são emitidas por técnicos

A ministra do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Brasil, Marina Silva, entrevistada pela REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA (Ton Molina/Revista Cenarium Amazônia)
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – A informação de que a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, tenta impedir a inclusão da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, nas obras do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como apontaram sites de notícias nesse sábado, 12, é falsa. O programa será de responsabilidade do Ministério das Cidades, comandado pelo ministro Jader Barbalho Filho, e não cabe à ministra de Meio Ambiente o ofício de emitir licenças ambientais.

Os sites afirmam que “fontes ligadas” ao governo federal dão conta de que a ministra “convenceu” o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, a não incluírem o reasfaltamento da via no novo PAC, o qual foi lançado na sexta-feira, 11, com previsão de investimento de R$ 47,2 bilhões para o Amazonas.

Pelo levantamento feito pela REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA, a liberação da licença para o projeto do “trecho do meio” da BR-319, de 455 quilômetros, tramita no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e é emitida por analistas, em sua maioria servidores de concursados de carreira. No caso da rodovia, existe uma Licença Prévia (LP), expedida em julho de 2022, a única emitida para a BR-319, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019 a 2022).

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Essa LP é o atestado de viabilidade ambiental da pavimentação e acontece após o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima), entregue em 2021 pelo Dnit ao Ibama e à sociedade em audiência pública. Além do Trecho do Meio, o Lote C da BR-319, que fica entre os quilômetros 198 ao 250, também já possui licença de instalação e aguarda aprovação do Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam).

Parecer técnico

Como está previsto em legislação, a ministra se declarou oposta à pavimentação da rodovia, caso não sejam feitos os estudos técnicos necessários de impactos ambientais. Na primeira administração frente ao MMA (2003 a 2008), Marina e o então ministro dos Transportes Alfredo Nascimento tiveram embates quanto à conclusão da via. Quinze anos após Marina Silva deixar o comando do MMA, a rodovia não foi finalizada.

Em entrevista exclusiva à edição impressa/digital da REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA, em julho, a ministra ressaltou as dificuldades interpostas na construção e pavimentação total da via ao longo dos anos, lembrando que o empreendimento é de alta complexidade e que é preciso ser provada a viabilidade ambiental do empreendimento, não apenas as viabilidades econômicas e sociais.

Licenças técnicas

Marina Silva enfatizou, ainda, que nem o Ibama, nem o MMA dão “licenças políticas” por se basearem em estudos técnicos para emitir, ou não, o licenciamento ambiental a um empreendimento. “O Ibama não funciona para facilitar, nem para dificultar. Em um governo republicano, você não dá licenças políticas, nem para dizer sim, nem para dizer não. Se o projeto é viável, a licença é dada, se não é viável, são pedidos novos estudos, complementos, uma série de questões”, afirmou.

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Capa de julho da Revista Cenarium (Reprodução/Revista Cenarium Amazônia)

Marina ainda lembra que, no passado, o Amazonas ainda tinha a vantagem de estar entre os que menos desmatavam, mas que essa realidade foi alterada nos últimos anos, o que pode causar ainda mais entrave na liberação. “Antes, o Amazonas tinha um dos menores índices de desmatamento e, hoje, desponta como o terceiro no ranking de desmatamento“, disse.

Desmatamento na BR-319

O impacto da BR-319 nos crimes ambientais podem ser vistos em estudos técnicos realizados por instituições como o Observatório BR-319 (OBR-319). Levantamento publicado em julho apontou que os municípios de Canutama, Humaitá, Manicoré e Tapauá possuem mais de 5 mil quilômetros de rede de ramais interligados à BR-319. A quilometragem total da “espinha” de peixe que se forma em torno da travessia é quase seis vezes a extensão total da BR-319.

“Ramal” é o nome dado a estradas não oficiais ligadas a rodovias federais. De 2021 a 2022, foram mais 340 quilômetros de ramais abertos ao longo da rodovia que liga Manaus a Porto Velho.

Mapa da abertura de ramais no entorno da BR-319 (Reprodução/Observatório da BR-319)

Os dados apontam que, em 2020, uma área total de 1.505 hectares teve exploração madeireira em Humaitá, e cerca de 34 quilômetros de ramais estão diretamente associados a essas explorações. “A extração de madeira em si não é uma atividade nociva quando realizada por meio do Plano de Manejo Florestal Sustentável e executada sob as normas da legislação florestal vigente“, ressaltou o estudo.

Todavia, uma enorme parcela dessa atividade vem sendo desenvolvida ilegalmente no Amazonas, com merecida ênfase para os municípios do Sul do Estado, região que, recentemente, se tornou um dos principais epicentros da indústria madeireira regional, particularmente, pela melhoria das condições de infraestrutura e logística de acesso a áreas contínuas de floresta“, alertou.

Abertura de ramais no entorno da BR-319 (Reprodução/Observatório da BR-319)

O levantamento ainda alerta que caso não sejam aplicadas devidas punições às ilegalidades, a BR-319 pode colaborar para o arco do desmatamento, região crítica de degradação ambiental que vai do Sul do Amazonas ao Estado do Pará.

Caso critérios de sustentabilidade não sejam rapidamente aplicados tanto na cadeia florestal quanto na cadeia pecuária, a tendência é que os municípios ao Sul da BR-319 tenham o mesmo destino que o arco do desmatamento, ou seja, a exploração predatória e a consequente escassez de madeira comercializável“, sinaliza o estudo.

Leia a íntegra da nota técnica:
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