‘É hora do povo da macumba criar vergonha e votar em macumbeiro’, diz religioso sobre eleições

Diversos candidatos têm buscado terreiros de matrizes africanas para buscar a benção dos orixás para vencer a corrida eleitoral (Revista Cenarium/ Ricardo Oliveira)

Carolina Givoni – Da Revista Cenarium

MANAUS – “Não é aceitável e nem concebível alguém que é de Axé votar em quem não seja de Axé”. O desabafo é do coordenador-geral da Articulação Amazônica dos Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana (Aratrama), pai de Santo Alberto Jorge, e revela que a 32 dias do primeiro turno das eleições municipais em Manaus, diversos candidatos a prefeito e a vereador têm buscado terreiros de matrizes africanas para garantir benção dos orixás e vencer a corrida eleitoral.

A prática da liberdade religiosa no campo político ganhou reforço após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) não coibir candidatos de buscar apoio político dentro de templos e casas de oração. Alberto Jorge ressalta que tem atendido diversos candidatos declaradamente evangélicos e católicos para abençoar as campanhas.

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Com um trabalho religioso de inclusão e assistência social desenvolvido há 17 anos, a sede da Aratrama já foi vítima de diversos ataques de intolerância religiosa (Revista Cenarium/ Revista Cenarium)

“Essa é a época que pai de santo ganha dinheiro, muito dinheiro. Eles vêm nos pedir voto e buscamos o diálogo entre todos os seguimentos da sociedade, assim como somos solicitados por padres, pastores evangélicos, assim como outros líderes de diversas denominações. Já atendi pedidos de candidatos até mesmo durante a noite”, explica Jorge.  

Voz e vez de Axé

Com um trabalho religioso de inclusão e assistência social desenvolvido há 17 anos, a sede da Aratrama já foi vítima de diversos ataques de intolerância religiosa, conforme detalhou o pai de Santo. “Ao longo desses anos, nós aprendemos várias coisas, uma delas é que sem representatividade política e partidária nenhum segmento da sociedade tem voz e vez nas estruturas de governo, sejam elas na esfera municipal, estadual e federal”, pondera.

O pai de Santo cita a crescente adesão de candidatos evangélicos como na bancada federal conhecida como “bancada da Bíblia” para citar que os povos de Umbanda podem institucionalizar candidatos.

Pai de Santo Alberto Jorge durante um jogo de búzios, prática tradicional das religiões de matriz africana (Revista Cenarium/ Ricardo Oliveira)

“Em todos esses anos de trabalho institucional, buscamos políticas afirmativas para sermos vistos pela sociedade como plenos cidadãos, não como cidadãos pela metade. E com a ascensão de políticos de esquerda como Lula, que trabalhou pela proteção e inclusão de minorias e nós, enquanto povos e comunidades tradicionais de terreiro de matriz africana, perdemos uma grande chance de despertar a institucionalização e o ingresso no campo político partidário elegendo representantes”, desabafou.

Escolhidos

Sobre as preferências de apoio, o coordenador da Aratrama diz que o alinhamento ideológico da associação é voltado para esquerda. “Isso naturalmente nos deixa contra candidatos ‘bolsonaristas’ e evangélicos. O que para nós não faz nenhuma diferença o fato deles não declararem preferência em abrir diálogo conosco”, comentou Alberto.

O pai de Santo vai além e questionou: “Qual o período da história do Brasil que os povos de terreiro vieram ter voz e vez? Somente no governo petista. E com essa prerrogativa dada pelo STF para igrejas evangélicas, nós também vamos pedir voto para nossos candidatos”, declarou.

À esquerda, pai Jonathan, sucessor de Alberto Jorge frente aos trabalhos do terreiro (Revista Cenarium/ Ricardo Oliveira)

“Já temos o ‘voto do cajado’, que é o voto do pastor. Se não votar no candidato da igreja, vai para o inferno. Então, se não votar no candidato da macumba, vai para boca do sapo ou do bode. Vai para encruzilhada”, brincou.

Segundo ele, a orientação dada às organizações filiadas a Aratrama é de conceder as melhores oferendas aos candidatos escolhidos. “Que o melhor axé, banho de cheiro, defumação, assim como o melhor ebó e a melhor adurá sejam na cabeça dos nossos candidatos, ou no mínimo aquelas que tenha afinidade conosco. É hora do povo da macumba criar vergonha e votar em macumbeiro. Chega! Não é aceitável e nem concebível alguém que é de axé votar em quem não seja de axé”, finalizou Alberto.

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