Em depoimento à PF, suspeito confessa ter visto o indigenista no dia do sumiço

O trecho do depoimento de "Pelado" consta em relatório enviado pela PF ao ministro Luís Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal (Divulgação)
Com informações do Infoglobo

RIO DE JANEIRO – Principal suspeito pelo desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips, Amarildo da Costa Pereira, o “Pelado”, afirmou em depoimento à Polícia Federal que viu Bruno no último domingo, 5, passando de barco em frente à Comunidade São Gabriel, onde mora, porém, negou ter saído de casa durante todo o dia, permanecendo o barco parado até segunda-feira, quando saiu para “caçar porcos”.

O trecho do depoimento de “Pelado” consta em relatório enviado pela PF ao ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).

“Pelado” declarou que conhece Bruno “apenas de vista” e disse que “nunca conversou com ele”. Afirmou, ainda, ser pescador há mais de 30 anos, na área do Rio Itaquaí, do ponto da base da Funai até o trecho do rio na comunidade São Gabriel, onde mora há 10 anos. Ele afirmou não possuir arma de fogo, “pois, há muita fiscalização da polícia peruana na região de Islândia”.

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Prisão

Policiais militares que prenderam “Pelado” afirmaram ao GLOBO que a lancha do suspeito foi vista perseguindo o barco do indigenista e do jornalista inglês, logo depois que eles deixaram a Comunidade São Rafael, em Atalaia do Norte. Durante a perseguição, ele estaria acompanhado de outras quatro pessoas que vêm sendo procuradas pelos investigadores. “Pelado” foi preso e trazido para a cidade na própria lancha.

Testemunhas relataram aos policiais que a embarcação do suspeito, apreendida e trazida com ele até a cidade, passou em alta velocidade atrás de Bruno Pereira e Dom Phillips, tão logo eles deixaram a Comunidade São Rafael, em uma visita, previamente agendada, para que o indigenista fizesse uma reunião com o líder comunitário apelidado de “Churrasco”, que é tio de “Pelado”, com o objetivo de consolidar trabalhos conjuntos entre ribeirinhos e indígenas na vigilância do território, bastante afetado pelas intensas invasões.

“Churrasco” foi detido na segunda-feira, 6, à noite, para prestar esclarecimentos como testemunha e liberado logo depois.

Funcionários da Funai fazem greve por 24 horas em protesto pelo desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira em frente ao Palácio da JustiçaCristiano Mariz/O Globo — Foto: Cristiano Mariz/O Globo
Funcionários da Funai fazem greve por 24 horas em frente ao Palácio da Justiça (Cristiano Mariz/O Globo)

Os dois desaparecidos viajavam com uma embarcação nova, com motor de 40 HP e 70 litros de gasolina, o suficiente para a viagem, e 7 tambores vazios de combustível. A lancha de “Pelado” tem um motor de 60 HP e é mais veloz.

Os dois chegaram ao local de destino (Lago do Jaburu) no dia 3 de junho de 2022, às 19h25. No dia 5, os dois retornaram logo cedo para a cidade de Atalaia do Norte.

Na comunidade São Rafael, a dupla iria conversar com o líder, “Churrasco”, mas foram recebidos por sua mulher, que ofereceu a eles “um gole de café e um pão”, segundo os vigilantes. Isso tudo ocorreu por volta das 16h do domingo.

De acordo com lideranças da Univaja, os dois se deslocaram pelo Rio Itaquaí com o objetivo de visitar a equipe de Vigilância Indígena que se encontrava próxima à localidade chamada Lago do Jaburu (próxima da Base de Vigilância da Funai, no Rio Ituí) para que o jornalista visitasse o local e fizesse algumas entrevistas com os indígenas.

Espingarda e munições

Uma testemunha considerada chave afirmou que viu “Pelado” carregar uma espingarda e fazer um cinto de munições e cartuchos pouco depois que o indigenista e o jornalista inglês deixaram a Comunidade São Rafael com destino a Atalaia do Norte.

De acordo com a narrativa da testemunha, “Pelado”, a quem se referiu como “homem muito perigoso”, já vinha prometendo “acertar contas” com Bruno e afirmou que iria “trocar tiros” com ele, tão logo o indigenista aparecesse no local.

Logo depois que Bruno e Phillips deixaram a comunidade, um colega de “Pelado” foi visto em seu barco com o motor ligado em “ponto morto”, à espera dele, e outra pessoa deitada no barco, perto de onde Bruno e Phillips supostamente desapareceram. A testemunha contou, ainda, que, logo mais abaixo do Rio Itaquaí, “Pelado” foi, novamente, visto no barco, desta vez com mais quatro pessoas passando em alta velocidade. Depois disso, não foi visto mais. Ela disse, ainda, que não “resta dúvidas” de que ele e os demais foram atrás da embarcação para fazer “algo de ruim” contra o barco do indigenista e do jornalista.

O relato da testemunha, que deve ser colocado em um programa de proteção, coincide com a revelação do GLOBO de que policiais militares que prenderam “Pelado”, na terça-feira, 7, confirmaram que a lancha do suspeito foi vista perseguindo o barco do indigenista e do jornalista, logo depois que eles deixaram a Comunidade São Rafael. “Pelado” foi preso e trazido para a cidade na própria lancha.

Denúncia à Corte de Haia

Nesta terça-feira, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) enviou ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda, uma nova manifestação contra a política do governo do presidente Jair Bolsonaro. O mandatário é acusado pela entidade da prática do crime de genocídio e de crimes contra a humanidade, por extermínio, perseguição e outros atos desumanos, no TPI. Soma-se ao processo, agora, a omissão da Fundação Nacional do Índio (Funai), os ataques sistemáticos sofridos pelos Yanomâmis e o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips.

Apib já havia se manifestado no TPI, em agosto do ano passado, por conta da morte de 1.162 indígenas, de 163 povos, durante a pandemia de Covid-19. No documento anterior, de 148 páginas, acusa Bolsonaro também de uma série de ações e omissões na gestão do meio ambiente. O texto sustenta que o desmantelamento das estruturas públicas de proteção socioambiental desencadeou invasões a terras indígenas, desmatamento e incêndios nos biomas. Agora, a entidade volta à Corte para acrescentar incidentes acontecidos no período de janeiro a maio de 2022, com um documento de 92 páginas.

O documento enviado ao TPI critica “a transformação de instituições e políticas de Estado” criada para defender os direitos dos povos indígenas, mas que se teriam voltado para a “destruição e a perseguição destes povos”. Acusa, ainda, a Funai de implementar a política anti-indígena de Bolsonaro, deixando os indígenas que vivem em terras não homologadas desprotegidos, e de estancar os processos de demarcação, além de apontar para “aparelhamento” do órgão, com funcionários considerados “contrários aos interesses dos povos indígenas”.

Sobre o desaparecimento de Bruno e Dom, os indígenas apontam para omissão estatal na realização das buscas e dizem que o ocorrido faz parte da “política anti-indígena de Jair Bolsonaro”.

A Apib acrescentou também ao processo na Corte de Haia o recrudescimento da violência contra o povo Yanomâmi, como revelou o relatório de pesquisadores indígenas, antropólogos e tradutores da Hutukara Associação Yanomami, ao qual O GLOBO teve acesso, a partes, com exclusividade. De acordo com o documento, ao menos três crianças e adolescentes entre 10 e 13 anos foram mortas depois de serem abusadas por garimpeiros, na região central do território conhecida como polo-base Kayanaú. As mortes ocorreram em 2020, mas agora, após entrevistas com indígenas nas aldeias mais afastadas e afetadas pelo garimpo é que elas vieram à tona.

A entidade cita, ainda, um conflito que deixou ao menos dois mortos e cinco pessoas feridas. O confronto ocorreu quando os Tirei, apoiados por garimpeiros, invadiram a comunidade Pixanehabi, que é contrária à mineração ilegal, e diz que mais atritos como esse tendem a acontecer pelo fato de os indígenas estarem tendo acesso a armas de fogo por garimpeiros.

Após a apresentação da denúncia, o trâmite do processo se dá na Procuradoria do Tribunal Internacional que vai analisar se abre ou não investigação contra Bolsonaro. Segundo o Estatuto de Roma, tratado que estabeleceu a criação do Tribunal Penal Internacional, os condenados por acusações semelhantes podem sofrer medidas cautelares e até prisões preventivas.

Atualmente, os casos contra Bolsonaro, no TPI, referentes aos crimes praticados contra os povos indígenas estão em avaliação preliminar de jurisdição, primeira das três fases do processo, ou seja, preliminar, que envolve, além da avaliação de jurisdição, a análise sobre critérios de admissibilidade e se a investigação servirá aos interesses da Justiça.

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