Em Roraima, lixão a céu aberto e turismo ilegal avançam em território São Marcos

Indígenas em área do território São Marcos (Reprodução/CIR)
Adriã Galvão – Da Revista Cenarium

BOA VISTA (RR) – O coordenador-geral da Associação dos Povos Indígenas da Terra São Marcos (APITSM), Marcelo Pereira Macuxi, denunciou à REVISTA CENARIUM o turismo ilegal no território e a poluição dos rios causados pelo lixão a céu aberto, responsabilidade do município de Pacaraima, na região norte do Estado de Roraima. No local, vivem indígenas das etnias Macuxi, Taurepang e Wapichana.

“Eu não chamo de turismo, chamo de invasão. Pontos como a Cachoeira do Macaco e a Pedra Pintada são visitados clandestinamente todos os dias. Eles entram sem autorização, danificam o patrimônio arqueológico e cultural e ainda deixam lixo. Eu vou ser obrigado a limpar o lixo de invasor?”, desabafou Marcelo Macuxi.

O coordenador-geral da Associação dos Povos Indígenas da Terra São Marcos, Marcelo Pereira Macuxi (Reprodução/APITSM)

Segundo o representante de 49 comunidades da Terra Indígena São Marcos, empresas e guias de turismo entram, diariamente, no território sem autorização prévia dos indígenas para visitar cachoeiras e o sítio arqueológico da Pedra Pintada, um dos pontos turísticos mais conhecidos de Roraima.

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“Eles [os turistas] invadem e não têm vergonha de divulgar a invasão em suas redes sociais. Na Terra Indígena São Marcos, para onde você for, tem alguém que cuida, zela e protege. Não é abandonado. Não é terra sem dono. A população que quer conhecer tem que buscar informação nas comunidades, tem que ter permissão”, ressalta a liderança.

O coordenador-geral da entidade revela, ainda, que os moradores das comunidades são capacitados para o acompanhamento de turistas que desejam conhecer as belezas do território, mas poucos visitantes preferem seguir o método legal para adentrar a região. Atualmente, a associação da Terra São Marcos trabalha para implantar o turismo cultural e sustentável.

Moradores da Terra Indígena São Marcos e da sede de Pacaraima (Reprodução/Redes Sociais)

“Nós queremos que o turismo gere ao menos um apoio econômico para as pessoas das comunidades. Estamos organizando para fortalecer o turismo cultural, guiado por indígenas que conhecem os perigos e belezas da região. Ensinar também aos turistas a consciência de manter os rios sem lixo, sem depredação”, completou o líder indígena.

Descarte de lixo no território

O representante da Associação dos Povos Indígenas da Terra São Marcos também revelou a longa escala de poluição causada pelo lixo que é coletado no município de Pacaraima e descartado dentro do território indígena.

O lixão existe há mais de 30 anos, mas só em dezembro do ano passado foi desativado devido à pressão de lideranças indígenas da região, que fecharam o acesso ao local diante da inércia do poder público para atender a denúncia. No mesmo período, o lixão foi alvo de protesto e abaixo-assinado por parte dos moradores da cidade.

Lixo coletado no município de Pacaraima é descartado dentro do território indígena (Reprodução/ISA)

Após anos sem ações concretas, a Prefeitura de Pacaraima se reuniu, no último dia 18 de janeiro, com o Ministério Público Federal (MPF), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a Associação dos Povos Indígenas da Terra São Marcos (APITSM) e os moradores da comunidade Ouro Preto, onde fica localizado o lixão, para anunciar a implantação da primeira célula provisória de descarte de resíduos sólidos. O novo local para descarte do lixo ainda não foi definido.

“Ficou definido que a prefeitura se responsabilizará de buscar uma nova área, uma célula de aterro sanitário. Sugeriram que o novo local de aterro do lixo vindo da cidade fosse a Terra São Marcos, mas nos negamos. Também pedimos que a prefeitura garantisse a descontaminação total da área do lixão”, destacou o coordenador-geral.

Lixão polui cabeceira de rios

A liderança denuncia, ainda, que o lixão já poluiu a cabeceira de dois rios do território, o Miang e o Surumu. A água dos rios é utilizada no consumo e plantação dos moradores da região. Marcelo Macuxi conta que o município de Pacaraima foi sobreposto ao Território São Marcos e não possui área própria e, com a expansão urbana do município, foi criado o lixão.

“O antigo lixão cresceu tanto que caiu na boca de dois rios de onde os moradores extraem água para usar nas plantações, criação de animais e consumo próprio. Queremos resgatar a pureza das nossas águas e ter uma água de qualidade”, completou a liderança.

A Terra Indígena São Marcos (Alvaro Bello/Flickr)

A Terra Indígena São Marcos, tradicional dos povos indígenas Macuxi, Wapichana e Taurepang, foi homologada em 30 de outubro de 1991 pelo governo federal. Já o município de Pacaraima só foi criado em 1995 por meio de uma lei estadual. Logo, a demarcação do território indígena é anterior ao município.

A CENARIUM tentou contato com o prefeito de Pacaraima, Juliano Torquato (Republicanos), mas não obteve resposta até o fechamento da reportagem.

Monitoramento aéreo

Um monitoramento com drone, feito por lideranças e membros do Grupo de Proteção e Vigilância Territorial Indígena do Conselho Indígena de Roraima (PCIR), em janeiro deste ano, também mostrou na região do Surumu, localizada entre a Terra Indígena São Marcos e Raposa Serra do Sol, a extensa área poluída pelo lixão do município de Pacaraima.

A denúncia é do coordenador regional do Surumu, Walter de Oliveira, que acompanhou a fiscalização e pediu providências ao Conselho Indígena de Roraima contra as invasões na região. Segundo ele, as áreas mais afetadas pelo lixão na região de Surumu são as comunidades do Limão, Pedra do Sol, Canta Galo, São Jorge, Nova Vitória, Santa Isabel, São Miguel, Barro e o Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol (CIFCRSS).

Vista aérea da Terra Indígena São Marcos (Reprodução/CIR)

“É uma situação que vem se arrastando há anos. Em 1994, quando a gente fez a primeira visita, ele era bem pequeno, um lugar que dava para ser conservado. O lixo que estava sendo depositado ali dentro. Mas com o crescimento da área urbana, também cresceu o lixo que, agora, é uma preocupação grande para nós”, completou o coordenador na denúncia ao CIR.

Leia mais: Aprovação do Marco Temporal já impacta novas demarcações de terras indígenas
Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Adriana Gonzaga
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