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Empregadores da Amazônia integram ‘lista suja’ de trabalho análogo à escravidão
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27 de outubro de 2023
Yana Lima – Da Revista Cenarium Amazônia
MANAUS – A chamada “Lista Suja” do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que expõe empregadores que submeteram pessoas a condições semelhantes à escravidão, possui 55 empregadores da Amazônia Legal. Apenas um deles no Amazonas, e nenhum em estados como o Acre e o Amapá. Mas isso não significa que o problema não exista. Os casos ocorrem, mas poucos são denunciados.
São situações como a apresentada pela REVISTA CENARIUM em uma série especial a partir das histórias de carvoeiros de Roraima. Jornadas exaustivas, alojamentos precários, falta de materiais de segurança e de instalações sanitárias e baixa remuneração. Irregularidades como estas mostram como a escravidão apenas se modernizou.
O Cadastro de Empregadores, popularmente conhecido como “lista suja”, do MTE, expõe casos que exploram trabalho em situação análoga à de escravidão. No entanto, a inclusão só ocorre após decisão administrativa final, quando não há mais recurso. Na Amazônia, os estados com mais nomes na “lista suja” são Maranhão, Pará e Mato Grosso.
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O Maranhão possui 25 empresários no cadastro. O Pará tem 17 nomes, incluindo fazendas, garimpos e a capital Belém. Mato Grosso tem 5 empregadores e Roraima possui 2 fazendeiros e um empregador da construção civil na “lista suja” do trabalho escravo.
No outro extremo desta lista estão Acre e o Amapá, sem registros na lista, e o Amazonas, com um empregador, apenas. Conforme a lista, a empresa fica em Novo Aripuanã.
Quase 500 trabalhadores resgatados em duas décadas
Dados do Painel da Secretaria de Inspeção do Trabalho (Radar SIT https://sit.trabalho.gov.br/radar/) apontam que de 2004 até 2023, 476 trabalhadores foram resgatados em condições análogas às de escravo no Amazonas. Foram 83 estabelecimentos fiscalizados, com o recebimento de R$ 2.589.787,14 em verbas rescisórias pelos trabalhadores beneficiados.
Já os dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho mostram que em 2020 foram 13 trabalhadores localizados em situação análoga à de escravizados no Amazonas. Em 2021, houve 12 resgates, enquanto em 2022 não houve registro de resgate no Estado.
Atualmente, são 63 investigações e processos judiciais em andamento no Amazonas envolvendo sem condições análogas às de escravidão, conforme informações fornecidas pelo Ministério Público do Trabalho no Amazonas.
Segundo a procuradora do Trabalho Gabriela Menezes Zacareli, vice-procuradora-chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 11ª Região (PRT11 ), o Amazonas tem número de resgates de trabalho escravo muito inferior aos demais estados da federação. O problema, segundo ela, é a subnotificação. “Sem dúvidas, o primeiro desafio identificado pelo MPT na região é buscar meios para reduzir a subnotificação do trabalho em condições análogas às de escravo”, afirma a procuradora.
Esta subnotificação segundo ela, está relacionada aos seguintes fatores:
Baixo número de denúncias, o que se deve, sobretudo, a insuficiência de políticas públicas voltadas à conscientização da população e dos agentes públicos sobre o tema;
Baixo contingente de servidores públicos da rede de combate ao trabalho escravo;
Isolamento das populações do interior do Estado, com dificuldade de acesso à internet e de deslocamento para realização de denúncias
Reduzido mercado de trabalho formal, sobretudo no interior do Estado, o que corrobora para que os trabalhadores aceitem se submeter a condições indignas de trabalho em troca de sua sobrevivência
Utilização de trabalho escravo predomina no agronegócio
Segundo dados do MPT-AM, os municípios com maior ocorrência de trabalho análogo à escravidão são Boca do Acre, Lábrea, Manicoré e Humaitá, o que corrobora com o perfil das atividades econômicas com maior incidência do trabalho escravo no Amazonas: manejo florestal e desmatamento para a criação de pasto.
“Tendo em vista que a maioria dos casos de trabalho escravo noticiados se encontra em meio rural, outro desafio da atuação no Amazonas é a realização de operações de trabalho escravo no interior do Estado, devido ao alto custo para deslocamento das equipes, com a necessidade de convocação de servidores de outros Estado do Brasil, dado o reduzido contingente local”, destaca a procuradora do Trabalho, Gabriela Menezes Zacareli.
Investigação e articulação
Para coibir o trabalho análogo ao de escravidão, o MPT informa que tem atuado em duas frentes. A primeira é investigação. Com o recebimento de denúncias, realização de forças-tarefa para verificar as condições de trabalho in loco, em conjunto com os auditores fiscais do trabalho e autoridades policiais. Constatada situação de trabalho escravo contemporâneo, ocorre o resgate do trabalhador e a cobrança de verbas trabalhistas e rescisórias, assim como indenização por danos morais, junto ao empregador.
A segunda frente é a sensibilização da população sobre o tema, além do fomento de políticas públicas e projetos sociais voltados ao combate ao trabalho escravo.
No Amazonas, o MPT atualmente conta com o Projeto Mujeres Fuertes, em parceria com o Tribunal Regional do Trabalho (TRT-11), o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) e a Associação Hermanitos, para capacitação de mulheres venezuelanas mães solo para o trabalho no Brasil.
Esse projeto visa justamente reduzir a vulnerabilidade social desse público, ao viabilizar a renda e trabalho por meios dignos, para reduzir as chances de que precisem se sujeitar ao trabalho em condições análogas aos de escravo para a sobrevivência no Brasil.
Denúncia
Casos de trabalho semelhante à escravidão podem ser denunciados no site do Ministério Público do Trabalho (www.mpt.mp.br); pelo Disque 100 e no site do Sistema Ipê de denúncias do Ministério do Trabalho (Sistema de Denúncias).
Problema histórico
Uma pesquisa publicada na Revista Brasileira de Políticas Públicas, assinada pela pós-doutora, doutora e mestre em Direito Constitucional Beatriz Souza Costa, e pela doutoranda e mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, Camilla de Freitas Pereira, aponta que a exploração abusiva do trabalho persiste ao longo dos anos na Amazônia.
“Configura-se um círculo vicioso iniciado no período colonial, quando da extração das drogas do sertão, passando pelo ciclo da borracha e perdurando até os dias atuais, sem que houvesse o fomento de políticas inclusivas em todo este tempo”, destacam.
O estudo aponta que a região sofre com a falta de políticas públicas para o desenvolvimento, deixando muitas pessoas sem condições dignas de trabalho e moradia, o que as torna um alvo do trabalho escravo, facilitado pela negligência estatal. “Grandes empresas, como pecuaristas, agricultores, madeireiras e mineradoras, têm influência na região e muitas vezes agem em benefício próprio, ignorando as leis”, aponta o estudo.
“A solução da questão, entretanto, envolve uma genuína vontade política e social, com o investimento financeiro em servidores para ações de fiscalização, resgate de trabalhadores, além de pesquisa para a criação de políticas públicas para a efetivação de planos estratégicos e eficazes. Outra medida importante é inserção de políticas sociais para fornecer saúde, educação, alimentação, moradia, além da capacitação dos trabalhadores resgatados, para que não retornem ao trabalho nessas condições”, apontam
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