Especialistas dizem que crise política no Peru pode servir como ‘narrativa’ ou estímulo contra a posse de Lula

Presidente do Peru, Pedro Castillo (Reprodução)
Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – A crise política no País sul-americano Peru ganhou contornos dramáticos após a contraofensiva do parlamento peruano que depôs o presidente Pedro Castillo e, na sequência, o judiciário ordenou sua prisão. Castillo tentou um autogolpe, mas não logrou êxito. A REVISTA CENARIUM entrevistou o sociólogo Luiz Antônio e o cientista político e presidente da Comissão de Relações Internacionais da Ordem dos Advogados do Brasil – AM Helso Ribeiro para entender em que a situação peruana pode afetar o Brasil.

Para Helso Ribeiro, as conjunturas políticas, institucionais e econômicas não se coadunam para oferecer qualquer perigo à posse do presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva do PT. “A realidade peruana é bem distinta da brasileira. Lá, tem uma casa parlamentar, no Brasil, temos duas. Temos instituições consolidadas, no Brasil, no Peru nem tanto. Temos um parque industrial imenso, no Peru é algo inexistente, ou seja, uma conjuntura que não permitiria esse tipo de aventura”, comparou.

Cientista político e presidente da Comissão de Relações Internacionais da OAB – AM, Helso Ribeiro (Reprodução)

Para o cientista político, a queda de Pedro Castillo servirá apenas para gerar mais uma “narrativa” por parte daqueles que não aceitam o resultado das urnas no Brasil. “A posse do Lula está assegurada, mas, os ‘patriotas’ acampados vão se servir disso para mais uma retórica. Será aquela velha ‘ladainha’, que a gente já conhece, de que vamos ‘virar uma Venezuela… Nicarágua… Cuba…’ mas, como eu disse, isso não passará de retórica, mais uma narrativa”, avaliou.

PUBLICIDADE

Risco

Já o sociólogo Luiz Antônio pensa e analisa de forma diferente. Para ele, há, sim, um possível enredo que leve Jair Bolsonaro a tentar mudar os rumos da história política do Brasil, em pleno 2023. “A meu ver, existe algo que indica que há um risco real de Jair Bolsonaro tentar um golpe em cima da hora, tomar uma ‘invertida’ e sair preso. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Senado, mais que Câmara, têm dado indicações claras a ele: ‘não tente, vai perder…'”, observou o sociólogo.

Sociólogo Luiz Antônio (Reprodução)

Luiz Antônio faz essas avaliações amparado no histórico pessoal do agora derrotado presidente. Para ele, Jair Bolsonaro tem uma trajetória que se choca com o bom senso e que, por vezes, chamou a atenção pela postura do homem que foi deputado federal por quase 30 anos e ainda é o presidente da República. “Considerando Jair Bolsonaro, isto não é garantia de nada. Ainda que esteja isolado e fraco, pode querer correr risco”, apostou o especialista.

Herança

Para o sociólogo Luiz Antônio, o que acontece no Peru é herança das práticas antidemocráticas que marcam a história da América Latina. “O Peru sofre pelos resultados de um regime autoritário-ditatorial que, com a redemocratização, reconduziu ao poder autoridades ligadas às ditaduras dos anos 1970 e 1980. Os partidos de inspiração nazifascista estão fortalecidos no Peru. Essas legendas deixaram e deixam marcas na estrutura política do Peru. O Fugimore era um jovem oficial nos anos 1980”, relembrou.

“A questão é que Castillo vem de uma força política de esquerda. Ele é sindicalista ligado ao campo dos professores. Mas, ele assumiu sem experiência e fez um governo sem base. Para complicar, não fez alianças e acordos que é próprio da política. Isso foi fazendo com que ele perdesse sustentação política. E a gente já aprendeu com experiências no Brasil, na Bolívia e no Uruguai a importância que os partidos de esquerda precisam dar aos partidos de centro e até da direita para garantir a tal da governança”, analisou.

EUA

Mas, tanto Helso Ribeiro quanto Luiz Antônio destacam o papel dos Estados Unidos da América (EUA) no jogo político sul-americano. E, nesse caso em especial, a figura de Donald Trump. “O presidente Trump ganhou as eleições de forma limpa e perdeu as eleições de forma limpa também. A saída dele se deu de forma desastrosa e ele tem simpatia de alguns políticos da América Latina, dentre eles, o presidente Bolsonaro…”, destacou Helso Ribeiro.

Luiz Antônio, no entanto, resgata o papel dos EUA na geopolítica da América do Sul. “Não nos esqueçamos o papel do ‘Tio Sam’ na derrubada de Salvador Allende, naquela que é considerada a mais sangrenta ditadura da América Latina, que foi a ditadura de Pinochet, no Chile”, recordou. “Eles desempenharam um papel geopolítico com a famigerada ‘Operação Condor’ articulada entre Brasil, Chile, Peru e Argentina, que criaram um ‘pool’ de torturadores na América Latina”, relembrou.

“Interessante é que os EUA, rapidamente, se manifestaram após o anúncio de Castillo de que fecharia o Congresso. Eles se posicionaram por meio da embaixada americana, pressionando e exigindo que Castillo voltasse atrás na decisão. Como é uma posição do campo da esquerda, os EUA logo se manifestaram. Não fizeram o mesmo com a barbaridade praticada contra Evo Morales, na Bolívia, e com Fernando Lugo no Paraguai”, criticou Luiz Antônio.

Impeachment

Após Pedro Castillo decretar estado de exceção, nesta quarta-feira, 7, uma sessão de emergência do Parlamento foi convocada, e o presidente destituído por “permanente incapacidade moral”.

A moção de vacância foi apresentada com o apoio de 67 votos e admitida em debate com 101 votos a favor. Seis parlamentares votaram contra, e houve 10 abstenções.

O Congresso convocou Dina Boluarte, vice-presidente de Castillo, para assumir a Presidência. Ela foi empossada às 15h de Lima (17h de Brasília).

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.