Estresse constante contribui para violência envolvendo policiais, apontam especialistas

Tristeza marcou o enterro do capitão policial militar Estefan Cruz Contreiras, morto em 2018, no Rio de Janeiro. (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS – Recentes episódios de mortes violentas entre policiais levantam a questão sobre o cenário de estresse extremo a que esses profissionais estão expostos, o que pode contribuir para novos episódios de violência. Somente nesta terça-feira, 21, dois policiais militares morreram em Manaus (AM). Especialistas apontam que casos como esses também podem ter relação com traumas e pressões emocionais, além de causarem impactos psicológicos em toda a corporação.

Em menos de 24 horas, a capital amazonense registrou duas mortes. No primeiro caso, o tenente Luiz da Silva Ramos foi encontrado morto no banheiro do quartel do Comando-Geral da Polícia Militar do Amazonas. Ele era um dos réus no processo que julga nove policiais militares acusados de matar três pessoas em outubro de 2016, na região de Grande Vitória, Zona Leste da cidade. O júri popular está marcado para janeiro de 2024.

O tenente da Polícia Militar, Luiz da Silva Ramos. (Reprodução/Facebook)

No outro caso, testemunhas presentes em uma confraternização afirmaram que o cabo Waldo Plácido Miller assassinou a esposa com três tiros na cabeça e se matou durante a festa. A CENARIUM questionou as polícias Civil e Militar do Amazonas sobre as investigações acerca dos dois casos, mas não recebeu retorno até a publicação desta matéria.

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Brenda Sales Miller e Waldo Plácido Miller; cabo da PM matou esposa e se suicidou. (Reprodução/Facebook)
Estresse constante

A psicanalista Samiza Soares analisa que a exposição constante a situações de risco, traumas e pressões emocionais pode resultar em impactos psicológicos profundos, gerando conflitos e violência.

Ao lidar com situações de violência e conflito diariamente, a acumulação desses estressores [experiências, medos e frustrações] pode levar a problemas como estresse pós-traumático, ansiedade e depressão”, explica.

Ela aponta ainda outros fatores de risco ligados ao ambiente de trabalho: “A competição interna, o ambiente de trabalho tenso e a pressão para manter um exterior resiliente podem contribuir para conflitos interpessoais e violência entre policiais”, acrescenta.

Terapeuta e psicanalista, Samiza Soares (Foto: Divulgação)
Suicídio

De acordo com a 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, foram registrados 69 suicídios de policiais militares da ativa. Já no caso dos policiais civis, 13 morreram por suicídio em todo o país no mesmo período, totalizando 82 mortes de policiais por suicídio no ano passado, uma média de quase 7 policiais por mês.

O levantamento apontou que dos 69 suicídios de policiais militares, um foi registrado no Amazonas; seis na Bahia; três no Ceará; três no Distrito Federal; três no Espírito Santo; quatro em Goiás; dois no Maranhão; dois no Mato Grosso; dois no Mato Grosso do Sul; cinco no Paraná; sete em Pernambuco; cinco no Rio de Janeiro; um no Rio Grande do Norte; cinco no Rio Grande do Sul; um em Santa Catarina; 16 em São Paulo; e três em Sergipe. Minas Gerais não disponibilizou a informação e nos outros Estados não houve suicídio de policial militar em 2022.

No caso dos policiais civis: um na Bahia; um no Ceará; um no Distrito Federal; dois no Mato Grosso do Sul; um na Paraíba; um no Rio de Janeiro; um no Rio Grande do Sul; dois em Santa Catarina; três em São Paulo.

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Adoecimento

À Agência Brasil, em maio deste ano, o presidente do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Cassio Thyone Rosa, apontou que eventos violentos entre os policiais são resultados do adoecimento dos profissionais. Ele lembrou, na época, o caso de quatro policiais civis assassinados a tiros na Delegacia Regional de Camocim, no interior do Ceará. Eles foram surpreendidos por um colega que estava de folga e chegou ao local já atirando.

Cassio Thyone Rosa é presidente do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Rosa explicou que o suicídio “é um ato extremo, no qual aquele que opta por atentar contra a sua vida está tomando uma decisão radical para interromper um sofrer, um sofrimento psicológico”. “É preciso lembrar que o policial, além do estresse que todos nós estamos sujeitos por condições particulares, ele vai enfrentar também um estresse que é relacionado ao exercício da sua função”, alertou.

Policiais militares em posição de formação. (Divulgação/Polícia Militar)
Amparo psicológico

Samiza Soares explica que oferecer amparo psicológico a policiais é crucial, e a importância do suporte reside na necessidade de proporcionar um espaço seguro para que policiais possam se expressar. Além dos tratamentos, a prevenção também é importante, pois promove resiliência emocional, comunicação saudável e estratégias de enfrentamento eficazes.

Entender as causas subjacentes da violência entre policiais envolve reconhecer a complexidade do trabalho policial e abordar fatores como falta de apoio emocional, treinamento inadequado para lidar com o estresse e a natureza hierárquica da profissão. Ao fornecer suporte psicológico, é possível criar um ambiente que encoraje a empatia, compreensão mútua e, em última instância, promova a saúde mental e o bem-estar dos policiais“, conclui ela.

Editado por: Yana Lima

Revisão: Gustavo Gilona

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