Estudo mostra como a urbanização comprometeu a proteção ambiental hídrica nas últimas três décadas no Brasil 

A ocupação em volta de rios, lagos e córregos aumentou 102% de 1985 a 2020, segundo estudo do MapBiomas (Tribuna do Paraná/Reprodução)
Iury Lima – Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) – Indústrias, casas e construções de todo o tipo. A urbanização empurrou as cidades em direção às florestas e aos cursos d’água, de Norte a Sul do Brasil, modificando a paisagem e promovendo riscos à proteção ambiental hídrica e até mesmo ao modo de vida e à saúde humana – especialmente das populações mais vulneráveis -, em quase 40 anos.  A ocupação em volta de rios, lagos e córregos aumentou 102% desde então, segundo estudo da rede MapBiomas, lançado nessa última quarta-feira, 25.

O documento mostra que apesar do avanço desde 1985, 70% dessas áreas permanecem sem grandes impactos, o que os pesquisadores atribuem à efetividade do Código Florestal, que estabelece a distância mínima de 30 metros dos chamados corpos hídricos para qualquer edificação, ao tempo que alertam para o afrouxamento da lei, devido a propostas que visam mudar como a ocupação dessas áreas acontece, como a que foi aprovada pelo Congresso Nacional, no fim de 2021, e que dá mais liberdade aos municípios para que decidam quais locais serão preservados.

“Quando a gente vê que 70% ainda não foi ocupado, é importante dizer que isso mostra que o instrumento de preservação permanente funcionou e vem cumprindo o seu papel”, disse o coordenador de equipe de infraestrutura do MapBiomas, Julio Cesar Pedrassoli, à REVISTA CENARIUM.

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“Qualquer ação desse tipo, de pensar em reduzir essas áreas ou de modificar a forma como elas são ocupadas, deveria ser pautada por critérios técnicos e por dados, como aqueles que nós estamos produzindo, pois elas têm papéis importantes em várias dimensões, tanto na proteção da fauna e da flora, como também na garantia da qualidade da água e da manutenção das nascentes”, alertou o especialista.

Ocupação ao redor de corpos hídricos de APPs dobrou de 61 mil hectares para mais de 120 mil hectares, em 35 anos (TV Gazeta/Reprodução)

Aumento preocupante

A ocupação ao redor de corpos d’água mais que dobrou nas últimas três décadas: eram 61 mil hectares, em 1985. Já em 2020, até onde vai a pesquisa, mais de 121 mil hectares no entorno de 30 metros de rios, córregos ou lagos,  já faziam parte das áreas urbanas no País.

(Arte:Thiago Alencar)

Veja como avançou a ocupação em 35 anos:

O estudo analisou, por meio da sobreposição de imagens de satélite, a ocupação em 17 municípios da Amazônia Legal e da bacia do Rio Paraná, entre eles, Manaus, Boa Vista, Campo Grande, Londrina e seis municípios do Estado de São Paulo, incluindo a capital, e apontou as 20 cidades com mais áreas próximas de rios e outros corpos hídricos ocupadas por construções ou infraestrutura. Mais da metade são capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro e Manaus, que lideram o ranking. 

A situação “meio que se repete” nessas cidades, segundo Pedrassoli, mantendo “um padrão”, garante o coordenador. “Não podemos deixar de observar que esse fenômeno também é muito impactante e importante na região amazônica, ainda mais, dependendo do aspecto que a gente olhar”, acrescentou.

Mais da metade dos municípios com mais áreas pressionadas são capitais

Estudo apontou as cidades com mais áreas urbanizadas próximas de rios e outros afluentes (Thiago Alencar/REVISTA CENARIUM)

O Brasil tem, segundo o MapBiomas, 442 mil hectares de áreas consideradas no entorno de 30 metros de corpos hídricos. Cerca de 70% disso, ou seja, 300,2 mil hectares, ainda não estavam ocupados, pelo menos, até 2020. Já os outros quase 30%, 121 mil hectares, estão sendo diretamente pressionados pela expansão das cidades. No entanto, o coordenador de infraestrutura do MapBiomas pondera que é difícil saber, com precisão, qual tipo de impacto pressionou esses locais.

“É muito difícil porque, quando a gente inclui ‘urbanização’, estamos falando de usos residenciais, industriais e outros. A única coisa que a gente pode dizer, é que há uma pressão e uma ocupação, de fato, em pelo menos 30% dessas áreas”, explicou o pesquisador.

Para Julio Cesar Pedrassoli, a autonomia dos municípios pode impactar negativamente a manutenção de áreas protegidas e a qualidade da água nas cidades brasileiras (Reprodução/Zoom)

Mudanças na lei

É a lei do Código Florestal, de 2012, que protege as áreas de preservação ambiental. O objetivo é resguardar os recursos naturais, hídricos, a biodiversidade e garantir o bem-estar da população.

O dispositivo previa que nas áreas urbanas, fosse reservada uma faixa de 30 metros ao redor de rios, córregos, lagos e represas, mas no fim do ano passado, o Congresso Nacional aprovou alterações nas regras, por meio da Lei Nº 14.285, permitindo que cada município decida como essa preservação será feita, podendo encurtar o perímetro mínimo de distância entre os afluentes e obras de edificações. 

“Os limites das Áreas de Preservação Permanente [APPs] marginais de qualquer curso d’água natural em área urbana serão determinados nos planos diretores e nas leis municipais de uso do solo, ouvidos os conselhos estaduais e municipais de meio ambiente”, estabelece o parágrafo 5º do artigo 22 da nova lei. A única ressalva é quando o afluente está rodeado por ferrovias, onde deve ser preservada uma faixa não edificável de 15 metros em cada um dos lados.

“Pode reduzir a zero, se for o caso, se for uma decisão do poder público municipal”, adverte Julio Pedrassoli. “Esse tipo de mudança pode, de alguma maneira, tirar essa proteção que se mostra muito efetiva e, aí, existem vários tipos de impactos associados possíveis”, alertou, ainda. “Isso pode afetar as populações, pois sabemos que a ocupação dessas áreas, sem critério, pode, em algum momento, estar associada a ocorrências de risco, como alagamentos e deslizamentos. É uma situação bastante complicada e por isso os dados alertam para que olhemos com atenção para o que está acontecendo” , complementou.

Caso a caso

Especialista em Direito Ambiental, o advogado Ramires Andrade, afirma que apesar de a lei ter conferido “certa autonomia aos municípios” na regulamentação do uso das áreas consolidadas dentro de APPs, nos limites urbanos dos cursos d’água, “a regra é que as faixas das áreas de preservação variam de acordo com o tamanho da propriedade e as características do volume hídrico. Em alguns casos, essa faixa pode chegar a 100 metros”, garante Andrade. E o perímetro pode ser ainda maior que isso, no caso de afluentes mais largos, como para o Rio Amazonas, em Manaus, que pode atingir 500 metros de margem reservada, segundo o MapBiomas.  

O advogado especialista em Direito Ambiental e Indígena Ramires Andrade (Acervo Pessoal/Reprodução)

Desafios à vista

Após avaliar os possíveis impactos dessas mudanças e a importância das áreas de proteção ambiental hídrica nas cidades brasileiras, a preocupação do MapBiomas, agora, é preservar as áreas que ainda resistem. 

“Não podemos deixar de lembrar que nós utilizamos a água todos os dias. As águas vêm das nascentes, vêm dos rios, então, acredito que o maior recado é que ainda temos uma grande área a ser preservada. Deveríamos refletir bastante antes de mudar para pior, antes de diminuir essa proteção, como está sendo colocado no momento, porque a história nos mostra que o impacto disso, em geral, é ruim e afeta ainda mais as populações vulneráveis, como regra”, concluiu o coordenador de equipe de infraestrutura do MapBiomas, Julio Cesar Pedrassoli.

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