Ex-deputada Flordelis vai a julgamento após três anos do assassinato do marido

Da Revista Cenarium (*)

RIO DE JANEIRO – Três anos e quase cinco meses após o assassinato a tiros do pastor Anderson do Carmo, sua mulher, a cantora, pastora evangélica e ex-deputada federal pelo PSD Flordelis dos Santos de Souza, hoje com 61 anos, será julgada a partir das 9h desta segunda-feira, 7, no Tribunal do Júri de Niterói, na Região Metropolitana do Rio. Ela foi denunciada pelo Ministério Público do Estado como a mandante do crime, mas nega a acusação. Seis pessoas já foram julgadas e condenadas no caso.

Presa preventivamente desde 13 de agosto de 2021, Flordelis está no presídio feminino Talavera Bruce, no complexo de Gericinó, em Bangu, na zona oeste, com vários quilos a menos, segundo a sua defesa. Ela foi detida dois dias após ter o mandato parlamentar cassado com os votos de 437 de 512 deputados.

Flordelis, que virou tema de documentário na Globoplay, vai responder por homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, emprego de meio cruel e uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima), tentativa de homicídio, uso de documento falso e associação criminosa armada. Outras dez pessoas foram denunciadas por envolvimento na morte de Anderson do Carmo, ocorrida em 16 de junho de 2019. Seis são acusadas de homicídio – dessas, três já foram julgadas, das quais duas foram condenadas. Quatro outros respondem por crimes conexos.

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Nesta segunda-feira, além de Flordelis, serão julgadas na mesma sessão mais quatro pessoas. São elas: Marzy Teixeira da Silva, filha adotiva de Flordelis, acusada de homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio e associação criminosa armada; Simone dos Santos Rodrigues, filha biológica de Flordelis, acusada pelos mesmos crimes de Marzy; Rayane dos Santos Oliveira, filha de Simone e neta de Flordelis, acusada de homicídio triplamente qualificado e associação criminosa armada; e André Luiz de Oliveira, filho adotivo de Flordelis, acusado de uso de documento falso e associação criminosa armada.

Flordelis no plenário da Câmara: pastora acabou cassada.
Flordelis no plenário da Câmara: pastora acabou cassada.  Foto: Dida Sampaio/Estadão

O julgamento será comandado pela juíza Nearis dos Santos Carvalho Arce, da 3ª Vara Criminal de Niterói, e deve se estender até a próxima quarta ou quinta-feira, segundo estimam os advogados que atuam no processo.

O júri estava previsto para começar em 12 de dezembro, mas foi antecipado a pedido do assistente de acusação, porque nos dias 13 e 14 serão disputadas as duas semifinais da Copa do Mundo de futebol, no Catar. Se a Seleção brasileira jogar uma dessas partidas, a rotina do País será alterada, o que poderia interferir no julgamento, devido à decretação de ponto facultativo.

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Advogado aponta provas ‘fracas’ contra Flodelis

Um dos advogados de Flordelis, Rodrigo Faucz, que defende também os outros quatro réus levados a júri a partir desta segunda-feira, afirma que está “tranquilo” quanto ao julgamento. “Até aqui as provas contra os nossos clientes são muito fracas, são circunstanciais, então nossa expectativa é que o júri reconheça que eles devem ser absolvidos”, afirmou ao Estadão.

Em entrevista coletiva no sábado, 5, em Niterói, a defesa de Flordelis reafirmou a expectativa de que seus clientes sejam absolvidos – a banca também defende dois filhos afetivos e a neta da ex-deputada.

“Temos confiança de que a justiça será feita, ou seja, que o devido processo legal e as regras processuais sejam respeitadas. Temos criticado algumas dessas situações – o próprio processo, como vem sendo levado – e denunciado que diversas normativas vêm sendo violadas”, disse Faucz, que faz a defesa juntamente com a advogada Janira Rocha. “Isso tem sido um padrão no processo. É um padrão em casos midiáticos, e nesse, em especial, as determinações legais e legislativas têm sido violadas.”

Para Janira, a “forma como o Judiciário vem se comportando vai virar objeto de estudo nas escolas de Direito pela ausência de garantias fundamentais”. As pessoas envolvidas, segundo a defensora, “foram levadas ao ridículo, satanizadas”.

“Temos de avaliar o comportamento do Judiciário sobre determinados casos. Quem é Flordelis? Negra, da favela, desenvolvia um trabalho de referência da pobreza. Ascendeu socialmente, mas continuou sendo uma negra periférica que ousou ascender”, afirmou. “O Judiciário, muitas vezes, trata de forma didática as pessoas: até onde podem ir, onde não podem. Ela fazia parte de um grupo político em ascensão, ganhando influência em currais eleitorais onde certos nomes não se elegeram. Há setores políticos que aproveitaram para enterrar a mulher.”

A defesa ressaltou que um enorme volume de material foi apreendido, incluindo 150 celulares, computadores e armas na investigação. Porém, efetivamente relacionado a Flordelis, segundo os advogados, há apenas uma mensagem, e a defesa promete provar que não foi escrita por ela.

“O lastro probatório é o conluio dos filhos, mas a defesa vai mostrar os interesses econômicos e religiosos dos filhos que fizeram as acusações”, disse Janira Rocha.

“Eles são reféns do espetáculo, e esse é um debate inicial que precisamos estabelecer no Tribunal do Júri”, afirmou ainda a defensora, argumentando que, devido à exposição midiática nos últimos anos, seus clientes “já chegam condenados” ao tribunal. “Essas pessoas vêm sendo desconstruídas há três anos no tribunal da internet. O ‘produto’ Flordelis vem dando lucro para as iniciativas midiáticas. A questão é se vamos conseguir fazer com que essa realidade, construída até então, possa ficar da porta para fora.”

Acusação de abuso sexual

Filha biológica de Flordelis, Simone, que também vai a julgamento nesta segunda, confessou ser mandante do crime, que teria sido executado por outro filho de Flordelis, Flávio dos Santos, que já foi julgado. A motivação seriam os supostos abusos sexuais cometidos pelo pastor, seu padrasto, que, depois de vitimá-la por anos, passou a assediar também a sua filha, Rayane.

Indagados sobre o fato de que as filhas de Flordelis deram depoimentos contraditórios a respeito do abuso praticado pelo pastor, os advogados enfatizaram a violência institucional e falta de protocolos no trato com vítimas de crimes do gênero.

“As meninas da casa foram levadas para prestar depoimentos e inquiridas por homens que as tocavam, falavam de seus cabelos e de como eram bonitas”, diz. “As meninas se contradisseram porque o sistema falhou no atendimento a mulheres abusadas. O protocolo diz que tem de haver profissionais qualificados e ambiente de proteção”, afirmou a advogada, completando que isso não aconteceu. “O Flávio disse que matou por conta do abuso do pastor. Todos dizem que é mentira e que o motivo do crime é poder e dinheiro. As instituições não seguiram os protocolos e leis para questão. Muitos erros que um Estado punitivista cometeu contra Flordelis e a classe social a que pertencem.”

Procurada para comentar as acusações da defesa, a Polícia Civil disse que realizou a investigação, cumprindo sua atribuição constitucional. “Com base nas investigações, o Ministério Público propôs ação penal, imputando crimes aos acusados. No momento, o processo tramita perante o juízo competente, no qual são assegurados aos acusados os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa”, afirmou. Já o Tribunal de Justiça do Rio informou que não se manifesta sobre processos em andamento.

(*) Com informações do Estadão
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