França na OTCA ameaça soberania de países amazônicos sobre a região, apontam analistas

O presidente francês, Emmanuel Macron. (Arte: Mateus Moura)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS – O desejo da França aderir à Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), expressado pelo presidente francês Emmanuel Macron na segunda-feira, 28, tem repercutido entre ambientalistas e especialistas em Relações Internacionais, que apontam interesses políticos por parte do chefe do governo francês e uma ameaça à soberania dos países amazônicos sobre a região.

Macron pediu aos oito países que integram a Amazônia (Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Guiana, Equador e Suriname) que “aceitem” a França na organização. Como justificativa, ele argumenta que o país europeu faz parte da região por meio da Guiana Francesa, que abriga 1,1% da floresta amazônica. O tratado não permite a incorporação de novos membros, mas é possível que outros governos participem de cúpulas.

Tratado não permite adesões. (Reprodução)
Na Cúpula da Amazônia, da esquerda para a direita: o chanceler do Equador, Gustavo Manrique, o primeiro-ministro da Guiana, Mark Phillips, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da Bolívia, Luis Arce, a presidente do Peru, Dina Boluarte, a vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodriguez, e o ministro das Relações Exteriores do Suriname, Albert Ramdin. (Ricardo Stuckert/PR)

Para o coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília, José Romero Pereira Júnior, Macron tenta fazer uso de um discurso político que atinge hoje, na Europa, uma parcela da população que defende a sustentabilidade, e que é bastante considerável.

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Fazendo uma espécie de populismo ambiental, forçando a mão da França a entrar no tratado, algo que é muito compatível com os interesses políticos dele [de Emmanuel Macron], ele reflete expectativas locais na França“, explica, pontuando, ainda, que a intenção de Macron se “choca” com interesses brasileiros e de outros países em preservar algum grau de elevando de autonomia sobre a região amazônica.

De certa maneira vai de encontro, se choca mesmo, até com a inspiração original do trabalho, que envolveu e envolve até hoje países em desenvolvimento na região amazônica, que estão preocupados com o desenvolvimento sustentável da região, com as possibilidades de melhoria de vida e o aproveitamento, de forma sustentável, dos recursos amazônicos. Eles têm também uma preocupação com a ingerência externa e a sua própria soberania sobre as áreas da região“, enfatiza.

Coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília, José Romero Pereira Júnior. (Arquivo pessoal)
Colonizador x colonizado

A Guiana Francesa é um território subordinado à França; por isso, integra a União Europeia, mesmo localizado na América do Sul. A socioambientalista Muriel Saragoussi explica um dos motivos pelos quais o OTCA não admitiu a adesão da Guiana Francesa anteriormente: é porque o País, apesar de estar ao lado de outros países soberanos, ainda “pertence” a um território europeu.

O tratado não admitiu, desde o princípio, essa adesão justamente porque tinha essa questão como pano de fundo. É importante que a França continue como ela é hoje, como um observador do tratado, como um convidado a participar das reuniões. Mas seria muito mais importante que a França resolvesse essa dicotomia de ser um País que tem colônia em pleno século 21“, defende ela.

A socioambientalista Muriel Saragoussi. (Júlio Pedrosa)

Saragoussi pontua, ainda, que a participação do país europeu na OTCA seria interpretada como uma validação do papel de colonizador da França sobre a Guiana, além do risco da tentativa de influência do governo sobre a América Latina.

A questão se a França tem ou não direito sobre essa participação esbarra nessa questão de nós, como países soberanos, em busca de consolidação das democracias da América do Sul, não podemos avalizar uma colonização. Então acho que não é uma questão de direito, o ideia seria que a Guiana Francesa tivesse uma total autonomia da dita metrópole, e eventualmente, inclusive, se tornasse um país“, afirma a socioambientalista.

A França é um País que financia uma série de atividades, por exemplo, na África. Na América Latina, a França tem muito menos influência e eu acho que ser parte do tratado talvez seja uma forma de ganhar influência em outro continente“, explica, ainda.

Acordo de cooperação

Apesar dos riscos apresentados, Muriel Saragoussi salienta que uma cooperação entre a França, por meio da Guiana Francesa, e os países da OTCA poderia ser um propulsor para um desenvolvimento tecnológico e sustentável na região amazônica.

É importante que a gente tenha decisões que incluam a OTCA junto à França, porque é importante a manutenção da floresta, o desenvolvimento da bioeconomia, o uso de alta tecnologia, como lançamento de foguetes, para toda a região. Então, acho que esses são elementos interessantes de serem discutidos e debatido, inclusive, com a própria França“, finaliza.

O presidente Lula, durante encontro com o presidente da França, Emmanuel Macron. (Ricardo Stuckert/PR)
Interesses

Na segunda-feira, em um discurso de política externa aos embaixadores franceses reunidos em Paris para a sua conferência anual, Macron expressou o interesse em aderir à OTCA. “Declaro solenemente que a França é candidata a participar da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica e a desempenhar um papel pleno nela, com uma representação associando estreitamente a Guiana Francesa“, disse.

O pedido foi formalizado três semanas após a Cúpula da Amazônia, realizada em Belém, no início deste mês, onde o presidente francês não compareceu mesmo tendo sido convidado pelo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

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