Indígenas temem prejuízo ambiental com criação da Ferrogrão no Pará

Indígenas se mobilizam contra a Ferrogrão (Reprodução/Viviane Borari e Kamila Sampaio)
Raisa Araújo – Da Revista Cenarium

BELÉM (PA) – Povos indígenas das etnias Munduruku, Kayapó, Panará, Apiaká e do Baixo Tapajós se reuniram nesta segunda-feira, 4, em protesto contra a construção da ferrovia Ferrogrão, uma via do agronegócio que pode devastar 50 mil km² da floresta amazônica localizada às margens do Rio Tapajós.

O protesto aconteceu em frente ao Terminal Fluvial da empresa Cargill, em Santarém, no Pará, reconhecida como uma das principais causadoras de danos ao Rio Tapajós e considerada uma das principais beneficiárias do projeto da ferrovia.

Indígena segura cartaz durante manifestação (Reprodução/Viviane Borari e Kamila Sampaio)

Após o ato, os manifestantes dirigiram-se à Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) para promover a plenária “Tribunal Popular: Ferrogrão no banco dos réus”, sobre o julgamento simbólico da Ferrogrão, reforçando a urgência do debate sobre os impactos socioambientais do empreendimento.

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O Tribunal Popular é organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e Comissão Pastoral da Terra (CPT).

A líder indígena e ativista socioambiental, Alessandra Korap Munduruku, comenta que o projeto da Ferrogrão tramita desde o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), em 2016, e foi estimulado pelos interesses do agronegócio, principalmente de grandes empresas exportadoras de soja e milho, no Brasil, excluindo a preocupação com os impactos ambientais e negando a existência de povos indígenas vivendo na região.

A gente já fez várias manifestações contra a ferrovia, principalmente pedindo consulta popular, porque toda vez que tem audiência, nós não somos consultados. E agora a gente decidiu fazer essa audiência popular. A Audiência Tribunal Popular, em que o banco dos réus é a Ferrogrão“, disse.

A líder indígena ressalta, ainda, que a Ferrogrão impactará não apenas a vida dos povos indígenas, mas também dos não indígenas. “A ferrovia representa uma ‘porta aberta’ para outras infraestruturas, como mineração, hidrelétrica, hidrovias, concessão florestal, entre outras, então a gente fica muito preocupado com essa ‘porta aberta’ que aumentará ainda mais o desmatamento”, continua.

A gente já sofre com a seca, a gente já sofre com o desmatamento e sabe que quem sempre é prejudicado são os povos tradicionais. Não são as empresas, não é o governo, não são outros países. Somos nós”, completou Alessandra Munduruku.

A organização não governamental Terra de Direito lançou, em abril de 2023, a segunda parte do estudo “Sem Licença Para Destruição – Cargill e as violações de direitos no Tapajós”, com foco nas irregularidades ambientais, impactos e violação de direitos promovidos aos povos tradicionais do município de Itaituba, no Oeste do Pará.

Mulheres indígenas em mobilização contra a Ferrogrão (Reprodução/Viviane Borari e Kamila Sampaio)

O levantamento identifica uma série de impactos socioambientais e irregularidades cometidas pela Cargill, uma das empresas multinacionais que operam o terminal, no processo de licenciamento ambiental e conclui que a empresa não realizou a consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas Munduruku e nem os estudos de impacto ambiental que preveem os danos provocados aos indígenas que vivem na área de influência da empresa em Itaituba.

O direito à Consulta Prévia, Livre e Informada está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e estabelece que povos e comunidades tradicionais devem ser consultados quando um empreendimento ou lei afete seu território ou modo de vida.

Em manifestação de 11 de setembro de 2023, na Ação Civil Pública que pede a anulação das licenças ambientais da empresa Atem Distribuidora de Petróleo S.A, em Santarém, o Estado do Pará – réu na ação – apresentou argumentos que afirmam que o Porto de armazenamento e transporte de combustíveis da Atem é de baixo impacto ambiental e, por isso, não precisa realizar Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), conforme exige a Lei 6938/81 que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente. Além disso, o documento apresentado pelo governo estadual também declara a inexistência de terras indígenas na área de influência do empreendimento.

Projeto da ferrovia Ferrogão

O projeto visa consolidar o novo corredor ferroviário de exportação do Brasil pelo Arco Norte. A ferrovia conectará a região produtora de grãos do Centro-Oeste ao estado do Pará, desembocando no Porto de Miritituba. Quando finalizada, a Ferrogrão terá alta capacidade de transporte e competitividade no escoamento da produção pelo Arco Norte. O corredor a ser consolidado pela EF-170 e a rodovia BR-163 fortalecerá uma nova rota para a exportação da soja e do milho no Brasil.

Presente em 70 países e no Brasil desde 1965, a Cargill – empresa multinacional norte-americana de capital privado – é uma das líderes mundiais em exportação de commodities agrícolas no país e em Itaituba (PA) opera um porto desde 2013 sem cumprir as obrigações estabelecidas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) para concessão do licenciamento ambiental para a multinacional manter as atividades em funcionamento.

Leia mais: Garimpo em Unidade de Conservação enfraquece agenda ambiental de Helder Barbalho
Editado por Jefferson Ramos
Revisado por Gustavo Gilona
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