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‘Inércia da polícia’: MPF vai apurar assassinatos de líderes rurais em Rondônia
Da esquerda para a direita, as vítimas Gilson Gonçalves, Dinhana Nink, Élcio Machado, Edilene Mateus, Isaque Dias, e Renato Nathan Gonçalves (Thiago Alencar/REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA)
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01 de setembro de 2023
Iury Lima – Da Revista Cenarium Amazônia
VILHENA (RO) – Assassinatos de líderes rurais, até então investigados pela Polícia Civil de Rondônia (PC-RO), agora serão acompanhados pelo Ministério Público Federal (MPF). A decisão é do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e acontece quase quatro anos depois de um pedido feito pela Procuradoria-Geral da República (PGR), protocolado em setembro de 2019.
Na avaliação do MPF, que defendeu a federalização das investigações locais, além de “morosas”, elas foram “inconclusivas e insuficientes” para punir os responsáveis, “seja pela corrupção de agentes públicos ou pelo sucateamento dos instrumentos de segurança pública e investigação do Estado”. Na mesma linha, o STJ apontou “evidenciada inércia” da Polícia Civil e entendeu como justificável a transferência dos casos para a Justiça Federal.
Além da incapacidade dos órgãos locais, o Tribunal destacou uma grave violação de direitos humanos e a possibilidade de o Brasil ser responsabilizado por não cumprir obrigações firmadas em tratados internacionais.
O Ministério Público Federal deve jogar luz sobre as mortes de Renato Nathan Gonçalves, Gilson Gonçalves, Élcio Machado, Dinhana Nink, Gilberto Tiago Brandão, Isaque Dias Ferreira, Edilene Mateus Porto e Daniel Roberto Stivanin.
Parte das vítimas atuava na liderança de movimentos em prol de trabalhadores rurais, como a Liga dos Camponeses Pobres (LCP), e denunciavam grilagem de terras e extração ilegal de madeira em Rondônia. Dois desses assassinatos ocorreram há 14 anos e, até hoje, não se sabe quem foi o mandante.
Ainda segundo o MPF, a “incapacidade da esfera estadual em oferecer resposta eficaz aos crimes” é agravada pelo cenário de conflitos agrários no Estado, que ficou no topo do ranking da luta por terras entre os anos de 2015 e 2016. Hoje, Rondônia perde apenas para o Pará, com 40 assassinatos motivados pela disputa por território, água e trabalho, desde 1985, de acordo com o Caderno de Conflitos no Campo 2022, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), lançado em abril deste ano.
O órgão também chama a atenção para a existência e o desenvolvimento de organizações criminosas “que atuam em benefício de grupos mais fortes [agentes políticos], visando manter o controle sobre as terras” em Rondônia.
Veja, abaixo, quem são as vítimas que terão os inquéritos apurados pelo Ministério Público Federal:
Renato Nathan Gonçalves
Apoiador da LCP, Renato Nathan Gonçalves, também conhecido como “Professor Renato”, foi assassinado 11 anos atrás, em abril de 2012, com três tiros à queima-roupa, além de ter sido vítima de tortura. O crime ocorreu no distrito de Jacinópolis, nos limites do município de Nova Mamoré, no interior de Rondônia.
Ele era contra a criminalização do movimento dos Camponeses Pobres. Informações do processo indicam a suspeita de envolvimento de policiais civis na morte do professor e ativista, mas com o inquérito ainda não concluído, nunca houve uma resposta sobre o caso.
Élcio Machado e Gilson Gonçalves
Assassinados no mesmo dia, em 8 de dezembro de 2009, os dois eram coordenadores da Liga dos Camponeses Pobres, em Rondônia. Eles foram mortos com tiros na nuca, mas a perícia também encontrou marcas de tortura, como orelhas cortadas, além de dentes e unhas arrancadas.
Élcio e Gilson eram agricultores e participavam, na época, do Acampamento Rio Alto, na região de Buritis, a mais de 300 quilômetros de Porto Velho. De acordo com as informações da LCP repassadas ao jornal Resistência Camponesa, um latifundiário identificado como Dilson Caldato foi o mandante do crime.
“Eles sequestraram os companheiros quando passavam de moto pela estrada que liga o acampamento à cidade de Buritis”, afirma a publicação de 14 de dezembro de 2009. A última movimentação do inquérito, que ainda tramita na comarca de Buritis, foi feita em 2013.
Dinhana Nink
A extrativista amazonense Dinhana Nink tinha 28 anos quando foi assassinada. Ela foi morta com um tiro de espingarda no peito, na frente do filho de cinco anos, dentro de casa, quando se preparava para dormir.
O crime ocorreu em março de 2012, no distrito de Nova Califórnia, em Porto Velho. Um ano antes, Dinhana havia deixado o município de Lábrea, no Amazonas, depois que um incêndio criminoso destruiu a antiga casa dela. Segundo a CPT, a vítima estava listada entre as pessoas ameaçadas de morte na Amazônia por causa de conflitos agrários. A Pastoral também informou que dois homens seguiam Dinhana Nink de casa ao trabalho e vice-versa, diariamente.
Gilberto Tiago Brandão
Gilberto era ligado às lideranças do Acampamento Canaã, localizado na cidade de Machadinho D’Oeste, no interior do Estado. Em 2012, o trabalhador rural foi alvo de disparos de arma de fogo efetuados por um homem que passou atirando contra ele em uma motocicleta. A vítima morreu dias depois do atentado.
Até pelo menos maio de 2020, o autor do crime não havia sido identificado, de acordo com a Delegacia de Polícia do município, localizado a 297 quilômetros da capital.
Edilene Mateus Porto e Isaque Dias Ferreira
Edilene Mateus e Isaque Dias eram casados. Líderes da LCP, os dois denunciavam casos de grilagem de terras da União e lutavam pelos direitos dos moradores do Acampamento 10 de Maio. Eles foram assassinados na região de Alto Paraíso, no interior do Estado, em 13 de setembro de 2016, com tiros de escopeta.
O relatório do processo indica a suspeita de envolvimento de uma milícia armada, instalada na região, no crime. Os autores nunca foram identificados. Um ano antes das mortes, Edilene havia registrado um boletim de ocorrência alegando que policiais do município de Buritis faziam a segurança privada de proprietários de terras na região do Vale do Jamari.
Daniel Roberto Stivanin
Proprietário de lotes rurais na cidade de Vilhena, a 706 quilômetros de Porto Velho, o fazendeiro Daniel Stivanin foi assassinado em março de 2012, por dois homens que estavam em uma motocicleta – basicamente a mesma estratégia utilizada em quase todos os casos agora apurados pelo MPF. O crime aconteceu na cidade de Ariquemes, onde Daniel morava.
Stivanin havia feito acordos com trabalhadores sem-terras e com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), na região de Vilhena, sobre parte das propriedades dele. A suspeita é de que a morte dele foi encomendada por outro fazendeiro da região. Segundo o Ministério Público de Rondônia (MP-RO), um dos suspeitos já foi identificado, mas o paradeiro dele é desconhecido.
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