‘Não se pacifica injustiça com força armada’, diz Comissão Pastoral da Terra sobre mortes de camponeses em Rondônia 

Acredita-se que tenha sido uma revanche contra o movimento, visto que um dia antes, policiais militares e fiscais do governo estadual foram alvos de disparos atribuídos pela PM a membros da LCP (Isabelle Chaves/Cenarium)

Iury Lima – Da Revista Cenarium 

VILHENA (RO) – O assassinato de Ilma Rodrigues dos Santos, de 45 anos, e do esposo dela, Edson Lima Rodrigues, de 43 anos, causou indignação à Comissão Pastoral da Terra (CPT), em Rondônia. Os dois foram mortos com tiros na cabeça, na última quinta-feira, 17, em uma região do Distrito de Abunã, a 216 quilômetros de Porto Velho. Ilma e Edson eram integrantes da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) e viviam, entre outras famílias, no Acampamento Thiago dos Santos, instalado na Fazenda Nova Brasil, local onde os conflitos agrários são recorrentes. 

Os corpos foram encontrados ao lado do veículo utilizado pelo casal, uma caminhonete que foi incendiada após o crime. Acredita-se que tenha sido uma revanche contra o movimento que luta pela ocupação de terras, visto que um dia antes, policiais militares e fiscais do governo estadual foram alvos de disparos atribuídos a membros da LCP, pela PM, no Parque Estadual de Guajará-Mirim (PES), distante 586 quilômetros da capital rondoniense. 

PUBLICIDADE

“A luta pela terra não deve ser um caso de polícia. É um grito por justiça social. É o clamor do povo do campo ao Estado (…) Não se pacifica uma injustiça com força armada, ao contrário, esse método em curso corrobora com o aumento de mais injustiça. Temos a esperança de que em um futuro próximo, tenhamos governantes que assumam essa política com seriedade e honradez”, declarou à reportagem da REVISTA CENARIUM a coordenadora da CPT, em Rondônia, Maria Petronila.

O carro de Ilma Rodrigues e Edson Lima incendiado em Abunã, distrito de Porto Velho (Reprodução/Redes Sociais)

Conflito no PES de Guajará-Mirim 

Reduzido por uma lei de autoria do governador de Rondônia, Marcos Rocha (PSL), o Parque Estadual de Guajará-Mirim foi cenário de conflito entre invasores de terras, policiais militares e fiscais da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Ambiental (Sedam-RO), em 16 de fevereiro, um dia antes do assassinato de Ilma e Edson. 

Segundo a Polícia Militar, naquele episódio, três tiros acertaram uma viatura do Batalhão Ambiental, mas não foi possível encontrar pistas dos criminosos. Ainda assim, os atiradores foram tratados como integrantes da LCP. 

Questionada pela CENARIUM, a PM de Rondônia não deu esclarecimentos e também não informou como foi possível atribuir a invasão e os disparos de arma de fogo aos camponeses. 

Já a Comissão Pastoral da Terra não acredita que integrantes do movimento tenham orquestrado o ataque. “O que sustentamos é que há um grupo determinado a acabar com as áreas protegidas, principalmente, Reservas Extrativistas e Terras Indígenas; a extinguir as áreas de conservação em detrimento do avanço do latifúndio e da exploração predatória ligada ao capital agropecuário. E nesse grupo há indivíduos de toda índole: os que fazem o trabalho sujo, os que desmatam, roubam madeiras, etc. Ressaltamos que nunca fomos contra a investigação e aplicação das devidas punições. Além disso, todo esse processo é favorecido por alguns membros do poder legislativo que garantem mudanças nas leis, resultando, dessa maneira, em aumento do crime ambiental”, afirmou a coordenadora da CPT/RO. 

A coordenadora da CPT, em Rondônia, afirma que a entidade “sempre respeitou a autonomia dos movimentos sociais de luta por terras” (Maria Petronila/Arquivo Pessoal)


A fiscalização na região do PES era feita por oito PMs e dois agentes da Sedam. A área tinha mais de 216 mil hectares, até maio do ano passado, quando Rocha sancionou a Lei nº 1.089/2021, delimitando a área que vai dos municípios de Guajará-Mirim a Nova Mamoré, a apenas 166 mil hectares; um aval para grileiros e desmatadores. Apesar de a Justiça ter declarado a inconstitucionalidade do dispositivo, o território ainda não foi recomposto.

A redução também afetou a Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná, localizada entre Porto Velho, Nova Mamoré e Buritis, com perda de 88% do território. Juntas, as duas Unidades de Conservação (UCs) da Amazônia perderam quase 220 mil hectares de floresta.

As duas unidades ficaram com apenas 166 mil hectares e 22 mil hectares, respectivamente, após a redução (Arte: Catarine Hak/Cenarium)

Leia também: Desmatamento aumenta mais de 2700% em Unidades de Conservação alteradas por lei estadual em Rondônia

‘Vilanização’

Para Petronila, as autoridades de Rondônia não priorizam a preservação ambiental e tentam ‘vilanizar’ movimentos sociais ao invés de responsabilizar os verdadeiros culpados pelos crimes praticados e alimentados pelo afrouxamento da legislação, ou seja, “um processo de criminalização e de perseguição à luta pela terra, em Rondônia”, segundo ela. “Há uma nítida concepção voltada a criminalizar o movimento da Liga dos Camponeses Pobres. O Estado tem estabelecido medidas em que primeiro se pune e depois pergunta-se qual foi o crime”, criticou.

“Há um conflito e uma disputa desigual, em que poucos possuem grande concentração de terras e, em contrapartida, uma grande maioria de trabalhadores e trabalhadoras não possuem acesso à terra, impossibilitando-os de sobreviverem de forma digna. Portanto, esse conflito precisa ser tratado a partir de uma política social de acesso, em que todos possam ter os mesmos direitos com reais condições”, completou.

Polícia Civil investiga

O novo episódio de violência contra os integrantes da LCP agora é caso de apuração da Polícia Civil de Rondônia (PC/RO). A REVISTA CENARIUM também questionou a entidade sobre a possibilidade de uma revanche contra os camponeses, pediu informações sobre o inquérito e perguntou se já existem suspeitos de terem praticado o duplo homicídio, mas não houve retorno até o fechamento da reportagem. 

Este não é um caso isolado. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, 13 trabalhadores do campo foram assassinados em 2021, no Estado de Rondônia. “Sete deles, com disparo efetuado pela própria polícia. É preciso que haja investigação com seriedade e imparcialidade, respeitando-se os preceitos universais dos direitos humanos. Infelizmente, observamos um cenário de violência generalizada amparada pela certeza da impunidade”, revelou Maria Petronila.

Repercussão

Movimentos sociais se posicionaram em repúdio ao duplo homicídio, como foi o caso da União da Juventude Comunista em Rondônia (UJC/RO). “A LCP tem sido atacada por ter um caráter combativo diante dos interesses dessa elite local e, desde o massacre de Corumbiara vem sendo criminalizada, e seus camponeses ameaçados, assassinados ou presos, em um projeto das autoridades policiais e governamentais, capangas de latifundiários, que visam uma verdadeira caça às bruxas”, diz um trecho da nota publicada em rede social. 

“Repudiamos essa perseguição e nos solidarizamos com a causa, pois, entendemos que não é crime lutar pelo acesso à terra para quem nela vive e trabalha! Basta de IMPUNIDADE!”, acrescentou a UJC/RO.

UJC/RO repudia o duplo homicídio de Ilma Rodrigues e do esposo, Edson Lima Rodrigues, integrantes da LCP, em Rondônia (Reprodução/Instagram)

Também comovida pelo crime, Petronila explica que a CPT “sempre respeitou a autonomia dos movimentos sociais de luta por terras”.

“E, por sermos uma pastoral que luta pelos direitos humanos dos pobres do campo, onde houver uma vida ameaçada, a CPT sempre estará do lado dos trabalhadores e trabalhadoras injustiçados por esse sistema de economia cruel pautado em alicerces dessa necropolítica vigente em nosso País”, disse a coordenadora.

“Temos que continuar erguendo nossa voz, fazendo ecoar a voz dos oprimidos. Este cenário de assassinatos no campo, em luta pela terra, é cada vez mais gritante”, finalizou.

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.