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Juíza que ofereceu café e casaco a suspeito ‘respeitou dignidade humana’, analisam juristas
Juíza Lana Leitão Martins (à esquerda) e o réu; a magistrada ofereceu café e casaco (Reprodução/Internet)
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16 de janeiro de 2024
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium Amazônia
MANAUS (AM) – O tratamento digno a pessoas privadas de liberdade tem base na Constituição Federal de 1988, além de tratados internacionais, que dão diretrizes ao cumprimento de pena e à ressocialização do indivíduo penalizado pelo Estado. A REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA ouviu especialistas em Direitos Humanos que afirmam, categoricamente, que, apesar de estarem presos, esses indivíduos perderam a liberdade, mas mantêm todos os outros direitos.
A discussão entre ideologias extremistas de “direitos humanos para pessoas direitas” versus a defesa do respeito à dignidade humana voltou ao foco após o vídeo em que juíza Lana Leitão Martins, do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), oferece café e casaco a um réu durante uma audiência de custódia, repercutir nas redes sociais. A Ordem dos Advogados do Brasil em Roraima (OAB-RR) atribuiu uma Menção Elogiosa à magistrada “em reconhecimento à sua atuação ética e humanizada“.
Sobre as críticas ao tratamento humanizado da juíza, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Amazonas (OAB-AM), Caupolican Padilha Junior, reforça a homenagem da OAB de Roraima, afirmando que a atitude da magistrada Lana Leitão Martins deve ser louvada e aplaudida.
“O que é fundamental é que esses textos partem de um princípio que é um princípio filosófico, são textos declaratórios, o que significa dizer o seguinte: eles não dizem que esses direitos estão sendo criados, dizem que esses direitos existem e estão sendo reconhecidos. Esses textos são baseados na ideia de dignidade, ou seja, é a leitura de que todo ser humano, independente da sua condição, tem direito a dignidade humana, ao respeito à sua condição de ser humano, de ser tratado com respeito“, explica.
A advogada e presidente do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, Natividade Maia, corrobora a análise de Padilha, destacando que na situação específica do vídeo, Luan Gomes nem poderia ser tratado como culpado — baseado no Artigo 5º, Inciso 57 da Constituição Federal — e mesmo que fosse condenado, ainda assim, tem direito ao tratamento com dignidade.
“Ainda que o flagrante tenha sido corretamente [feito], também o juiz verifica se houve tortura na confissão, se houve abuso de autoridade; ele faz essa análise ali, que também faz parte do flagrante. E temos uma pessoa presumidamente inocente. E ainda que a pessoa confesse, o nosso Estado não permite tortura, pena de prisão perpétua, humilhação. O réu vai aos autos para ser julgado, não para ser humilhado”, destaca.
Pré-julgamento
Caupolican Padilha Junior comenta ainda que a violência, ou até mesmo tortura e humilhação, não são as soluções para problemas de segurança pública. “A pessoa que comete um crime, que comete um delito, ela pode perder o seu direito de conviver em sociedade, que é a privação da liberdade. Ela não perde o seu direito à dignidade. A dignidade humana permanece e não é com violência que nós vamos resolver o problema da violência, da segurança pública“, pontua.
Já Natividade Maia reforça que a internet abriu espaço para pré-julgamentos rápidos e duros, que incentivam, muitas vezes, a violência.
“Ninguém sabe o que aconteceu e já faz um pré-julgamento. Tem pessoas que são presas e depois são absolvidas por legítima defesa, estado de necessidade ou até são condenadas, mas a pena é um ano, é dois anos, três anos, ou prestação de serviço a comunidade. Não é tortura, não é humilhação. As pessoas estão muito violentas, muito agressivas na internet, perderam um pouco do filtro de fazer uma análise crítica e parece que se afastam um pouco, ou muito, da lei“, concluiu.
Homenagem
O vídeo da audiência de custódia viralizou nas redes na semana passada. “O senhor está com frio? Tem que tirar as algemas dele. Audiência não pode ocorrer com o réu algemado“, diz a juíza Lana Leitão, no início da gravação. “O senhor está com frio? Desliga o ar-condicionado, por favor [diz a alguém presente na sala]. Pega um café para o senhor Luan, porque eu não vou fazer audiência com ele tremendo“.
Em seguida, a magistrada continua incomodada com o frio sentido pelo réu. Ela, então, procura por alguma roupa que ele possa vestir para se esquentar. “Eu vou pegar uma coisa ali para o senhor se esquentar… não tem nenhuma roupa ali, como um casaco, alguma coisa assim para o senhor Luan se esquentar, não?“, diz, voltada a um dos profissionais presentes na sala. Um homem se dispõe a emprestar o paletó. “O senhor vai dar seu terno?“
Com a repercussão, um ofício foi formalizado pelo presidente da OAB-RR, Ednaldo Gomes Vidal, na última sexta-feira, enviado ao ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, e ao presidente do TJ-RR, desembargador Jésus Nascimento. Ele ressalta no documento que, na ocasião, a juíza aplicou “efetivamente o ordenamento jurídico, observando as regras de segurança sanitária e garantia de direitos da pessoa presa, com excelência, presteza e dedicação, sempre pautada na ética e compromisso institucional”.
À reportagem, o TJRR afirmou que, conforme estabelecido pela Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, e pela Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), “as audiências de custódia são conduzidas assegurando condições adequadas ao custodiado e respeitando os princípios dos direitos humanos”.
Sobre a juíza Lana Leitão, o tribunal informou que a magistrada Lana Leitão não emitirá declarações sobre o caso em questão, por se tratar de rotina de procedimento na audiência de custódia.
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