Justiça Eleitoral e eleições no Amazonas: algumas peculiaridades

O Amazonas, com área territorial de 1.577.820,2 km² (quilômetros quadrados), e seus 62 municípios, é o maior Estado da federação, maior que toda a Região Nordeste com seus nove Estados e, maior, ainda, que França, Espanha, Suécia e Grécia somadas.

Seria o décimo oitavo maior País do mundo em área territorial.

Possui, o Estado do Amazonas, a maior bacia hidrográfica do mundo, bem assim, a maior floresta tropical do mundo.

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Some-se a isto, os picos de cheias e vazantes de seus rios que ocorrem a cada ano.

Pois bem, é neste contexto que cabe à Justiça Eleitoral realizar, a cada dois anos, eleições.

Tais características põem ante à Justiça Eleitoral um hercúleo desafio de desempenhar seu crucial papel de administrar as eleições e exercer jurisdição, em termos qualitativos, no processo democrático.

  1. Sistema de controle das eleições

Sistema de controle das eleições diz respeito ao modo como cada País desenvolve o processo eleitoral, isto é, a quem cabe o controle e realização das eleições, incluindo aí o registro dos candidatos, sua diplomação e posse.

Dentre as modalidades de sistema de controle das eleições, três se destacam: o Sistema de Verificação de Poderes, o Sistema Eclético e o Sistema Jurisdicional ou Judicial.

O Sistema de Verificação de Poderes tem como característica o fato de que as eleições ficam a cargo da Casa Legislativa para qual ocorrem.

Em nossos dias é o sistema adotado pelos Estados Unidos, cuja Constituição prevê em seu artigo I. Seção 5: “Each House shall be the Judge of the Eletions, Returns and Qualifications of its own Members…” (Cada Casa será o Juiz das Eleições, Reeleições e Qualificações de seus próprios Membros…).

Adota-o, também, a nação Argentina, assim positivado em sua Constituição: “Cada Cámara es juez de las elecciones, drechos y títulos de sus membros em cuanto a su validez…” (Cada Câmara é juiz das eleições, direitos e títulos de seus membros e quanto a sua validade…).

Já o Sistema Eclético, é aquele em que a eleição é organizada por uma comissão mista, composta por membros do Poder Executivo e Legislativo. É o caso da França, tendo sua regulamentação sido deixada para a lei ordinária.

O Sistema Jurisdicional ou Judicial, por sua vez, é aquele em que a eleição fica a cargo de um órgão especializado do Poder Judiciário.

O Estado brasileiro, em nosso modesto sentir acertadamente, consagrou o sistema judicial, ao estabelecer em sua Constituição Federal, art. 92, V, como órgão do Poder Judiciário os Tribunais e juízes eleitorais.

Diz Adriano Soares da Costa (2013: 271), “A Justiça Eleitoral é órgão jurisdicional, concebido com a finalidade de cuidar da organização, execução e controle dos processos de escolha dos candidatos a mandatos eletivos (eleições), […]. Não está a Justiça Eleitoral inserida como apêndice do Poder Executivo, tampouco submetida à esfera de atuação do Poder Legislativo. Trata-se de um órgão de natureza jurisdicional, engastado na estrutura do Poder Judiciário”.

Com acuidade, destaca o mestre alagoano: a solução se revela a mais consentânea com a nossa realidade sociopolítica, mercê de várias razões: em primeiro lugar, restou confiada a um poder desinteressado à licitação de acesso aos mandatos eletivos, tornando mais equilibrada a disputa. Outrossim, aproveitando-se da estrutura local do Poder Judiciário. Em parte, solucionou-se o dilema da criação de uma estrutura cara e inchada, com a finalidade de atuar mais efetivamente apenas de biênio em biênio. Last but not list, justapôs vantajosamente, em um único órgão, as atribuições administrativas e jurisdicionais, possibilitando uma importante harmonia na efetivação das normas eleitorais. À Justiça Eleitoral brasileira, portanto, foi confiada não apenas à resolução dos conflitos de interesses exsurgidos no prélio eleitoral, mas também a competência para organizar e administrar o processo eleitoral, além da função de editar regulamentos normativos para as eleições. Assim, a Justiça Eleitoral exerce uma atividade administrativa fiscalizadora das eleições, compositiva de conflitos e legislativa (2013: 272).

2. Dos sistemas eleitorais

Banda outra, sistemas eleitorais é o modo pelo qual os eleitores expressam em votos sua preferência partidário ou pessoal, a qual é traduzida em mandatos.

Da análise da Constituição de 1988 e do conjunto de técnicas e procedimentos empregados na realização das eleições brasileiras, observa-se que adotamos dois sistemas de representação eleitoral: o sistema de representação majoritário e o sistema de representação proporcional.

O sistema majoritário, adotado para as eleições de presidente da República, governador do Estado e Distrito Federal, prefeito e senador da República, nenhuma dificuldade há, elege-se aquele candidato que obtiver a maioria dos votos apurados, independentemente da legenda partidária à qual estiver filiado.

Na lição de Marcel Prelót, citado por Roberto Moreira de Almeida (2012: 432), “a representação proporcional tem por objeto assegurar as diversas opiniões, entre as quais se repartem os eleitores, um número de lugares proporcionais às suas respectivas forças”.

É o sistema empregado entre nós para as eleições destinadas ao preenchimento de cargos do Poder Legislativo (deputado federal, deputado distrital e vereador).

Como se vê, neste sistema, diversamente do que ocorre com o sistema majoritário, para se saber se determinado candidato foi ou não eleito, há de se fazer um cálculo aritmético. Aqui, há de se descobrir previamente os números referentes ao quociente eleitoral, ao quociente partidário e à distribuição das sobras.

Devo esclarecer ser o quociente eleitoral encontrado pela divisão entre os votos válidos (todos os votos dados aos partidos e aos candidatos, excluídos os brancos e nulos), e o número de lugares a preencher no parlamento, desprezando-se a fração igual ou inferior a meio e elevando-se para uma fração superior a meio.

Consiste este no número mínimo necessário para que um partido ou coligação eleja um parlamentar.

Já o quociente partidário é obtido através da divisão entre o número de votos conquistados pelos partidos ou coligação, pelo quociente eleitoral, desprezando-se a fração.

Corresponde, o quociente partidário, ao número de vagas obtidas pelo partido ou coligação em determinado pleito eleitoral.

Várias são as críticas assacadas contra o sistema proporcional. Duas merecem relevo: Primeira, a injustiça derivada do fato de que candidatos muito bem votados, por vezes, não se elegem, porque seu partido ou coligação não atingiu o quociente eleitoral, enquanto aquele com um mínimo de voto é eleito em razão da legenda; segunda, corolário da primeira, é a ilegitimidade da representação, uma vez que integra o parlamento candidato que não recebeu votos suficientes para se dizer que representa determinado segmento da sociedade.

3. A Justiça Eleitoral

A Justiça Eleitoral é órgão do Poder Judiciário, sendo composta pelo Tribunal Superior Eleitoral, os Tribunais Regionais Eleitorais, os Juízes Eleitorais e as Juntas Eleitorais (CF/88, Art. 118, I a IV).

Caracteriza-se esta Justiça Especializada por não ter uma magistratura própria, sendo seus órgãos submetidos ao princípio da periodicidade da investidura das funções eleitorais, segundo o qual não há magistrados permanentes investidos nas atribuições de juiz eleitoral, sendo elas exercidas temporariamente.

No magistério de Olivar Coneglian (2003:64), essa renovação provocada pelos mandatos temporários dos juízes eleitorais dá oportunidade a todos os magistrados estaduais de participarem, efetivamente, da vida política da nação e vivenciarem a democracia.

É, ainda, característica da Justiça Eleitoral, ser esta uma Justiça executiva, isto porque, enquanto todas as atividades fins de todos os órgãos da Justiça é julgar, ou exercer jurisdição; a atividade fim da Justiça Eleitoral é realizar as eleições.

Leciona Torquato Jardim (1998:40): embora montado em modelo tipicamente judiciário – estrutura, forma, pessoal, vestes talares e jargão judiciários, sua tarefa é essencialmente administrativa, e só eventualmente jurisdicional. O processo eleitoral é um processo administrativo.

Enquanto a Justiça é por natureza inerte, só se movimentando quando provocada, a Justiça Eleitoral não é inerte a não ser na função jurisdicional pura. Em todos os atos da administração, a Justiça eleitoral pode e deve agir de ofício, independentemente de provocação.

4. O Estado do Amazonas e suas peculiaridades

O Estado do Amazonas, já registrei nos prolegômenos a este artigo, é o maior Estado da federação. Isto, por si só, não significaria qualquer dificuldade para a realização das eleições, não fossem algumas peculiaridades locais.

Dividido em 62 municípios, não há entre estes e destes com a capital Manaus, um sistema de ligação que possa ser utilizado sem interrupção por todo o ano.

Diz-se comumente, e sem erro, que suas estradas são os rios. O problema está em que estas estradas não são navegáveis durante todo o ano.

De fato, os últimos 100 anos de mensuração desses dados têm demonstrado um histórico de cheias e vazantes da região, que se alternam ao longo dos anos com grandes enchentes e grandes vazantes.

Lembro, neste momento, que as eleições, por previsão legal – Lei N° 9.504/97, art. 1° – ocorrem sempre no mês de outubro, período de grande seca dos rios da região, a dificultar absurdamente o transporte das urnas eletrônicas para os diversos municípios, e destes para as suas comunidades.

A logística para a entrega destas urnas em cada seção eleitoral, para assegurar o direito de votar a todo cidadão brasileiro, é tarefa de tal monta, que demanda uma combinação de estratégia de guerra.

Demais disso, na rica cultura do Estado, há uma infinidade de comunidades compostas por diferentes etnias indígenas falando línguas completamente diferentes umas das outras.

É em face destas peculiaridades regionais tão adversas que a Justiça Eleitoral do Estado do Amazonas atua, na qualidade de guardiã da democracia, não permitindo que qualquer cidadão, da mais longínqua comunidade, falando a mais diferente língua indígena, fique sem votar.

Registrou com precisão Eron Bezerra (2010:328) comentando o resultado de eleição passada: “Dezenas de comunidades em plena selva amazônica, habitadas por índios e ribeirinhos, sem luz elétrica ou telefone, aonde só se tem acesso por helicóptero ou por pequenas aeronaves que utilizam pistas de chão batido, estavam com seus resultados eleitorais devidamente totalizados perante o TRE, em Manaus, menos de 30 minutos após o horário oficial de encerramento da votação no Amazonas. Como foi possível esse ‘milagre’?”.

É esse o trabalho da Justiça Eleitoral no Amazonas, realizar esse milagre.

Leland Barroso de Souza é mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), professor de Direito Eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
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(*)Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), Professor de Direito Eleitoral e Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP)

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