‘Ler o mundo com respeito à dignidade’, afirma analista de Direitos Humanos

Familiares e amigos enterram no cemitério de Irajá o corpo do menino Ryan Gabriel, de 4 anos, morto após ser atingido por uma bala perdida durante confronto de traficantes dos morros da Serrinha e Cajueiro, em Madureira (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – É preciso ter sensibilidade para desenvolver uma visão de respeito aos direitos humanos. Pelo menos é o que afirma o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Amazonas (OAB-AM), Caupolican Padilha Junior, sobre a “habilidade” que muitos precisam ter para entender que o próximo é digno de ter sua dignidade respeitada. Neste sábado, 12, é comemorado o Dia Nacional dos Direitos Humanos.

À REVISTA CENARIUM, o jurista explica que direitos humanos é uma linguagem, uma técnica, de ler o mundo tendo por foco o respeito à dignidade humana, ao ser humano como ser digno, que merece ser respeitado.

Quando eu falo em questão de sensibilidade, eu falo em questão de um processo de formação, até utilizando uma interpretação gadameriana [do filósofo Hans-Georg Gadamer] de que a pessoa está aberta a entender que o diferente, o outro, precisa ser respeitado, para que ela possa entender essa linguagem“, explica.

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Pessoas que entendem que pessoas são diferentes, LGBTQIAPN+, de matrizes africanas, e que precisam também ser respeitadas, pessoas em ambientes de confinamento, entender que o crime não é necessariamente uma decisão pessoal. Há todo um conjunto de estudos científicos que demonstram isso, então, é necessário que pessoas estejam abertas a entender isso e sair um pouco daquele nicho em que elas foram formadas, como policiais, juízes, etc“.

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Direitos humanos no serviço público

Caupolican Padilha Junior lembra que para parte dos agentes públicos falta insensibilidade e linguagem dos direitos humanos, atitudes que influenciam na sociedade. Isso é causado, principalmente, pela formação dos mesmos, focada apenas em protocolos.

Você vê formação de policiais, magistrados, promotores, etc, nenhum deles é formado a partir da linguagem dos direitos humanos. Eles são formados a partir de protocolos em que se lê uma convençãozinha, se faz brincadeira, se faz chacota, você não tem uma formação, você não gera senilidade nesses agentes públicos“, explica.

Eu entendo que eles [agentes públicos e políticos] não conseguem fazer com que essa sensibilidade seja a tônica das suas atitudes públicas, porque o ecossistema do Estado não é preparado para ter sensibilidades que envolvam ou que aceitem os termos da linguagem dos direitos humanos. A gente consegue perceber isso, é histórico“, diz, ainda.

Violência nos presídios

O debate acerca do tema ressurge em meio às investigações acerca de torturas em presídios do País. Em julho, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) identificou que cinco Estados usavam técnica de tortura em que os dedos das mãos de pessoas encarceradas são fraturados. São eles: Rio Grande do Norte, Ceará, Roraima, Amazonas e Pará. 

A prática foi encontrada a partir da atuação da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP), ligada ao Ministério da Justiça. O MNPCT começou a perceber a disseminação dessas ocorrências em locais de incursões realizadas pela FTIP.

À Agência Brasil, a coordenadora do MNPCT, a advogada Carolina Barreto Lemos, lembrou que a prática não tem justificativa legal e é um crime de tortura.

Por óbvio, isso é uma forma completamente ilícita, não é algo que possa se justificar a partir de nenhum viés, não há nenhuma justificativa legal, isso se configura muito claramente enquanto um crime. Um crime de tortura, porque é uma forma de castigar, de impor um castigo ilegítimo, injustificado, para além do castigo que é a própria privação de liberdade”, avalia a advogada. Acrescenta que a prática de se fraturar dedos está completamente fora dos padrões de uso proporcional da força“, disse.

O jurista Caupolican Padilha Junior considera que o ecossistema da polícia é avesso à linguagem dos direitos humanos, por estar encastelado em valores de guerra e de enfrentamento.

Você não tem uma polícia preparada para a cidadania. As polícias são muito preparadas para a guerra. Isso é muito em razão de quem administra. Os chefes de polícia, os comandantes das polícias militares, você percebe que são pessoas formadas em ecossistemas de truculência, que não tem sensibilidades ou vetores pessoais que sejam abertos a essa linguagem e possa perceber o outro como diferente“, explica.

Direitos humanos

De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), agência da Organização das Nações Unidas (ONU), responsável por fornecer recursos humanitários e de desenvolvimento e ajuda crianças em todo o mundo, os direitos humanos são normas que reconhecem e protegem a dignidade de todos os seres humanos.

Os direitos humanos regem o modo como os seres humanos individualmente vivem em sociedade e entre si, bem como sua relação com o Estado e as obrigações que o Estado têm em relação a eles“, explica a organização.

As normas para garantia dos direitos humanos são asseguradas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), documento considerado um marco na história. Ele foi elaborado por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo e proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, em 10 de dezembro de 1948, por meio da Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações.

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