Maior vazante dos últimos dez anos muda cenário amazônico

Imagem de drone da seca do Rio Negro no Porto do Cacau Pirêra, no município de Iranduba, no Amazonas (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – Do alto da Avenida Ernesto Costa, no bairro Colônia Antônio Aleixo, Zona Leste de Manaus, a união entre o barroso Rio Solimões e o escuro Rio Negro se destaca no horizonte. Acostumados a ter o Encontro das Águas como paisagem diária, os moradores agora dividem a vista com o cenário devastador daquela que já é considerada a maior seca do Amazonas dos últimos dez anos, segundo medições do Porto de Manaus.

Dois quilômetros de areia e lama seca dividem a rua do rio, que antes chegava à beira do penhasco, ocupando todo o espaço do lago, e era utilizado como meio de locomoção. O longo caminho de terra, cortado por um filete de água, com a profundidade de 20 centímetros (cm) é reflexo da ausência de chuvas e o período de calor no Estado.

Vista da Avenida Ernesto Costa, no bairro Colônia Antônio Aleixo; ao fundo, o Encontro das Águas (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

O Lago do Aleixo é banhado pelas águas do Rio Negro e tem como principal atividade econômica a pesca e o turismo aquático, voltados para o lazer e alimentação. O local também é ponto de saída para passeios que levam ao Encontro das Águas. 

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Moradores contam que o rio secou em dois dias (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

Imagens de satélite do Sentinel Hub EoBrowser, capturadas no dia 19 e 24 de setembro de 2023, mostram a mudança abrupta da paisagem. Na captura do dia 19 de setembro, é possível notar que o rio ainda ocupava todo o espaço do Lago do Aleixo, cinco dias depois, todo o perímetro já estava seco.

Imagens de satélite mostram diferença de cinco dias no Lago do Aleixo (Arte: Mateus Moura/Revista Cenarium Amazônia)

O construtor naval Ygson Dantas, que mora e trabalha no entorno do Lago do Aleixo há 22 anos, conta que a mudança da paisagem ocorreu abruptamente. Na quarta-feira passada, 20, ele conta que estava em um barco, no meio do lago, fazendo medições para um trabalho de restauração e ainda era possível trafegar na região pela água.

Pescadores trabalham em filete de água no Lago do Aleixo (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

Na quarta-feira (20 de setembro), eu estava na ponta daquele barco, quando foi dois dias depois aquele lugar onde andamos de barco agora estava em terra”, contou. No ano passado, a reportagem da REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA esteve na região do Lago do Aleixo, no período da estiagem, no mês de outubro, e havia identificado a construção de uma ponte que interliga o bairro Colônia Antônio Aleixo e a Comunidade Bela Vista.

Segundo Ygson, a seca foi tão inesperada que sequer deu tempo de construírem a ponte. “Em 48 horas, zerou o rio. Não deu tempo nem de pensar em fazer a ponte. A gente esperava que fosse abaixando aos poucos e tivesse assim no final de setembro, mas aconteceu que no meio do mês o rio sumiu”, conta.

Construtor naval, Ygson Dantas possui uma empresa de construção de barcos às margens do Lago do Aleixo (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)
Seca histórica

Dados coletados pela REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA no medidor oficial do Porto de Manaus mostram que a cota do Rio Negro chegou a 15,88 metros (m) nessa sexta-feira, 29, com uma vazante de 33m no volume do rio. Em 2022, na mesma data, o rio media 21,74m, registrando uma vazante de 24m, com o dia mais grave registrado em 27 de outubro, quando o rio atingiu cota de 16,20m.

Imagem do Porto de Manau na seca e com fumaça (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

A atual medição ainda não superou a seca histórica de 2010, quando o Rio Negro chegou à cota mínima de 13,63m, registrada no dia 24 de outubro daquele ano. Apesar disso, é possível que o nível do rio reduza ainda mais, até o fim de outubro, por conta do período sazonal, e ultrapasse a medição recorde.

O Governo do Amazonas prevê que a seca deste ano pode ser a mais severa já registrada, isso porque o rio deve secar ainda mais até outubro. Em todo o Estado, a estiagem já afeta 111 mil pessoas. Na terça-feira, 26, ministros do Governo Lula e o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), anunciaram medidas de combate à seca, com a criação de uma força-tarefa para reforçar as ações realizadas para apoiar as mais de 100 mil pessoas afetadas na região.

Nesta sexta-feira, 29, Wilson Lima anunciou, durante entrevista ao GloboNews, que deve decretar estado de emergência em todo o Estado, além de instaurar um gabinete de crise por conta da estiagem que tem afetado tanto a saúde, quanto a segurança dos moradores do Amazonas.

Segundo o Boletim Informativo dessa sexta-feira, 29, sobre a Operação Estiagem 2023, 19 municípios do Amazonas estão em estado de emergência, são eles: Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Amaturá, São Paulo de Olivença, Santo Antônio do Içá, Tonantins, Tabatinga, Manaus, Manaquiri, Envira, Itamarati, Eirunepé, Ipixuna, Tefé, Coari, Jutaí, Maraã, Uarini e Pauini.

Leia mais: Força-tarefa federal vai levar ajuda humanitária a cidades afetadas pela seca no AM
Mulher caminha com criança no colo no Lago do Aleixo, em Manaus (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

Outros 36 estão em alerta, sendo eles: Anamã, Anori, Caapiranga, Careiro, Careiro da Várzea, Codajás, Iranduba, Manacapuru, Novo Airão, Boca do Acre, Pauini, Beruri, Humaitá, Manicoré, Novo Aripuanã, Nova Olinda do Norte, Borba, Guajará, Carauari, Juruá, Alvarães, Fonte Boa, Japurá, Barreirinha, Boa Vista do Ramos, Nhamundá, Urucará, São Sebastião do Uatumã, Parintins, Maués, Rio Preto da Eva, Itacoatiara, Silves, Itapiranga, Urucurituba e Autazes.

Cinco estão em estado de atenção: Lábrea, Canutama, São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos; e os municípios de Presidente Figueiredo e Apuí estão normais.

Retirada de flutuantes

Morador da região, Antônio Silva, 70, contou à reportagem que nunca tinha visto uma seca como a que está vivendo agora. “Tá bem pior que o ano passado”. Além da estiagem, os donos dos flutuantes estão preocupados com a retirada dos empreendimentos do local. Segundo Antônio, equipes da Prefeitura de Manaus, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas), estiveram no local e avisaram que, em breve, os flutuantes também devem ser retirados do Lago do Aleixo.

Morador do bairro Colônia Antônio Aleixo, Antônio Silva (Ívina Garcia/Revista Cenarium Amazônia)

Em julho deste ano, o juiz Moacir Pereira Batista, da Vara Especializada do Meio Ambiente de Manaus, determinou que a Prefeitura realizasse a retirada de flutuantes da bacia do Tarumã-Açu, localizada na Zona Oeste de Manaus. A justificativa é de que a grande quantidade de empreendimentos, cerca de 900 flutuantes, estaria causando degradação ambiental no local.

O chefe do Executivo municipal, David Almeida, tem até o fim do ano para realizar a retirada dos materiais do Tarumã. Ao que tudo indica, a ação deve se estender para outras bacias da capital. A reportagem entrou em contato com a Semmas para confirmar se a secretaria planeja retirar os flutuantes do Lago do Aleixo, mas até o momento não obteve resposta.

Leia mais: Mais de 900 flutuantes serão retirados do Tarumã-Açu em Manaus; saiba quais são
Editado por Eduardo Figueiredo
Revisado por Adriana Gonzaga
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