Marco Temporal avança no Senado; STF tem maioria para invalidar tese

Dois indígenas no pôr do sol (Luís Nova/Reprodução)
Mayara Subtil – Da Revista Cenarium Amazônia

DISTRITO FEDERAL (BSB) – A tese do Marco Temporal vem avançando no Senado Federal, enquanto no Judiciário a medida caminha para invalidação. O relatório sobre Projeto de Lei que fixa o entendimento na legislação brasileira será apresentado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta quarta-feira, 20.

No mesmo dia, o assunto voltará a ser analisado no Supremo Tribunal Federal (STF). Seis ministros já votaram e o placar é de 4 votos a 2 pela rejeição da tese. Ainda faltam os votos de 5 magistrados. Eles terão de decidir sobre a aplicação de um Marco Temporal como critério para definir o direito à demarcação de terras.

O PL 2903 determina que os indígenas só têm direito às terras que ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a atual Constituição Federal. A relatoria da proposta é do senador da oposição Marcos Rogério (PL-RO).

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“Ou encaramos essa questão politicamente de uma legislação que valide o Marco Temporal com base na constituição de 1988 ou então nós vamos continuar com esse ambiente de insegurança jurídica”, disse o parlamentar.

Leia também: Julgamento sobre Marco Temporal é retomado no STF nesta quarta-feira
Senador Marcos Rogério (PL-RO), relator da proposta (Mayara Subtil/Revista Cenarium)

O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados em maio e já passou pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado. Se também for aprovado no plenário pelos senadores sem alteração, o projeto vai à sanção. Parlamentares já enviaram um requerimento de urgência para a votação do PL.

Já na Suprema Corte, a ação é julgada desde 2021 e envolve uma disputa do Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) pela área da Terra Indígena Ibirama-Laklanõ, colocando ruralistas e povos tradicionais em lados opostos.

Indígenas acompanham julgamento da tese do Marco Temporal no STF (Reprodução/Luís Nova)
Reações opostas

Além da tese do Marco Temporal, o Projeto de Lei em curso no Senado prevê a permissão para plantio de transgênicos em terras exploradas pelos povos indígenas, a adequação dos processos administrativos de demarcação ainda não concluídos às novas regras, bem como a nulidade da demarcação que não atenda a esses requisitos.

Para o líder indígena e vice-coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Enock Taurepang, o PL 2903 retira os direitos conquistados pelos povos indígenas. “Vem jogar o nosso principal direito, que é lutar pela terra e reconhecer os nossos territórios… essa lei joga essa decisão nas mãos do legislativo. Hoje, o legislativo do estado brasileiro ele não é um legislativo que representa um povo, é muito sujo, muito corrompido, desde os municípios até o patamar supremo”, disse.

Segundo Ivo Aureliano, advogado indígena Makuxi, também de Roraima, a tese do Marco Temporal fere a dignidade das comunidades tradicionais. “É um projeto de lei inconstitucional. De fato, fere a constituição federal no artigo 231 que trata dos direitos originários dos povos indígenas à terra, à demarcação. Eles [senadores] também querem aprovar um projeto de lei como forma de pressionar o STF. Somos contra essas violações que estão dentro do PL 2903”, detalhou.

A indígena Márcia Nunes Maciel, do povo Mura, que ocupa áreas no complexo hídrico dos rios Madeira, Amazonas e Purus, lembrou que muitas comunidades foram expulsas de seus territórios de origem e não tinham condições de estar neles em 1988. “Precisamos impedir que o Marco Temporal seja aprovado, pois estamos aqui nos nossos territórios muito antes de 1988. Muitos povos indígenas foram expulsos dos seus territórios pelos invasores”, reforçou.

A deputada federal indígena Célia Xakriabá (PSOL-MG) demonstrou preocupação com a possibilidade de aprovação pelo Senado do Projeto de Lei 2903. A parlamentar chamou atenção para o artigo 16 da proposta.

O dispositivo estabelece que, em caso de “alteração dos traços culturais” ou “outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo”, que demonstrem que a área indígena reservada não é essencial à sobrevivência física e cultural para aquele povo, a União poderá retomar a área reservada, destinando-a para a reforma agrária ou outra destinação de interesse público.

Ele vale apenas a áreas indígenas que não seguem o processo demarcatório dos territórios tradicionais já ocupados. Hoje não há previsão legal de retomada de terras reservadas a indígenas.

“Como não levar em consideração a época da ditadura militar onde os povos foram obrigados a saírem dos seus territórios? Nós entendemos que segurança jurídica é a segurança dos nossos territórios, segurança jurídica é a segurança alimentar, segurança jurídica é ter as mulheres indígenas permanecendo vivas. Nós propomos várias emendas, mas nesse momento a não alteração significa também que eles [senadores] não estão acessíveis a esse dialogo. E são vários artigos que comprometem, sobretudo, os direitos dos povos indígenas”, reforçou a deputada.

Impactos do Marco Temporal

Se o entendimento for adotado pelos magistrados, o Marco Temporal deverá ser seguido pelos demais tribunais do país em processos que tratam de demarcação de terras indígenas. Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça, há 226 processos suspensos nas instâncias inferiores do Judiciário à espera de uma definição sobre o tema.

Os ministros Edson Fachin [relator], Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso compreendem que o direito à terra pelas comunidades indígenas independe do fato de estarem ocupando o local na data em que a Constituição foi promulgada.

A Advocacia-Geral da União (AGU), por sua vez, enviou aos ministros um documento com considerações sobre o julgamento da tese do Marco Temporal, em especial sobre o voto do ministro Alexandre de Moraes. O parecer foi apresentado em nome da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Em junho, Moraes votou de forma contrária à tese, mas defendeu uma “indenização prévia” a quem comprou de “boa-fé” uma terra originária.

O texto da AGU afirma que a indenização não pode ocorrer antes da demarcação, pois estaria sendo estabelecida uma condição a mais à demarcação, que já estaria atrasada. O documento ainda afirma que essa proposta “condiciona o exercício da posse pelos povos indígenas a um gasto incalculável, em um ambiente de severas restrições de recursos no orçamento da União”.

Editado por Jefferson Ramos
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