Medo do cancelamento? Empresas substituem termo ‘Black Friday’

Empresas optam por abandonar o termo, mesmo sem confirmação de origens racistas (Arte:
Yana Lima – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS – Seja por uma possível associação ao racismo ou para reforçar a cor de suas identidades visuais, algumas marcas estão abandonando o termo “Black Friday”. Na tradução para o português, a expressão remete a “Sexta-Feira Negra”, em sentido literal.  Em 2023, a data oficial para o evento é 24 de novembro, quatro dias após o Dia da Consciência Negra. Mas, será que estas datas podem ter alguma relação?  O termo “Black Friday” pode ser considerado racista ou pejorativo?

Desde 2020, o nome da Black Friday começou a ser questionado por uma possível origem racista. O problema vem da associação do termo ‘negro’ ao desconto, como se as pessoas negras fossem algo desvalorizado, de baixo valor.

Defensoria Pública do Amazonas recomenda a substituição do termo ‘Black Friday’ por ‘Semana Promocional’ (Rovena Rosa/Agência Brasil)

No mesmo ano, a Defensoria Pública do Amazonas chegou a recomendar aos comerciantes que trocassem o termo “Black Friday” por “Semana Promocional”. O documento encaminhado à Câmara dos Dirigentes Lojistas de Manaus (CDL) e à Associação Comercial do Amazonas (ACA) argumentava que a expressão carrega conotação racista implícita, em razão de uma suposta relação entre produtos com descontos e a cor da pele. “Como se a cor significasse algo com valor diminuído”, explicou a Defensoria, no documento.

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Grandes marcas rebatizaram o termo

Grandes marcas já optaram por renomear a “Black Friday“, principalmente grupos do ramo de beleza. O Boticário, por exemplo, agora usa “Beauty Week”; a Avon passou a adotar “Best Friday”; Natura renomeou para “Natura Friday”; a M·A·C Cosméticos usa “Beauty Friday”; e a Imaginarium lançou o “Color Friday”.

Multinacionais do setor de beleza estão entre as que aboliram o termo. (Foto: Divulgação / O Boticário)

Fora do ramo da beleza, a Adidas escolheu “Best Fridays” em respeito às questões raciais, enquanto a Ipiranga optou por “Yellow Friday” para evitar associações raciais. Avatim usa “Nossa Sexta” e Americanas utiliza “Red Friday”. A Sono Quality Colchões adotou “Black Fábrica” e o Melhor Envio usa “Blue Friday” baseado nos significados positivos da cor azul.

Origem do termo

Como o termo é importado dos Estados Unidos, a origem e suas várias teorias passam por lá. No entanto, a procedência permanece incerta devido à falta de registros conclusivos.

Uma delas remonta ao século 19, relacionada a um evento de colapso no mercado de ações de ouro. Outra teoria aponta para uma revista dos anos 1950 que teria chamado o dia após o Dia de Ação de Graças de “Black Friday”. Também há uma hipótese relacionada ao caos no trânsito em Filadélfia nesse dia.

Além disso, existe uma teoria controversa que sugere uma conexão com a escravidão, onde escravizados eram vendidos a preços baixos em feiras às sextas-feiras.

Movimento no comércio durante a ‘Black Friday’ (Rovena Rosa/Agência Brasil)
Medo do cancelamento

Para o historiador Juarez Silva, embora o uso da palavra “negro” tenha tido conotações adversas ao longo da história, seu emprego na “Black Friday” não é comprovadamente relacionado a racismo. Segundo ele, várias teorias sobre a origem do termo indicam que ele não tem base em discriminação racial.

Ele avalia que a reflexão sobre sensibilidade e interpretação exagerada é necessária para evitar cerceamentos infundados e medos de “cancelamentos”. Para ele, é essencial focar em questões de justiça e igualdade racial de maneira equilibrada e sensata.

“O termo ‘blackjack’ por exemplo, apesar de conter um ‘black’, é uma carta de poder no jogo homônimo. Muito embora seja interessante desconstruir os usos ‘negativistas’ de ‘negro’ que impactaram e impactam indiretamente nas percepções racistas, é preciso noção para não cair no exagero e ridículo”, pontua.

O historiador avalia o tema como “problematização neoativista”. “Para evitar o risco, muita gente se antecipa em tentar contornar eventuais problemas. É triste, pois, hoje, em boa parte dos casos, o real motivo nem existe, é pura ‘viagem’ de quem não tem profundidade temática e/ou se deixa levar por identitarismos vazios e extremados”, destaca.

Marketing e americanização

O escritor e produtor de conteúdo Dimitri Vieira destacou, em artigo publicado em seu site, a influência da americanização e do marketing na adoção de termos em inglês no Brasil, como “Black Friday,” “Black Week,” e “Black November.”

Comércio brasileiro tem preferência por termos americanizados (Rovena Rosa/Agência Brasil)

Ele observa que criar equivalentes em português para esses termos é um desafio devido à familiaridade e ao impacto da versão em inglês. Embora seja possível que o Brasil desenvolva suas próprias expressões no futuro, atualmente, a influência e o reconhecimento das palavras em inglês permanecem fortes no contexto das promoções e descontos. Isso reflete a presença contínua da americanização na cultura e no mercado brasileiros.

“Talvez seja uma evolução natural para termos nossa versão brasileira, mas, por enquanto, acredito que continuaremos reféns da nossa americanização”, afirma.

Além do discurso

No entanto, estes atos com viés supostamente antirracistas precisam ir além do discurso e ser agentes de mudança. Um exemplo é a varejista Magazine Luiza, que usa o termo Black Friday, ao passo que mantém um programa de trainees para pessoas negras, que gerou reações na internet.

Magazine Luiza usa o termo “black friday”, enquanto mantém um programa de trainees para negros.(Foto: Divulgação)

Outras empresas ao redor do mundo estão adotando iniciativas antirracistas como uma resposta às demandas de justiça social. A marca de sorvete Ben and Jerry’s tem sido ativa na defesa de causas sociais, incluindo justiça racial, e criou até mesmo um sabor de sorvete para apoiar organizações antirracistas. A fintech Nubank reconheceu a necessidade de melhorar a representatividade negra em sua equipe e está trabalhando para ser um agente de mudança nesse sentido.

Nubank tem programa para inserir jovens negros de baixa renda no mercado de trabalho. (Foto: Divulgação)

A RD Station promove programas de diversidade racial e realiza a Semana da Consciência Racial para seus colaboradores. Enquanto isso, a Fractured Atlas, uma empresa de tecnologia voltada para o mercado artístico, tem se comprometido a ser antirracista e antiopressiva em todos os aspectos de seu funcionamento, adotando uma abordagem proativa para promover a igualdade e a justiça racial.

Edição: Marcela Leiros

Revisão: Gustavo Gilona

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