Militância bolsonarista fatura até R$ 1 milhão propagando vídeos com notícias falsas, aponta levantamento

Manifestantes protestam pelo voto impresso, em São Paulo (Amanda Perobelli/REUTERS)
Com informações do Infoglobo

SÃO PAULO- Além de impulsionar a circulação de notícias falsas, a militância bolsonarista nas redes sociais ganhou dinheiro propagando teses conspiratórias sobre o processo eleitoral. Levantamento conjunto entre O GLOBO, Novelo Data e Bites mostra que canais alinhados ao presidente Jair Bolsonaro (PL) faturaram até R$ 1 milhão com a reprodução de 1.960 vídeos, no YouTube, que renderam 57,9 milhões de visualizações.

Manifestantes protestam pelo voto impresso, em São Paulo (Amanda Perobelli/REUTERS)

A plataforma, que remunera os usuários de acordo com o volume de acessos, não divulga as informações sobre monetização, mas empresas de análise de redes sociais estimam entre US$ 0,25 e US$ 4 para cada mil visualizações. Assim, os valores do levantamento variam entre R$ 68,4 mil e R$ 1,09 milhão.

Os conteúdos com ataques às urnas explodiram em 2018, ano da vitória de Bolsonaro — três dos vídeos mais populares são daquele ano. Já sob a atual gestão, com a ofensiva propagada pelo presidente, a circulação entrou em patamar ainda mais elevado. Em 2020, quando ocorreram eleições municipais, o volume chegou a 197. 

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O número foi ultrapassado em larga escala pelos 1.212 vídeos de 2021, ano em que a proposta que previa o voto impresso, encampada por parlamentares bolsonaristas, foi derrotada na Câmara. Este ano, até a última quinta-feira, 26, havia 128 vídeos endossando a desconfiança no pleito.

Canais com vídeos sobre desinformação no Youtube

Canais com vídeos sobre desinformação no Youtube (Reprodução/Editoria de Arte)

A estratégia envolve jogar suspeição não apenas sobre o sistema eleitoral, mas também a respeito das pesquisas de intenção de voto — tidas por bolsonaristas como dados fraudados que corroborariam uma vitória falsa de adversários do presidente.

As teses se utilizam, recorrentemente, da descontextualização do noticiário. Um exemplo é a repercussão dada por bolsonaristas ao questionamento feito ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pelas Forças Armadas, com a escolha de omitir a própria resposta do Tribunal aos militares, reafirmando a segurança do sistema. O vídeo intitulado “TSE fica em silêncio diante de questionamentos das Forças Armadas sobre urnas eletrônicas”, do programa Os Pingos nos Is, tem 704 mil visualizações. Nunca houve fraudes desde que os equipamentos foram implantados.

— Moderação de conteúdo exige atenção às nuances, mas fica claro que, mesmo vídeos frontalmente contrários às políticas do YouTube, como a live sobre urnas de Jair Bolsonaro, seguem no ar — diz Guilherme Felitti, da Novelo Data.

FILIADO AO PL

Um dos youtubers que se destacam nessa campanha difamatória é Gustavo Gayer (916 mil inscritos), que alcançou mais de 1,3 milhão de visualizações em um vídeo sobre uma suposta fraude eleitoral pró-Lula — que se tornou o terceiro mais assistido nos chats de extrema-direita no Telegram. Ele é pré-candidato a deputado federal em Goiás pelo PL, sigla de Bolsonaro.

No vídeo, Gayer apresenta um áudio, supostamente vazado, atribuído ao advogado João Fontes, expulso do PT em 2003 quando era deputado federal, e discorre sobre a possível volta do partido ao poder, por meio de fraude eleitoral, “transformando o Brasil em Cuba”.

Outras de suas publicações têm títulos como “Campanha contra o voto impresso: Barroso dá R$ 3 milhões para empresa investigada na Lava-Jato”, referindo-se ao ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), e “Vídeo mostra que a maioria do Brasil não confia nas urnas eletrônicas”. No primeiro caso, o valor está errado, e a vencedora da licitação não é investigada; no segundo, pesquisas seguidas do Datafolha mostram que mais de 70% da população confia no atual modelo.

Padrões mínimos

Também pelo PL, Fernando Lisboa, do canal Vlog do Lisboa (785 mil inscritos) é pré-candidato a deputado federal por São Paulo. Ele é dono de vídeos como “Bolsonaro diz que é quase impossível não ter fraude na urna eletrônica”, “Lula tenta outra tática” e “Generais citam risco de fraude com Lula e defendem o voto impresso auditável”.

Paulo Eneas, editor do site bolsonarista Crítica Nacional, e Roberto Boni, cover do cantor Roberto Carlos e criador do canal Universo, no YouTube (479 mil inscritos), são outros pré-candidatos, ambos pelo PMB de São Paulo, que publicaram desinformação sobre as eleições. 

“Arbitrar o espaço para uma crítica legítima ao sistema é desafiador, pois não é o caso de transformar o TSE numa autoridade inquestionável. Mas, com a eleição chegando, as plataformas devem ser pressionadas a estarem comprometidas com padrões mínimos de proteção à integridade do processo eleitoral”, avalia o diretor-executivo do InternetLab, Francisco Cruz.

Em sua política contra desinformação eleitoral, o YouTube diz que não permite “conteúdo postado após a certificação dos resultados oficiais para promover alegações falsas de que fraudes, erros ou problemas técnicos generalizados mudaram o resultado de eleições nacionais anteriores”.

A regra, no entanto, só se aplica às eleições americanas, às eleições federais da Alemanha de 2021 e à eleição presidencial do Brasil de 2018 — caso incluso em março de 2022, de maneira retroativa. Em nota, a plataforma afirmou que conta com uma “combinação de inteligência de máquina, revisores humanos e denúncias de usuários para identificar material que possa estar em desacordo com as regras”.

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