Mulheres no esporte: ‘Mais que abrir portas, precisamos abrir mentes’, dizem jornalistas do AM

Larissa Balieiro e Thais Gama vivenciaram as alegrias e as agruras de fazer jornalismo esportivo em meio à realidade de um universo pouco afeito à presença feminina (Thiago Alencar/CENARIUM)
Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – Após a repercussão da primeira narração brasileira de uma mulher em TV aberta, na Copa do Mundo do Qatar, o universo feminino das profissionais jornalistas desportivas entrou em uma nova fase. A carioca Renata Silveira narrou o jogo entre Dinamarca x Tunísia, na última terça-feira, 22, pela Rede Globo de Televisão. Em Manaus, jornalistas que cobrem jogos de futebol relembram ataques preconceituosos e comemoraram o marco imposto por Renata Silveira.

Em entrevista à REVISTA CENARIUM, Larissa Balieiro e Thais Gama, duas repórteres que atuam no jornalismo esportivo, comentaram o fato histórico. Thais Gama está como âncora na BandNews Difusora FM e Larissa Balieiro atua como repórter na Difusora FM. Juntas, em momentos diferentes, elas testemunharam e provaram os dissabores de encarar o mundo predominantemente masculino do universo esportivo.

Thais Gama. Entre o gramado e o machismo, mulheres avançam nos espaços do jornalismo esportivo brasileiro (Reprodução/Arquivo Pessoal)

“Eu comecei a cobrir o futebol amazonense entre os anos de 2010 e 2011. Em 2012, já integrava a equipe de esportes da Rádio Difusora. Não era em todos os jogos que eu atuava e quando não estava cobrindo, estava na arquibancada para acompanhar”, relembrou Thais Gama. A profissional recordou um episódio constrangedor em 2017. “Ao publicar uma foto de uma cobertura de um jogo, no estádio Carlos Zamith, um torcedor foi lá e postou que mulher não estava em condições de comentar porque não entendia de nada, e que meu lugar era na cozinha”, lembrou.

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Olhares…

Atuando no jornalismo esportivo há 10 anos, Larissa Balieiro, da Rádio Difusora FM, traz na memória as lembranças do início da carreira. “Eu ía para os estádios e percebia os olhares, olhares esses que depois de 10 anos não mudam…”, observou. “Era a única mulher que ía para os estádios, em um ambiente 99% masculino e, inúmeras vezes, era confundida como esposa de jogador, torcedora, e isso me impactou”, recordou Larissa.

Uma imagem que reflete um mercado de trabalho em metamorfose. A repórter Larissa Balieiro em uma roda de profissionais homens (Reprodução/João Normando)

Thais Gama também destacou os estereótipos que marcam a presença de mulheres no universo do futebol. “Existe uma visão de que a mulher no futebol é homossexual ou está de olho, com interesse nos homens, ou procura algum benefício próprio”, criticou. Observadora, Thais não deixou de notar contradições na Copa do Qatar. “Que irônico, não é? Na copa em que muitas mulheres estão atuando, a competição acontece em um País que faz de tudo para nos invisibilizar”, lamentou.

Tanto Larissa quanto Thais entendem a força da simbologia do momento histórico vivido por Renata Silveira na Copa do Qatar, mas, ambas acrescentam que as declarações de Renata de que o momento iria abrir as portas para as mulheres precisam de cautela e foco porque, segundo Thais Gama: “Ainda há muitas barreiras a se quebrar no jornalismo esportivo”, ponderou. “Mais que abrir portas, precisamos abrir mentes”, concluíram.

Referências

Para a socióloga Marklize Siqueira, o caminho é árduo, mas as mudanças estão acontecendo. “Já existem mulheres que assumiram o jornalismo esportivo e têm se tornado referências em grandes veículos de comunicação. Podemos citar Ana Thaís Matos, Janaína Xavier, do Sportv, Bárbara Coelho e Lívia Laranjeira, da Rede Globo de Televisão, e tem, ainda, Jéssica Dias, da ESPNBrasil, que passou por uma situação de assédio no seu momento de trabalho que gerou, inclusive, repercussão”, comentou.

A própria Marklize relembrou sua história: “Poucas pessoas acompanharam o momento da minha vida que fui comunicadora esportiva na rádio ‘A Voz das Comunidades’. O nome do programa era ‘Momento Esportivo’. Isso foi no início dos anos 2000. Naquele período havia pouquíssimas mulheres nessa área do jornalismo esportivo. De lá para cá, as coisas mudaram bastante”, contextualizou.

Ela aproveitou para destacar profissionais locais: “No Amazonas, podemos citar o trabalho de Larissa Balieiro, Thais Gama, Júlia Magalhães e Isabella Pina, que é uma apaixonada pelo jornalismo esportivo. Claro que o machismo, nesses ambientes, é uma constante, mas, ainda assim, a ocupação por mulheres nessa área tem avançado de forma visível. Contudo, temos muito a fazer ainda”, finalizou.

Inédito

Na última terça-feira, 22, a carioca de 33 anos foi responsável pela narração de Dinamarca x Tunísia na TV Globo. Foi a sexta partida do mundial disputado no Qatar.

“Vai ser um dia muito especial por dois motivos: primeiro, vou me tornar a primeira mulher a narrar um jogo de Copa do Mundo na TV aberta; e o outro é que vou narrar a Dinamarca, e todo mundo sabe que no ano passado, na Eurocopa, no jogo que ocorreu o mal súbito que o Eriksen teve, eu estava lá”, comentou Renata em um vídeo postado no Instagram.

Formada em Educação Física, com pós-graduação em jornalismo esportivo, Renata começou a carreira na narração ao vencer, em 2014, um concurso da Rádio Globo. Como prêmio, narrou os jogos Uruguai x Costa Rica e Croácia x México, pela Copa do Mundo. Estreou, na televisão, ao ser selecionada pela Fox Sports para narrar jogos da Copa do Mundo de 2018, na Rússia. Entre eles, Brasil x Suíça, Brasil x Bélgica (a eliminação da seleção) e a final França x Croácia.

Em dezembro de 2020, foi contratada pela TV Globo, sendo a primeira narradora da história da empresa. Desde então, acumula transmissões tanto na TV aberta quanto na fechada, com direito à estreia no futebol masculino, em abril deste ano, na narração de Ceilândia x Botafogo, pela terceira fase da Copa do Brasil.

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