No Chile, Boric se torna presidente mais jovem e mais votado da história do País

Boric acena a apoiadores reunidos no Centro de Santiago, antes de fazer discurso da vitória (MARTIN BERNETTI / AFP)
Com informações do Infoglobo

Superando amplamente as expectativas mais otimistas da esquerda chilena, o deputado e ex-líder estudantil Gabriel Boric, de apenas 35 anos, tornou-se neste domingo o presidente eleito mais jovem do Chile nos séculos XX e XXI, e também, com o respaldo contundente de 4,6 milhões de eleitores, o mais votado na História do País.

Nunca antes no Chile um candidato que ficou em segundo lugar no primeiro turno venceu no segundo. Boric conseguiu, ainda, superar os votos a favor de uma nova Constituição, no plebiscito de 2020.

Num resultado que trouxe à memória o plebiscito que marcou o começo do fim da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), em 1988, o candidato da coalizão Aprovo Dignidade — integrada pela Frente Ampla, de Boric, e o Partido Comunista do Chile — obteve 55,87% dos votos válidos, contra 44,13% do candidato de extrema direita José Antonio Kast.

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No plebiscito sobre a continuidade do regime militar, o “sim” atingiu 44,01%, e o “não” venceu com 55,59%. Em palavras da analista política Marta Lagos, diretora da Latinobarômetro, “no segundo turno instalou-se a dicotomia do plebiscito, e o resultado foi o mesmo”.

“Foi um não ao fascismo, ao que Kast mostrou na primeira etapa da campanha. A moderação posterior não convenceu”, afirma Lagos.

No plebiscito de 2020 que levou à convocação da Constituinte, votaram cerca de 7,5 milhões de chilenos, e neste domingo a participação superou os 8 milhões, ficando em torno de 55% dos eleitores (no primeiro turno, em novembro, foi de 47%), a mais alta desde que o voto deixou de ser obrigatório, em 2012.

Entre o primeiro e o segundo turno, a participação aumentou em torno de oito pontos percentuais, o que representa cerca de 1,2 milhão de eleitores a mais. A grande maioria optou por Boric, na visão de analistas locais, como um voto de temor ao que Kast, opositor, por exemplo, do casamento gay e da legalização do aborto, poderia representar para o futuro do País.

Boric também foi o candidato mais votado no exterior, com mais de 80% dos sufrágios. Na Grande Santiago, o presidente eleito venceu em amplos setores, sendo derrotado por Kast apenas em bairros de classe média alta e alta. No primeiro turno, Kast, de 55 anos, ficou em primeiro lugar, com 27,9% dos votos, contra 25,8% de Boric.

Em outro marco importante, a presença do Partido Comunista na coalizão de Boric representa a primeira vez em que a legenda terá participação de peso no governo desde o do socialista Salvador Allende, derrubado no golpe de 1973. O PC teve antes uma participação mais modesta no segundo governo de Michelle Bachelet, entre 2014 e 2018.

Em sua conta na rede social Twitter, o candidato da direita radical foi republicano na derrota. Reconheceu a vitória do adversário e confirmou ter se comunicado com Boric “por seu grande triunfo” .

Primeiro discurso

Em conversa telefônica com o presidente Sebastián Piñera, o presidente eleito afirmou que daria “o melhor de mim para encarar este tremendo desafio”. A ligação do presidente no cargo para o presidente eleito é uma tradição da política chilena. Piñera, cujos aliados apoiaram Kast, disse a Boric que “todos esperam muito de você, os que o votaram e os que não também”. Depois, o presidente pediu “prudência” ao eleito.

Boric fez o primeiro discurso depois de eleito diante da multidão de apoiadores reunida no Centro de Santiago para comemorar sua vitória. Abrindo o discurso com uma saudação em mapudungu, a língua dos mapuches que formam “este lugar que chamamos Chile”, ele defendeu a imprensa livre, os direitos humanos e as mulheres.

“Serei o presidente de todos os chilenos e todas as chilenas. Vocês serão protagonistas do nosso governo — disse, enquanto uma multidão gritava “Justiça, verdade, não à impunidade”. Que nunca mais tenhamos um presidente que declare guerra a seu próprio povo.

O presidente eleito do Chile foi felicitado pelos chefes de Estado de Argentina, Equador e Uruguai, entre outros. O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, não tinha se pronunciado até a noite de ontem, e Nicolás Maduro, da Venezuela, expressou sua satisfação retuitando mensagens de euforia pelo resultado da eleição chilena. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva parabenizou Boric em sua conta na rede social Twitter, e escreveu que “ficou feliz por mais uma vitória de um candidato democrata e progressista na nossa América Latina, para a construção de um futuro melhor para todos”.

Futuro gabinete

Uma das incógnitas a partir de agora é que partidos da coalizão esquerdista e outros que apoiaram a candidatura de Kast, entre eles o Partido Socialista, terão mais peso na formação do futuro governo. As demandas da sociedade chilena são amplas e variadas, e incluem questões como a recuperação da economia, segurança, controle da inflação, melhora da educação e do sistema de saúde público.

Na visão de Guillermo Holzzman, professor da Universidade de Valparaíso, “existem muitas dúvidas sobre o futuro gabinete e qual a relevância de cada um dos atores políticos”.

“Boric tem 35 anos e pouca experiência. Ele não tem experiência sobre como administrar o País”, frisou Holzzman.

Para o professor de Valparaíso, também é importante ficar de olho na oposição, que estará dividida entre a extrema direita que lidera Kast e uma direita mais moderada, embora o tenha apoiado.

Boric governará sem maioria no Congresso que foi eleito em novembro e tomará posse em 2022, no qual a oposição de direita já antecipou que continuará lutando por uma agenda conservadora. O presidente eleito pediu uma “transição limpa e com respeito”. Os primeiros gestos de Kast, que foi pessoalmente ao comando da campanha de Boric, foram positivos.

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